quarta-feira, 1 de agosto de 2007

''O Rio de Janeiro continua lindo...''


...e mesmo com frio e caos aéreo é para lá que eu vou esta semana. Preferi, portanto, deixar o texto para o retorno. Sim, o Rio sempre me provoca sensações, sentimentos e reflexões.



...''o Rio de Janeiro, fevereiro e março...'' mexe comigo. Não sei estar lá e não me encantar com cada curva, cada praia, cada prédio. Foi lá que veio a inspiração sobre a Ditadura dos Pares. É lá que espero encontrar resposta a tantas outras dúvidas que permeiam a vida - a minha, a nossa.



Enquanto Brasília é uma cidade de quinas, o Rio é uma cidade de curvas. E lá vou eu deslizar por elas...



Encontro vocês na volta!!!
Maria Cláudia Cabral


domingo, 29 de julho de 2007

Síndrome do Fantástico... a Dignidade

“Ele (Che Guevara) disse, em mais de uma vez,que o mais importante são os valores do ser humano. Ele demonstrou que o mais importante é a dignidade do ser humano. Uma pessoa pode ter muitas riquezas. Se não tem dignidade e solidariedade, nunca poderá desfrutá-las”.

(Aleida Guevara – IV Congresso Nacional do MST – 2000)

Mais uma vez os valores e, nesta feita, acrescentei, nas palavras da filha de Che Guevara (ele, uma das imagens mais comercializadas da atualidade), a dignidade.

Semana que passou, nossa amiga Cláudia suscitou, dentre outras coisas, a nossa relação com as pessoas e as coisas, sobre as posses... e, nestes mesmos dias, acompanhei, insólito, no sinal de trânsito de uma quadra do Plano Piloto, um Andarilho (na ignorância de seu nome, escrevo com A maiúsculo), lentamente caminhando naquele sol de duas da tarde, descalço e imundo, com a mão extendida, quase em silêncio, de carro em carro... No mesmo sinal, o “Precinho” do Carrefour, distribuindo panfletos, para que os “bananas” que ainda acham que tem lugar mais barato para comprar frutas e verduras possam mudar de opinião...

O Andarilho e o “Precinho” (diga-se de passagem, um trabalhador), lado a lado... o primeiro, com sua história de vida marcada em seu rosto, em seus cabelos endurecidos, em seu odor, em seus pés descalços e, como reflexo, no “medo” e “desprezo” daqueles que lá estavam, parados naquele sinal de transito... o segundo, com seu rosto escondido atrás de uma fantasia, com o rosto, os olhos, os cabelos sem sabermo-los mas, antagonicamente, recebido com sorrisos...

Um rosto e um corpo, visíveis, escancaradamente visíveis e que assustava e/ou enojava... um rosto e um corpo, invisíveis, escondidos, que atraía sorrisos e leves buzinadas (em Brasília)...

Nossa solidariedade posta à prova; todos nós, naquele sinal de trânsito, não nos conhecíamos... Não fui abordado pelo Andarilho. Não posso dizer aqui, como baluarte da decência humana, que abriria (já estava aberto) a janela de meu carro, falaria com ele, lhe daria uma moeda (quase sempre as tenho no carro) e lhe desejaria boa sorte... Mas, com certeza, posso dizer que a grande maioria de nossas opiniões passaria em branco, mal olharia nos olhos daquele Andarilho... entretanto, talvez, procuraria identificar quem estava dentro daquela fantasia de “Precinho” do Carrefour...

Que relação complexa... como falar da solidariedade, sem nos esquecermos da indignação aqui mencionada semana passada e, também, sem compreendermos o individualista mundo das relações de força e de poder do mundo capitalista que, historicamente, hierarquiza a dignidade humana? Quantos de nós (e de outros) diríamos, com convicção quase religiosa, que este Andarilho o é porque o quis assim e que o “Precinho” é o retrato de um jovem (?) trabalhador que está correndo atrás de seu ganha-pão, honestamente? Diríamos que o Andarilho é um vagabundo, que não aceitaria um trabalho em troca de um prato de comida e que o “Precinho” está lá, construindo seu futuro, começando por baixo, entregando panfletos de uma grande rede de Supermercados?

Dignidade! Como sermos solidários sem sermos dignos de valores que nos façam verdadeiros homens e mulheres? Eis minha reflexão... eis minha pergunta...

Parafraseando Lênin: Dignidade, Indignação e Solidariedade! Eis valores que me dão sentido à vida...

Vida Longa...

Obs.: por mim, mas principalmente pelo Andarilho e pelo “Precinho”, não deixem, se um dia utilizarem em seus caminhos e veredas, essas poucas palavras, de lembrarem-se de nós...

Marcelo ''Russo''

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Escort XR3 Vermelho Conversível

''Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar''
(Oswaldo Montenegro)
Ontem, passando pela Esplanada, deparei-me com um Escort vermelho conversível. Sonho de consumo na década de oitenta, era o desejo de dez entre dez indivíduos. Então, quem quer um Escort vermelho conversível hoje? Pois é... Passou. Deixou de ser. Quem realizou, realizou. Quem não conseguiu, até já esqueceu.
Assim é a vida, assim são as pessoas. Primeiro encantam-se por coisas, pessoas ou lugares. Fazem delas o centro do mundo, passam noites em claro e sonham - dormindo ou acordadas - desesperam-se, angustiam-se, vibram. Por vezes enlouquecem. Os anos passam, os sonhos passam ou ficam guardados no fundo de um baú no porão. Perdem o brilho, ficam empoeirados.
Um dia vêem seu objeto de desejo passando na rua e descobrem que já não tem o menor significado. É só uma velha lembrança. É algo que nunca foi.
Assim é a vida, assim são as coisas, assim são as pessoas: fugidías. Será?
Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê crédito à autora.

domingo, 22 de julho de 2007

Síndrome do Fantástico... o homem e dois valores

“(...) A vocês que me fizeram escravo-de-Jó, escutem bem: / ainda vou brincar de roda / ainda vou contar estrelas / ainda vou ensinar vocês a / semear plantações e construir casas, / ainda vou ensinar vocês a mentir / e a fingir de verdade” (Sujeito Finge-dor – Maurício Roberto da Silva – 1996).

Passamos por uma semana difícil aos nossos sentidos e aos nossos sentimentos. Se fôssemos buscar explicações sobre o que aconteceu em São Paulo, iríamos a muitos, mas muitos lugares diferentes: alguns iriam para o campo da engenharia de aviação, outros iriam para o campo da política, outros tantos caminhariam para o campo da economia, existiriam aqueles que optariam pelo caminho da espiritualidade e por aí vai... por aí iriam...

Assim a grande maioria de nós caminha... sempre procurando por explicações, quer dando-as, quer literalmente procurando-as, perguntando aqui e ali... É longo o caminho do conhecimento.

Mas foi uma semana em que vi(mos) tanta coisa que, inclusive, não resisti a assistir ao fantástico de hoje e não me surpreendi com o formato e com o conteúdo. E continuei, nestes poucos minutos de telespectador, a caminhar e ver possíveis caminhos.

Vi(mos), nestes dias, as idas e vindas de reportagens do editor que trata seu público de “Hommer Simpson” (seja lá como se escreva o primeiro nome deste personagem de desenho americano).

Vi(mos) pessoas falando ao telefone, com amigos, familiares e o repórter e o microfone ali do lado.

Vi(mos) pessoas procurando lugar para seu sofrimento e, lá estava, o repórter e seu microfone e, pior ainda, suas perguntas: “Você está sofrendo?”.

Vi(mos) a tragédia virar notícia sob todos os ângulos: dos prédios ao lado, próximos ou não, das casas, as testemunhas oculares e suas filmagens de celulares. Vi câmaras escondidas e gestos de todas as formas, bem como as matérias e seus apresentadores bem ensaiados.

Não pretendo analisar (muito longe de mim) aquilo que, em jornais, crônicas, matérias, entrevistas etc. nos foi bombardeado durantes esses dias. Fatos e contra-fatos foram e voltaram.

O que mais me chamou – novamente – a atenção nesta semana, nas conversas, nas notícias, nos comentários ao lado, foi a solidariedade e a indignação. Não que tenham sido explícitas nestes meios, talvez mais a segunda, mas ainda assim de uma maneira um tanto quanto “fabricada”

Lembro que, durante muito tempo, a solidariedade me era resumida com o “doar aquilo que não lhe serve mais ou que não irás utilizar”. Era neste núcleo que se ensinava a arte de ser solidário. Lembro-me, também, que a indignação era o tu opinares sobre algo que não concordavas e, assim, te deixava indignado.

Com o tempo, uma pergunta sobre esses dois valores não parava de me bater à porta: não seriam essas definições algo um tanto quanto individualista? Eu me indigno com o que ME incomoda e sou solidário quando ME sobra algo!?!?

E, caminhando e procurando respostas, aprendi que são dois valores absolutamente inseparáveis: a capacidade de nos indignarmos só me passou a ter sentido e significado quando acompanhada da postura de solidariedade. E minhas atitudes pretensamente solidárias só puderem ser verdadeiras quando a indignação falava-me com todas as letras, sons e espiritualidade... claro que aos meus olhos de aprendiz.

Uma tragédia me leva, resgatando esses dois valores, a pensar que temos tanto o que nos indignar e com tantos a sermos solidários. E o temos que ser todos os dias...

Desejo muita paz de espírito a todos os envolvidos com essa tragédia, porque muitos serão seus caminhos... e desejo que possamos continuar nosso difícil caminho por aprendizados tão caros à humanidade (ou mulheranidade) todos os dias: nossa capacidade de indignação e de solidariedade...

Vida longa!

Obs.: não que eu acho que tudo isso venha a ser citado por aí afora... mas se citar, pode dizer que fui eu, ok? Dê crédito...

Marcelo ''Russo''

terça-feira, 17 de julho de 2007

Pranto

''Socorro, não estou sentindo
Nada
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Nao vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.''
(Arnaldo Antunes)
Antes, seu pranto rolava solto. Ela sentia o peito expandir-se até quando ouvia o hino. A abertura dos jogos olímpicos a emocionava. Sua emoção estava sempre à flor da pele, seu riso e seu pranto eram plenos, quase viscerais.
Houve um tempo, distante dali, em que precisava colocar algum filme triste no aparelho para conseguir chorar. Havia dias que chegava a casa sabendo que precisava aliviar a dor, escolhia uma película, daquelas mais tristes, preparava um lanchinho frugal, derramava-se sobre as almofadas e entregava-se ao drama alheio. Choraaaaaava...chorava tanto, chegava a soluçar. Sentia aquela dor, como se fôra sua, e era...
Houve um tempo em que ela já não se emocionava mais. Ela até percebia - por meio da razão - a injustiça dos fatos e o clamor que causavam. Não se identificava, não via razão para a histeria. Nem a fome na África, nem o assassinato brutal da mãe de um amigo conseguiam fazê-la despir-se daquele olhar distante, quase frio. Olhava, via, virava-se e partia. As mortes, a fome e a dor alheias não a incomodavam, eram apenas colecionadas junto às reminescências, bem no fundo de si mesma.
Houve um momento em que quis saber porque os outros sentiam e ela não. Por que ela sentia nada?
Consultou muitos sábios, cientistas e magos. Foi até a montanha mais alta, foi às profundezas do oceano, nada encontrou que pudésse fazê-la entender. Deparou-se com uma bruxa boa, que a ensinou 'exercícios do sentir'. Praticava todos os dias, incansável, perseverante. Estava determinada a sentir algo. Pouco a pouco suas glândulas lacrimais, que já estavam sem funcionamento há anos, voltaram a funcionar. Primeiro timidamente, doía muito a garganta. Depois, com muito treino, foram ficando cada vez mais eficientes.
Houve um tempo, logo depois dos exercícios, que sentia tanta dor que chegava a urrar enquanto vertia lágrimas em abundância. A dor tomava conta de todo o seu ser e ela pranteava tal qual um animal ferido. Foi assim por trinta dias e trinta noites, até que seu coração se aquietou. Ouvia ao longe uma cantiga de ninar, sussurada com palavras ininteligíveis. Ouvia o barulho quieto do vento, que suavemente tocava-lhe as faces. Sentia um cansaço quase prazeiroso. Finalmente sentira o silêncio de si mesma.
Quis sentir mais, quis sentir algo além da dor. Entregou-se ao prazer e à paixão. Ela podia sentir paixão, ela podia sentir dor. Ela brincou na montanha-russa da paixão-dor-paixão. Ela riu e chorou, muitas e muitas vezes. Seus olhos brilhavam por satisfação ou pelas lágrimas derramadas, mas eles brilhavam. Ela estava viva. E o cansaço chegou, e o pranto venceu o riso, e a dor sobrepujou o prazer. Estava, de repente, imóvel no centro da sala, no centro do mundo. Sentia aquele cansaço conhecido, sentira novamente o silêncio. Ele era doce e estanque.
...E esse silêncio passou a acompanhá-la. Estava a seu lado, mantendo-a no mundo, a despeito da dor. Ele a acompanhava na solitude ou em meio à multidão. Em discursos, entrevistas e animadas conversas em rodas sociais - lá estava ele. Ela ria e lá estava o seu silêncio. Por vezes, rolavam uma ou duas lágrimas silenciosas, quietas em sua face lívida.
Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê crédito à autora.

domingo, 15 de julho de 2007

“Síndrome do Fantástico”... O coronel...

Semana passada trouxe a este maravilhoso espaço um texto de Eduardo Galeano (A Comandante) e algumas reflexões. O texto é de um livro, daqueles “de bolso” (mas que não cabe no bolso) com um título peculiar: Mulheres!
O texto proporcionou uma reflexão muito interessante, bela e profunda de Maria Cláudia e alguns e-mail’s. A maioria, digamos, no mesmo tom... crítico.

Inspirado naquelas críticas, resolvi manter a linha de reflexão, tendo como pano de fundo o mesmo texto de Galeano (sem a necessidade de reescrevê-lo), mas provocando o olhar não mais em Mônica Baltodano, mas no Coronel, a “hombridade de calças compridas”.

Senão vejamos... o que faz os homens (e não vou caracterizá-los-nos, ok?) verem as mulheres? Toda aquele multifacetado caleidoscópio humano que minha companheira de blog explorou? Ou minhas menores referências? Ou o conjunto disso tudo?

O que poderia ter dito o coronel, depois que se entregou? Que seu pelotão “acovardou-se” diante dos rebeldes sandinistas? Que seus soldados abandonaram as armas enquanto ele, firme em seu posto militar, mantinha sua hombridade da taberna? Que se entregou, mas não sem cuspir na face dA Comandante Sandinista, num sinal de desprezo aos ideais de luta daqueles vermelhos que não tem capacidade de ter HOMENS no comando?

Tentemos ver pelo NOSSO olhar de comandante (difícil): Qual imagem nos parece mais possível? A quem, na verdade, os olhos e sentidos do coronel admirariam? Desafiaria-o a demonstrar sua justiça e equilíbrio, seu carinho e sua força, sua sinceridade e sua malícia e, tenho quase certeza, não veríamos outra coisa senão uma “hombridade de calças compridas”.

Não quero aqui, de maneira nenhuma, fatiar a parte masculina da humanidade (e um dia uma amiga me perguntou: por que HUMANidade? Por que não MULHERAnidade?), mas ousar apresentar um olhar do mundo, aquele em que todos nós ainda bebemos nos uníssonos valores machistas, os mesmos que produzem princesas e heróis... e que também produzem coronéis. Não se trata de multifacetar homens e/ou mulheres, mas de multifacetar nossos valores, esses sim vestidos e escondidos sob alguma forma de “calça comprida” e que muitas vezes se mostram com outras vestimentas.

Os olhos do coronel, sua fala travestida de liderança “não me rendo a uma mulher”, sua possível postura de frente da tropa é, no final das contas, apenas uma explícita exposição dos valores da nossa sociedade e é nela e, principalmente, na minha luta coletiva contra a matriz destes valores, que trato minhas paixões, meus sentimentos e minha escolha por um travesseiro, tão bem cantada por Nascimento...

“Sustenta a palavra d’homem, que eu mantenho a de mulher”

(Milton Nascimento)

Vida Longa...

Obs.: Recadinho de sempre, ok? Se for usar o texto, lembra de mim... e se for cantar Milton Nascimento também...




Marcelo ''Russo''

terça-feira, 10 de julho de 2007

O Caminho

''...Boa sorte''
(Vanessa da Mata)





Caminhava pela rua distraidamente, caiu num buraco.

Passando pela mesma rua, num outro dia, caiu num buraco.

Seguia a vida, passava pela tal rua, caía no buraco.

Até que, ao caminhar pela rua, avistou o buraco.

Avistou e caminhou pela rua, até cair no buraco.

Já conhecia a rua, já conhecia o buraco, ainda assim, ao passar por aquela rua, caía, invariavelmente no buraco.

Continuou a caminhar, procurou passar por outras ruas, mas ao seguir por aquela rua, inevitável cair no buraco.

Aprendeu a identificar o buraco, aprendeu a sair dele. Portanto, conhece o caminho.

Já conhece a rua, já conhece o buraco, resta aprender a não mais cair.





Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê crédito à autora.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Mulheres...

Dias destes, limpando meu computador, encontrei essa pérola do Galeano e que aqui reproduzo:

"Às suas costas, um abismo. À sua frente e aos lados, o povo armado acossando. O quartel A Pólvora, na cidade de Granada, ultimo reduto da ditadura, está a ponto de cair./ Quando o coronel fica sabendo da fuga de Somoza, manda calar as metralhadoras. Os sandinistas também deixam de disparar. Pouco depois, abre-se o portão de ferro do quartel e aparece o coronel agitando um trapo branco./ - Não disparem! O coronel atravessa a rua./ - Quero falar com o comandante./Cai o lenço que lhe cobre a cara:/- A comandante sou eu - diz Mônica Baltodano, uma das mulheres sandinistas com comando de tropa./ - O que?/ Pela boca do coronel, macho altivo, fala a instituição militar, vencida mas digna, hombridade de calcas compridas, honra de farda:/- Eu não me rendo a uma mulher - ruge o coronel./ E se rende.".

As palavras de Galeano bastariam, mas não vou me furtar a seguir refletindo.

Pois bem, homens (e mulheres) de plantão, o que me encanta numa mulher? Sua capacidade de lutar. E não falo apenas desta (árdua) luta cotidiana contra os valores machistas do dia-a-dia. Não falo das mulheres que aparecem no PEGN como empresárias que venceram os obstáculos das profissões “típicas de homens”. Elas não precisam desta minha manifestação. Falo das “Mônica’s Baltodano’s”...

Por que gosto das mulheres? Porque existem mulheres assim... comandantes! Que olham o mundo com justiça e com equilíbrio. Com carinho e força. Com sinceridade e malícia. Mulheres do povo, sem criar nem cair nesse nojento glamour da mídia, da música, das artes e do esporte, com suas rainhas e princesas... Mulheres sempre plebéias, sempre do povo e no povo, sempre comandantes...

Preciso falar mais alguma coisa? Então tá! VIda Longa às mulheres comandantes!!!!

(Obs.: desculpem a ausência na semana passada... foi mudança).

<:0)

Ops! E não esqueçam! Respeitem as viagens deste escriba. Se for usar o texto (afora as palavras do Galeano), não deixe de me citar, ok?

Marcelo ''Russo'' Ferreira

terça-feira, 3 de julho de 2007

Habitus


''Eu quis saber onde fica
O coração
E acabei com uma
Estranha sensação
Vai ver, vai ver
É mudança de estação''
(A Cor do Som)







Hábito, do latin habitus. 1. Inclinação por alguma ação, ou disposição de agir constantemente de certo modo, adquirida pela freqüente repetição de um ato. Escrever na Arca Mundo, já é hábito. Todas as terças-feiras abro a Arca, ainda que não tenha preparado nada, ainda que não tenha idéia do que escrever. É, virou hábito!





Escrever, compartilhar idéias, rechear esta página. Não dá para ficar sem, é como se não tivesse escovado os dentes pela manhã. Fica um incômodo sem nome, sensação de que falta algo. E cá estou eu, como de hábito, preparando-me para escrever e, decidindo, se publicarei o texto 'esperançoso' que prefere a alguns ou se crio algo novo, a partir de alguns comentários deixados aqui.




Vence a reflexão, baseada não só no comentário 'é um jogo novo, só que insistimos em usar as regras antigas', como também em parte do texto publicado pelo Marcelo na semana passada - 'mudar dói, não mudar dói muito mais'.




Insistir em usar as regras antigas, porque estamos habituados a elas ou porque dão um ar romântico ao evento, pode doer um bocado. Sim, leitores! Eu concordo com o nosso comentarista. O jogo é novo. Os papéis sociais estão sendo revistos há algumas décadas - alguns podem não ter notado - por falta de hábito de olhar em volta - mas estão mudando. Não dá mais para esperar o príncipe no cavalo branco, que a salvará de todas as dificuldades: De torneira quebrada a rombo na conta. Tampouco dá para esperar chegar a casa e encontrar a esposa linda, cheirosa, depilada e com chinelos numa mão e 'bebida de boas vindas' na outra - sem contar o delicioso jantar servido à francesa.




Temos de rever os velhos hábitos, revisitar conceitos, reformular idéias para utilizarmos no novo jogo, as novas regras. Regras que reposicionam nossos conceitos - ou (pre)conceitos de gênero. Preceitos que equilibram interna e externamente masculino e feminino. Afinal, se a idéia é ter autonomia, já não dá para ser sustentada. Se o desejo é a companheira-cozinheira-babá-arrumadeira-beldade, então melhor não esperar dividir as despesas. Não dá para querer que ele lave os pratos e esperar que arrume o varal - a não ser que você pague as contas.
Compartilhar é a palavra de ordem. Partilhar tarefas esquecendo os rótulos. Afinal, se estivesse dividindo um apê com um colega, vocês dividiriam sem rotular o que é tarefa de meninos e o que é obrigação de meninas, não é mesmo?




Mudar dói, como concluiu meu amigo, mas permanecer com velhos hábitos pode custar muito mais que a dorzinha da mudança. Pode custar a felicidade nossa de cada dia. Um brinde ao novo casamento, com suas novas regras!





''Eu que não vou arrumar o varal. Tudo bem que ele lava os pratos, mas varal é coisa de homem...'' (M., 25 anos, profissional liberal).



''Se fosse com uma amiga, não haveria tanta cobrança'' (C., 40 anos, serv.pública).



Esse texto é dedicado a meu primo Tito e Milena - sua noiva - que se casarão em setembro, com o desejo que eles entrem no jogo sabendo que as regras são novas e desejando muita felicidade a ambos!






Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for utilizar, dê crédito à autora.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Casamento

''Pois sem você, meu tesão
Não sei o que eu vou ser
Agora preste atenção
Quero casar com você...''
(Tetê Spindola)
Aprendemos desde sempre que casamento é para a vida toda, é verdade que com as mudanças do novo século, para sempre já não é todo dia. Além disso, descobrimos com Einstein que tempo é relativo, logo o 'para sempre' pode durar alguns poucos meses ou vários anos. Tudo é negociável. Aprendemos ainda, de tanto ouvir os votos dos noivos na igreja, que casamento é parceria na ''alegria e na tristeza, na saúde e na doença''. No momento do compromisso civil, aprendemos que são deveres do casamento mútua assistência, fidelidade recíproca, respeito e consideração mútuos.
Fico imaginando se a lei é mesmo capaz de obrigar um indivíduo a ter respeito por outro, mas esse não é o objeto deste texto. A verdade é que a reflexão sobre o casamento veio a partir de pergunta que me foi dirigida outro dia: 'se alguém resolve tudo sozinho, porque iria querer se casar?' Fiquei fermentando essa idéia em minha mente por semanas. Por que casar-se nos dias de hoje?
Há quem diga que é a paixão que une os casais, mas paixão não garante nem respeito, nem consideração, muito menos fidelidade. Paixão garante, certamente, encantamento, frio na barriga, mãos suadas, brilho nos olhos e muito prazer - ou não. O capítulo da assistência mútua, consideração, respeito e fidelidade é outro.
Fidelidade, por exemplo, é tema que merece texto próprio. Respeito dá pano para manga. Consideração é um conceito amplo e por isto mesmo, vou simplificar. Sabe quando você está atrasada para aquela reunião importante, esquece a chave dentro do carro, a bateria do celular acaba e o seu cachorro passa mal? Então, é exatamente nessas horas que mais se precisa da manifestão inequívoca da tal consideração e da tal de assistência, que não necessariamente é financeira, como faz crer a lei.
Ocorre que, nestes momentos fatídicos, não se consegue falar com o companheiro em questão, ou ele também tem uma reunião importantíssima, ou ainda - o que é mais grave - está almoçando com os amigos e não pode interromper para lhe estender a mão. Depois de passar por esta experiência uma, duas, três vezes ou dúzias delas, resta claro que, hoje, é cada um por si e Deus por todos.
Muito bem, se é cada um por si e Deus por todos - ou contra todos - se nos momentos de maior sensibilidade e aperreio, virar-se sozinha for a solução, realmente a pergunta procede: para quê casamento? Sigamos, sigamos, cada um por si e Ele por todos, sigamos nos encontrando nos bons momentos - ou até - nas conversas profundas da madrugada. Não esperemos 'na saúde e na doença', porque na hora que a rotina estiver prestes a explodir, creia, se não for a criatividade e uma mãozinha do Lá de Cima, ela vai explodir mesmo e, de repente, estar sentada no meio fio, olhando para o infinito, será a cena final do capítulo.
'' ...e você, por que está sozinha? Imagino que por opção.'' (F. T., Chef de cuisine um dia desses)
'' Antes só que mal acompanhada'' (as sábias avós, sempre).
Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos do autor. Se for divulgar, dê crédito à autora.

domingo, 24 de junho de 2007

Síndrome do Fantástico... mudar...

“Se você já me explicou, agora muda de assunto.
Hoje eu sei que mudar dói, mas não mudar dói muito... muito”
(Oswaldo Montenegro)


Uma frase fantástica, anda que a intenção de seu autor tenha, talvez, sido apenas impessoal, meio psicológica, meio subjetiva...
Mas o grande lance desta música de impetuoso Oswaldo Montenegro é o que instiga.
Mudança: o que nos leva a querer mudar? As opiniões dos grandes meios de comunicação (‘bora combinar, esse papo de imprensa imparcial é tremenda balela)? nossas perdas parciais? Namoro, casamento, noivado na porta da igreja... Ou talvez um curso superior que não era o que imaginávamos...
Temos sempre a referência que a mudança é algo absolutamente particular... e, na verdade, na verdade, o grande desafio da humanidade é a mudança (que, aqui, classificaria como transformação) coletiva... e a mudança (transformação) é o grande desafio... e essa, com certeza, dói, mas deve doer muito.
O que nos levaria, o que nos colocaria dispostos a mudar e, principalmente, mudar coletivamente?
Semana passa (aliás, retrasada, pois semana passada não mudei), comentei sobre a nossa infância, sobre as crianças zapatistas e sobre o V Congresso Nacional do MST e, de passagem, a reunião de cerca de 1.000 crianças Sem-terrinha participando deste encontro.
O que elas querem? Ah, sim, elas querem... Por mais que nossos meios de comunicação induzam nossas mentes no sentido de dizer às nossas opiniões (?) que elas são levadas a querer, mas não querem por vontade própria... O que elas querem?
Elas querem um mundo de todos, em que nossos sangues não sejam explorados, em que nossas idéias não sejam exploradas, em que nossos sonhos não sejam explorados... em que nossos homens, mulheres, crianças e idosos, em que nossos trabalhadores e trabalhadoras não sejam exploradores... em que nossa natureza não seja explorada... em que nossos sentimentos não sejam explorados...
Ok... parece discurso de esquerdista perdido no mundo depois da queda no Muro de Berlim... Mas o muro caiu e a pergunta fica: O que nós realmente queremos mudar????
Bom... eu, particularmente, mudei o canal de televisão... Não assistirei ao Fantástico hoje... E tu? Pretendes mudar? Bom, se no início, mudar te fizer, de alguma maneira, doer... hummmm... eu acho que começaste bem...
Minhas mudanças me doem a algum tempo... Mas como é bom tirar a atadura... E isso é fantástico!!!!

Marcelo "Russo" Ferreira

Copyright Marcelo Ferreira. Se for utilizar o texto, dê crédito ao autor.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Amigos Para Sempre

‘’Amigo é coisa para se guardar
Do lado esquerdo do peito,
Dentro do coração,
Assim falava a canção
Que na América ouvi’’.
(Milton Nascimento)
Em semana do Dia dos Namorados nada melhor que falar de amigos, sobretudo quando se é surpreendida com uma declaração de ex-amigo. Perguntaram-me: ‘ex-amigo, isso existe?’ Na minha concepção, não! No entanto, estou muito longe de ser dona da verdade.


Amigos são seres divinos, que nos acompanham – de longe ou de perto - que estão sempre conosco, mesmo quando a quilômetros de distância. Amigos - já disse aqui numa outra ocasião - são aqueles que nos aceitam integralmente e até riem do nosso lado sombra.


Eles, os amigos, nos conhecem tanto que sabem bem quando vamos furar um programa, só pela forma como respondemos ao convite. E fingem que topamos, relevando o esperado ‘bolo’.


Amigos nunca erram nosso nome, pois sabem que podemos ter um milhão de amigos, mas que cada um é único e especial. Amigo, que é amigo, sabe a hora de falar e a hora de calar. Ele sabe quando é hora de nos deixar ‘quebrar a cara’, em respeito ao nosso processo de evolução. Ao final, estão a postos, para embalar nosso necessário pranto.


Amigos temem a ausência, mais que a presença do amigo. Dizem que são para todas as horas, as tristes e as alegres. Digo mais, nas tristes nos seguram a mão, nas comemorações alegram-se verdadeiramente com nossas vitórias, mandando embora qualquer sombra de inveja.


Amigos são a família que escolhemos e por tudo isso, não pode haver ex-amigo. Ex-amigo é no máximo aquele que nunca o foi, porque quem sabe o que é amigo, sabe que pode haver ex-namorado, ex-rolo, ex-ficante, ex-peguete, ex-amante, ex-marido – eu mesma tenho dois – ex-colega de trabalho, ex tantas coisas, só não pode haver ex-amigo. E nesse dia dos namorados, amigos, uni-vos! Porque namorados vêm e vão, amigos são para sempre!
Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for citar o texto, dê crédito à autora.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

“Síndrome do Fantástico”... e p’ra onde vai nossa infância?

Inicialmente, a metáfora da “síndrome do Fantástico” se dá por uma sensação de formação de mentes e corações nos “início-de-semana”. Nada como um programa de Televisão, estilo “Revista”, com cores, matérias, fotos, gols, passeios, estilos etc. para iniciar a semana seguinte. Ante ao início da melodia de “nós temos mágicas para fazer...”, resolvi remexer alguns escritos de escribas malucos, fora de contexto, totalmente fora de sintonia histórica, porque ainda acreditam e defendem o socialismo, ainda compreendem o mundo na perspectiva da dualidade de Projetos Históricos (socialista e capitalista)... e, claro, estou entre eles.
Nestas idas e vindas de “velhos” textos, encontro uma reflexão do Sub-comandante Marcos (sim, aquele mesmo dos Zapatistas do México, dos Chiapas): “As crianças podem suscitar guerras e amores, encontros e desencontros. Magas imprevisíveis e involuntárias, as crianças brincam e vão criando o espelho que o mundo dos adultos evita e detesta. Têm o poder de mudar o que está em volta delas e transformar, por exemplo, uma rede velha e esfarrapada num moderno avião, numa canoa, num carro para ir a San Cristóbal de Las Casas. Um simples rabisco, traçado com um lápis que la Mar dá a eles para casos como estes, lhes dá corda para contar uma complexa história na qual o “ontem à noite” abrange horas ou meses, e o “logo mais” pode querer dizer “o próximo século”, onde (alguém duvida?) eles e elas são heróis e heroínas. E o são, mas não só em suas histórias fictícias, como também e sobretudo em seu ser meninos e meninas indígenas entre as montanhas do sudeste mexicano” (2001).
Cá estão as crianças do sudeste mexicano... Aliais, nós, reles mortais, felizes no mundo do consumo, talvez estejamos muito distantes de experimentar essa realidade, em toda a sua plenitude (dos jogos às necessidades). Mas, o que é mais interessante é que encontro, em outro destes escribas inconseqüentes (viva-os!), algo semelhante a quase um século atrás: "(...) e nós de fato brincamos de prendas. A pedagogia às vezes faz caretas estranhas: quarenta garotos, bastante andrajosos, bastante famintos, brincam alegremente de prendas à luz de uma lâmpada de querosene. Só que sem beijos como prenda” (MAKARENKO, 1986: p. 176).
Bom, minha reflexão em torno deste tema (que possivelmente não seria assim tratado no folhetim global) é sobre nossas infâncias... Aquela que deleitei-me no último (primeiro) artigo. Qual nossa responsabilidade como pais, mães, tios, tias, avós, avôs, adultos, padrinhos, madrinhas, educadores etc? O que devemos construir para nossos filhos, sobrinhos, netos, afilhados, alunos? Qual a relação entre a fantasia e a realidade na construção dos valores de nossos pequenos? E para que sociedade os queremos? Tem gente (ai, esses “educadores”) que acredita piamente que devemos prepará-los para a sociedade, quase de adequando-os. Eu acredito nestes escribas “ultrapassados”, pois denotam uma transformação... uma construção de pequenos lutadores do povo... e os são. É a infância, de crianças que, como nos presenteia Pedro Tierra, são que nem soca de cana: podem até cortar, mas nasce sempre.
Em tempo, para quem está em Brasília e arredores, dê uma passadinha no Ginásio Nilson Nelson, ao lado do Mane Garrincha, onde está acontecendo o V Congresso Nacional do MST e estará reunindo, também, cerca de 1200 Sem Terrinhas em cinco dias de Ciranda Infantil... Não é fantástico?
Marcelo "Russo" Ferreira
Copyright Marcelo Ferreira. Se for utilizar o texto, dê crédito ao autor.

terça-feira, 5 de junho de 2007

A arte de jogar bola

Por: Marcelo “Russo” Ferreira

Quem aqui, independente de ter sido menino ou menina na infância, já não resgatou em suas memórias de um tempo que passou e não volta mais, suas peripécias, suas brincadeiras, suas fantasias, suas conversas sem pé nem cabeça?
Talvez nossas crianças, hoje, não tenham muito o que contar quando crescerem... Talvez até tenham, mas de longe, não tanto quanto nós, que éramos crianças e adolescentes nos obscuros anos 60, 70 e 80...
Lembrava da “Chácara do Externato Santa Terezinha”, do outro lado da rua... Tinha um muro facilmente transponível, quando ela ficava fechada. Era uma escola só de meninos (a das meninas ficava no outro quarteirão...) e nos finais-de-semana, os nada mais, nada menos do que seis campos de terra sempre tinham partidas de futebol acontecendo...
Meu pai, quando a família não estava sendo repreendida pela polícia do DOI-CODI, ia para lá sempre. Eu e minha irmã costumávamos ir para brincar na caixa de areia (servia para saltos em distância, em épocas de aulas, e para construir castelos, casas, morros e tudo o que a gente podia imaginar, quando nossas idéias ficavam livres para criar... éramos pretensos subversivos da ditadura)... Tinha também um estranho brinquedo que nunca consegui recordar o nome.... Na verdade eu brincava nele sem mesmo saber o nome.
Era um mastro com uma espécie de roldana presa no alto e quatro cordas segurando uma cadeirinha de couro na ponta, cada uma. O Jogo era simples: em duplas (eram duas) girávamos a toda velocidade e tínhamos que pegar um pequeno graveto que ficava melimetricamente colocado no chão. A velocidade do giro fazia as cadeiras se erguerem e descerem, num movimento quase que harmonioso. O objetivo era pegar o graveto no chão. A dupla que pegasse ficava no jogo a que perdesse saia e voltava para o final da fila...
Interessante que eram meninos de todas as idades. Lembro-me que nos meus 4-5 anos eu já me metia no meio daqueles gigantes de 9-10 anos e era uma fera no brinquedo. Nunca ficava menos de quatro rodadas seguidas...
Ou seja, com 4-5 anos, ficávamos literalmente soltos numa chácara que tinha um prédio (e ao lado a casa dos Padres), duas quadras, uma cancha de areia e 06 campos de futebol... E nunca isso foi um problema para nós.
Com 4-5 anos eu já adorava a liberdade (em pleno período da ditadura) de poder brincar na rua, na chácara em frente de casa, no quintal (fazendo paredão com a bola)... É verdade que já quase ateei fogo na casa com minha irmã, queimei meu colchão com o ferro (estava frio e eu queria esquentá-lo)...
Mas queria falar do futebol (naquela época, uma atividade absolutamente de meninos... menina não entrava mesmo).
Passei anos e anos jogando bola na rua... Tinha a quadra na escola, teve uma época em que me metia no handebol e no voleibol, de tal forma que eu quase nunca jogava bola na escola... Mas na rua (a “Rua de Baixo”, como costumávamos nos referir para avisar nossos pais), entre períodos de dominação dos esconde-esconde, pega-pega, garrafão, dono da rua e taco, o futebol sempre tinha seu império e domínio absoluto. Nada como a velha bola de borracha grossa (que a deixava sempre no ponto e não tinha carro que passasse por cima que a estourasse), quatro pedras para marcar a barrinha, a divisão do time (e sempre dividíamos de forma a deixar o jogo equilibrado) e pronto.
Regras eram sempre as mesmas... quando vier o carro pára onde está e após o carro sair do campo, recomeça o jogo; não vale ficar plantado no gol; bola embaixo do carro, aquele que colocar o pé primeiro nela fica com ela, e por aí vai...
Entre habilidosos e pernas-de-pau, todos jogavam... Tinha dia em que o habilidoso não jogava nada, tinha dia em que o perna-de-pau fazia “aquela” jogada e assim íamos até altas horas... Até jogo de final-de-ano, destes que acontecia à meia noite (não do dia 31, claro), com pãozinho com patês que nossas mães faziam e as garrafas de cerveja de nossos pais devidamente trocadas por Tubaína.
Outra característica destes nossos confrontos futebolísticos eram os equipamentos... Quando um ia de “iate” (aquele tênis da Rainha, sem cadarço), tinha que ter o mesmo cuidado de quem ia de “chinelo-de-dedo”, pois quando dava-se um chute, ia tênis e bola juntos... Tinha aqueles que usavam exatamente “aquele” tênis para jogar bola na rua... Mas tinha a maneira que concordávamos como aquele que melhor se aderia ao “piso” do jogo (o asfalto, não importava a hora do dia) e à bola: jogar descalço!
Ainda conseguimos testemunhar, hoje em dia, partidas de futebol de várzea (onde elas ainda resistem, é claro, pois a “Rua de Baixo” não guarda mais nenhuma marca dos incontáveis finais-de-semana que ela teve) com a galera descalça... mas infinitamente mais limitada.
Jogar bola na rua (ou qualquer outro jogo ou brincadeira) descalço era realmente para poucos. Os pés, além de muito sujos, o que sempre dava um trabalho a mais para limpá-los em casa, formavam bolhas que rapidamente transformavam-se em “bolhas abertas”... isso para os mais iniciantes, claro. E jogar, seja o que for, descalço, com a bolha aberta, quem o fez, sabe da dor e da dificuldade em andar (mesmo ou até porque calçado) nos dias seguintes.
Houve um tempo em que eu jogava só de tênis... um bem surrado e, de tanto surrado, teve um final trágico, daqueles que nossas mães, não suportando mais passar pelo nosso quarto e ver aquele objeto sem valor (para ela, claro) largado, dá um fim nele. Triste imaginar nosso melhor parceiro de peladas na rua sendo retorcido e esmagado, mesmo que resistindo bravamente, dentro de um caminhão de lixo. Talvez, lá no final desta saga, fosse encontrado em algum lixão por algum garoto de idade e tamanho dos pés semelhante e voltasse a freqüentar outros campinhos de várzea... Mas isso não podíamos saber.
Sem o tênis (e sem “autorização” para usar aquele da escola), não se tinha outra saída a não ser jogar descalço. É verdade que lá nos meus 4-5 anos, descalço era uma situação comum... Mas os pés, quando muito jovens, desacostumavam... E lá vinha a bola, colada em nossos pés descalços, com a incrível aderência destes com a bola e com o “piso”, desfilando por horas a fio mais uma partida de futebol...
– “Olha o carro!”... Gritava um!
– “Parôôô!”... gritava outro!
– “É minha, podem ver!”.. gritava aquele que chegou primeiro na bola encaixada embaixo do carro!...
... e assim íamos.
E estava justamente falando no final do jogo, com aquela bendita mania de tirar a pele que soltava da bolha que se abria em nosso pés... sem falar nas inevitáveis casquinhas que nossos dedos levavam junto a cada disputa de bola perto do meio-fio da calçada...
Demorava, quando voltávamos a jogar descalços, para as bolhas se transformarem em calos novamente, daqueles que já tínhamos aos 4-5 anos.
Hoje, fico pensando nos calos que se formavam...
Eles se formavam, porque jogávamos com nossos amigos... Todos eram amigos! As marcas que ficavam nos nossos dedos (algumas ficavam porque não dava tempo de cicatrizar e, portanto, o organismo acabava “desistindo” de recuperar aquele pedacinho da pele) eram disputadas COM nossos amigos que, em determinado momento, estava no “time adversário” (e que em determinadas ocasiões era da casa dele que vinha a água para todos)...
Nem todos os calos ficaram, porque nossos finais-de-semana foram profundamente reduzidos... Mas as lições dos calos e algumas pequenas marcas, essas sim ficaram.
Ficaram aquelas manchinhas no corpo que a gente descreve com orgulho quase olímpico:
– “Essa foi uma queda de bicicleta em que eu saí derrapando uns 6 metros!”
– “Essa foi no pega-pega!”
– “Esse foi num jogo de taco, em que peguei a bola no ar e enfiei o pé no buraco do bueiro”...
... e por aí vai!
Assim, creio eu, são os outros calos e cicatrizes.
Hoje, muita gente pode se referir a “marcas que estão no meu corpo, na minha alma, no meu coração”, e que foram feitas por nossos “amigos da Rua de Baixo”... Talvez até não gostaríamos de ter esses calos e essas cicatrizes.
Outras são feitas pelos “caras da Rua de Cima” (sempre que tem a Rua de Baixo, tem a Rua de Cima)...
Tem cicatrizes e calos que são realmente muito duras, muito difíceis de serem tratadas, limpas e curadas... Não basta só tirar a pelezinha (eca!), não basta passar a pedra-pomo para “alinhar” os calos formados.
Mas, como nos nossos jogos em que arrebentamos o pé, mas pegamos a bola no ar e isso significou a nossa dupla ficar com o taco (que dava o direito de ser a dupla que conduz o jogo ao final)... em que rasgamos o joelho para chegar com os pés embaixo do carro primeiro e isso dava aquele gol magistral, nunca filmado mas popularmente testemunhado... que saímos do jogo, fomos para casa, tomamos banho, o final-de-semana terminou e a Rua de Baixo nos aguardava no próximo final-de-semana, estes “jogos” de nossos dias atuais nos guardam, também, lembranças e marcas. E também deixam nossos corpos, nossa alma e nossos corações “calejados”... E sempre diremos, com o mesmo orgulho verdadeiro, que saímos vencedores. Porque celebramos em cada partida, porque sempre estávamos juntos e a “Rua de Cima” ia embora, simplesmente...
Quem aqui não resistiu verdadeiramente um dia sequer e continuou a respeitar seus amigos da Rua de Baixo e “os caras de Rua de Cima”, não saberá nunca tratar de suas cicatrizes e seus calos...
Eu trato dos meus...
Marcelo "Russo" Ferreira
Copyright Marcelo Ferreira. Se for utilizar o texto, dê crédito ao autor.

Pares e Ímpares - A Ditadura dos Pares

''Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde''
(Frejat e Cazuza)

''Caminho da liberdade, estarmos com quem desejamos estar, enquanto proporcionamos felicidade e aprendizado mútuo''.

Certa feita, passeando pelo Rio de Janeiro, justo na feira de antigüidades da Praça XV, deparei-me com a materialização da ditadura dos pares. Queria comprar uma taça - vejam bem, uma taça - daquelas de champagne antigas, boca larga, rasa. Encontrei a taça perfeita, em cristal, maravilhosa. Perguntei o preço - era ótimo! Feliz e pronta para comprá-la, pedi à vendedora, porém ela me respondeu que não venderia uma taça sozinha, que venderia o par. Há anos penso no que venho chamando de ditadura dos pares. Ei-la!

Repare: quando reencontramos conhecidos, amigos, ex-colegas de trabalho a primeira coisa que nos perguntam, logo após o tradicional ' e aí, quanto tempo!' é se estamos namorando. Incrível perceber que saber se somos um par ou se ainda somos ímpar é uma preocupação bem maior do que 'como você está'. Infelizmente estamos vinculados à idéia confundida de que 'bem estar' é 'estar com alguém'.

Solteiros em geral são vistos como pessoas solitárias, tristes. Se assim não é, costumam estar associados às baladas ininterruptas, às noites nos bares ou nas festas, buscando incessantemente companhias fugazes. Pergunto-me freqüentemente o que motiva a crença de que ser um par é o único caminho para a felicidade e para a auto-realização.

Pessoas sozinhas em restaurantes, bares, cinemas, teatros freqüentemente são vistas como alienígenas, sem amigos, sem família, sem ninguém. Será que não dá para imaginar que às vezes é muito bom sair sozinho? Que ao escolher sua própria companhia a pessoa está optando por um tempo com seus pensamentos, um momento para reflexões, introspecção?

Outro dia vi num filme bem bobinho frase sábia. A mocinha dizia para o mocinho ' não vim aqui para dizer que preciso de você para viver, seria mentira. Eu não preciso de você para viver, mas vim para dizer que quero viver com você' . Sapiência do filminho hollywoodiano. Estar com alguém por livre escolha, certamente é mais que estar por necessidade de 'alguém'.

Seja a necessidade financeira - modelo ultrapassadíssimo - mas ainda vigente, seja a necessidade de companhia - dependência afetivo-sexual - seja ainda a necessidade social - esta, a tal orientadora da ditadura dos pares - subjuga o indivíduo até fazê-lo crer que não pertence, que não é adequado se não for um par. A necessidade, seja ela qual for, nesse sentido é prisão que acorrenta almas. É desprovimento do fundamental direito à liberdade de ser, de estar, de ir e vir como bem lhe aprouver.

Escolha, por outro lado, é máxima expressão da liberdade. Liberdade de ser quem se é, de estar onde se quer, com a companhia que dê prazer, felicidade e alegria ou com nenhuma companhia. Liberdade é escolher ir ao cinema sozinho - ou acompanhado. Liberdade é escolher a solitude, podendo ser par por livre-escolha e não por imposição da ditadura social, financeira ou emocional. Escolher estar só ou com alguém, portanto, na minha humilde opinião, é melhor que sentir-se 'o último dos moicanos' só porque não se é par.

''Estou sozinha porque quero estar sozinha, antes só que mal acompanhada'' (C.A., jornalista).


'' Por que alguém como você não tem namorado?'' (um homem dia desses).

Maria Cláudia Cabral
Respeite o direito autoral. Se for citar o texto, dê crédito à autora.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

A simplicidade da Primavera

Contos de Primavera é um filme suave, sutil. O cineasta Erick Rhomer trata de relações humanas, de sentimentos e de coisas cotidianas de uma forma muito natural, acompanhando a vida de suas personagens à distância, como se estivesse as assistindo, sem participar de suas ações.
O filme conta a história de Jeanne e de Natasha, duas pessoas que se conhecem por acaso em uma festa e se tornam amigas rapidamente. Jeanne é uma professora de filosofia muito comunicativa e sozinha. Se vê desabrigada quando empresta seu apartamento pra uma prima e não deseja permanecer no apartamento do namorado, enquanto este está ausente. Natasha é uma jovem tão solitária quanto a amiga. Filha de pais separados, mora praticamente sozinha, uma vez que o pai está sempre com a namorada, que por sinal, Natasha detesta. Dessa maneira, a garota começa a ver na amiga, uma possível substituta para a namorada do pai e, aparentemente tenta fazer de tudo para aproximá-los.
O filme se baseia no discurso. Os diálogos são mais recorrentes e mais importantes que as ações. Muito se fala de filosofia, de relacionamentos, de sentimentos, de carências, de solidão, em vários jogos de palavras. E é exatamente através dessas falas que as personagens se revelam. Entretanto essas revelações são parciais. Como na vida real, não se sabe se o que uma pessoa diz é sincero e verdadeiro, ou se é uma imagem oportunista que ela quer passar de si mesma. Assim são as personagens de Rhomer: ora se mostram ingênuas e carentes, ora oportunistas e maquiavélicas.
Jeanne e Natasha falam muito de si, se entregam e confiam muito uma na outra, apesar de terem acabado de se conhecer. Surge uma cumplicidade entre elas, uma busca por saciar seu desejo de companhia, de ser o centro das atenções, de romper com a solidão. Ambas dão pouca importância ou quase nenhuma a seus respectivos namorados, tratando de forma egocentrista de seu universo particular. São personagens ressentidas com suas próprias vidas, e que, exatamente por isso, não conseguem falar de outra coisa.
Podemos afirmar que é um filme que trata sutilmente do universo feminino e de seus conflitos. As personagens principais são mulheres: fortes e fracas ao mesmo tempo. E outras personagens femininas assumem papel importante na trama, como Eve, a namorada do pai de Natasha ou sua mãe, da qual ela sempre lembra com críticas e melancolia. Enquanto isso, os homens assumem papel secundário na trama e se resumem em ser a razão dos problemas femininos. Por vezes, um toque de lesbianismo fica no ar.
Contos de Primavera, que faz parte da série intitulada Conto das Quatro Estações, traz muito da primavera que sugere no título. Apesar dos conflitos, as cenas da casa de campo no jardim florido, as cores suaves da fotografia, a sutileza com que é contado... tudo lembra a leveza da primavera.
O filme segue uma estrutura de causa e conseqüência ininterrupta, desde o momento em que Jeanne e Natasha se conhecem, até o desfecho da história do colar que havia desaparecido, sempre com uma coisa levando a outra. Apesar disso e de ter uma história facilmente compreensível, não é um filme clássico. É uma narrativa moderna, que desenvolve com naturalidade a trama das personagens sem querer emocionar ou explicar demais as coisas.
O final em aberto sugere a continuação da vida daquelas pessoas de uma maneira cotidiana, que dali pra frente pode ser diferente, exatamente porque uma cruzou o caminho da outra e isso deixou marcas; ou pode continuar seguindo seu curso normal, sem que nada se modifique, fazendo daquela história uma mera lembrança. Dualidade que acontece diariamente em nossas vidas. Trata-se de uma trama comum, com um roteiro simples e muito bem contada.
Camila Pessoa.
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terça-feira, 15 de maio de 2007

AMOR EM TRÊS TEMPOS

‘’Física quântica, a física das possibilidades.’’



Ana tem feito todos os dias o que sempre faz, deseja loucamente – ou talvez nem tanto – viver uma outra vida. Ela caminha neste momento por entre os edifícios da vizinhança. O sol já se foi, mas não completamente. Ela carrega as compras do jantar e naquele momento deseja quase tão suavemente quanto a brisa que lhe toca o rosto, simplesmente chegar a casa, sentir a poesia de Djavan e preparar o jantar.



Hoje, mais que nunca, Ana precisa de uma refeição amorosa, sutil, com gosto de felicidade. Um sorriso discreto ilumina seu rosto, faz brilhar seu olhar enigmático. É que as palavras ouvidas há pouco ainda ecoam em seus ouvidos e reverberam em todo seu corpo ‘’...eu lamento por você’’...



Por um instante nada em volta existe... Só o cheiro do fim de tarde e o imenso vazio, a dúvida – chega quase a ser dor - mas neste momento, no justo instante em que a nuvem cobre seu olhar, um feixe de luz se lhe apresenta. Parece tão claro: tudo pode ser!



Neste instante é como se não houvesse tempo ou como se ele pudesse ser seu amigo e permitisse que tudo acontecesse simultaneamente. Como se ao invés de simplesmente se virar e partir, ela tivesse ido ao encontro do homem que a fez tremer e duvidar. E juntos eles tivessem escrito uma história de plenitude. Ela quase podia ver os dois nus na varanda, sentindo o sol se pôr, sorvendo lenta e calorosamente o vinho e suas próprias almas. Sendo mais que o momento presente, sendo um novo dia a cada dia, sendo a cada instante uma nova história, sendo tudo na linha do tempo. Ela podia vê-los naquela varanda falando de velhas histórias vividas ou sonhadas por muitos anos. Sim, ela pôde ver cada instante daquela vida e assim os viu já na plenitude, na mesma varanda de mãos dadas como antes e todos os dias - conversando, conversando.



Entretanto, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, ela opta por seguir em frente sem olhar para trás. Ela amava aquele homem e não queria ouvi-lo lamentando por sua vida, nem pela dele, mais que tudo ela o queria feliz – como fora antes – sem contratempos. Ela precisava dele inteiro e não distorcido por simulações e fraudes. Ela o preferia longe porque só assim poderia continuar admirando-o mais de perto. Ana não podia imaginá-lo outra pessoa, ela o queria, ele mesmo, inteiro, mesmo que à distância.


Ainda assim as possibilidades deles não se esgotavam. No mesmo espaço, naquela mesma tarde, não pensavam em nada, só havia a imensa presença, a perfeita conjunção. Sentiram-se simplesmente livres em seus corações e embora quisessem gritar ao mundo o que sentiam, embora quisessem compartilhar com todos a seu redor a imensa felicidade que sentiam, afogaram tal grito, bem no fundo do estômago e mesmo sentindo uma pontada de dor, permaneceram em seu anonimato, seguros e felizes em sua ilha de amor. Ainda que pequena - em tempo e espaço - era o mundo. Nele - aquele mundo - só eles viviam, e dela - aquela vida - só eles sabiam. Não partilhavam esse universo, porque lá não havia início ou fim, só o que eram e sentiam. E fora dali não havia nada, somente o cotidiano, o trânsito, as contas a pagar, o trabalho, enfim nada que valesse à pena mencionar.



‘’Lamento por você...’’ (Um homem, em algum lugar do passado)


‘’Não quero que vivamos em meio a simulações e fraudes, quero que continuemos a ser inteiros, para que possamos continuar nos admirando mutuamente’’ (Uma mulher, em algum lugar do passado)




Maria Cláudia Cabral
Copyright da autora. Todos os direitos reservados

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Do Improviso e do Desapego

''Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais''
(Zé Rodrix e Tavito)
Cá estou eu, correndo de novo. Escrevendo de improviso e atrasada - está virando hábito. Embora costume acordar segunda-feira cheia de idéias para o texto de terça, e ainda o faça, a mudança tem-me imposto novas rotinas. Questões urgentes para resolver, realização de sonhos. Ainda assim, sinto-me saudosa do som dos dedos no teclado. Sinto saudades de expor o pensamento e os sentimentos - e são tantos nesse momento de mudanças que talvez o ciberespaço seja pequeno para lhes dar cara.
Passada a semana em que me virei em mil para arrumar minha ''casa no campo'', passado o alvoroço da seleção, a vida vai aos poucos tomando seu rumo. Emprego novo, trabalho novo. Novos desafios, sonhos realizados e as coisas do dia-a-dia vão se assentando - ainda que a base de improviso e desapego.
Improviso, no entanto, não é privilégio do blog. Tenho exercitado dioturnamente essa qualidade como há muito não fazia. Desapego é desafio. Fazer caber o conteúdo de um apê de 140m, num loft charmoso de pouco mais de 50m é fazer o caminho de Santiago de Compostela. Creiam, é verdadeira viagem interna. Há que exercitar o desprendimento das coisas materiais. Há que exercitar a escolha. Isto ou aquilo - senão não cabe!
Rearranjar os móveis - escolhidos por outrem - num pequeno espaço e ainda deixar com a sua cara é tarefa das mais árduas - e das mais criativas também. Arrumar solução para uma cômoda pesada num espaço pequeno ou para um sofá-cama preto e volumoso, idem. Ter de abrir mão da sua Brastemp novinha e ultra moderna em favor da Cônsul da locadora - já meio carcomida pela longa vida - não é mole - mas nada que uma adesivagem não resolva, claro!
E os livros e cds, como ficam? Bem, depois de abrir mão de boa parte dos livros em favor de amigos e instituições, resta virar-se em mil para que os 'heróis da resistência' caibam no espaço do loft. Para isso usar os metros cúbicos, em lugar dos tradicionais metros quadrados na hora de calcular o espaço a ser utilizado, é fundamental. Funciona ou pelo menos está funcionando - mas ainda não acabou. Quanto aos cds - não me agridam, por favor - cometi o sacrilégio, segundo uma grande amiga, de digitalizar (esse verbo existe?) todos. Sim, todos! Música pertence à dimensão virtual, é intangível, amigos, cd é objeto da dimensão real. Como vivo lá e cá, optei por guardar minhas músicas lá, em seu habitat natural.
Deixar todos os bilhetes, cartinhas, objetos e coisinhas acumuladas. Abrir mão de roupas e utensílios que não se usa há anos, ''mas podem ser úteis em algum dia'' é um super exercício de desapego. Assim vai seguindo a mudança, abrir mão de objetos e coisinhas acumuladas até aqui vai ficando mais fácil a cada instante. Deixar ao longo do caminho aquilo que não é essencial, manter tão somente aquilo que se pode carregar sozinha é tornar a vida mais leve. Filosofia de vida.
''Eu gosto de ler os encartes, ver a ficha técnica e todas as informações que vêm no cd...'' (A.L., filósofo)
'' Como assim vai dar todos os seus cds???? Não, eu não consigo, preciso vê-los e tocá-los'' (C.A., jornalista)
Maria Cláudia Cabral
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quinta-feira, 19 de abril de 2007

O otimismo

Era dia ou era noite
Mas era, sobretudo, hora de dizer que no fim das contas
Sempre é o fim das contas.

Eu deixei alguém me dizer o contrário
E era dia ou era noite
E eu já não me lembro exatamente, no fim,
Quais eram as contas do qual sofria.



Maria Clara Dunck
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