terça-feira, 20 de março de 2007

AS NOSSAS ESTRANHAS CERTEZAS ABSOLUTAS DE CADA DIA



‘’Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói’’
(Caetano Veloso)





Alguém disse certa feita, que expectativa é o caminho mais curto para a decepção. Certo! Ao esperarmos azul, quando encontramos um dulcíssimo lilás não o queremos, não nos serve, simplesmente porque não era azul, e não por que lilás não seja bom – na verdade nem pensamos sobre a possibilidade do lilás, nem nos permitimos experimentar lilás.

Complexo? Nem um pouco, faz parte de nossa natureza controladora querer que coisas e pessoas sejam aquilo que queremos, ajam como esperamos. Assim, se esperamos um pedido de casamento com anel de brilhantes e o outro aparece com uma proposta de compartilhar um ‘’apêzinho’’ decorado em parceria, pronto! Já ficamos amuados, onde está meu pedido de casamento, em meio a espumante e lágrimas?

Nos recusamos não só a abrir mão de nossas receitinhas prontas de o que é felicidade, de o que é o homem/mulher que sonhamos para nós, como também cometemos o supremo sacrilégio – contra nós mesmos – de não avisar ao outro o que esperamos.

Imaginamos uma super viagem às Bahamas: muito sol, mar e mergulho, e, se recebemos um convite para uma viagem romântica para Praga, nos entregamos a elocubrar que ele/ela não nos dá o valor que merecemos, não está interessado como deveria ou como gostaríamos que estivesse. Sequer pensamos na grandiosidade de Praga.

Em regra, recusamo-nos a ver o que o outro tem, e focamos naquilo que lhe falta – ou ainda pior, naquilo que imaginamos que ele teria e, que, ele não tem (ou que não lhe demos tempo de mostrar que tem). Detalhe: o outro nunca disse que tinha, mas ainda assim sentimo-nos enganados, traídos em nossos sonhos.

Freqüentemente desejamos não o outro, mas alguém que idealizamos. E não importa o que custe, importa encaixar aquele/aquela que está diante de nós no modelo que queremos, seja fisicamente, seja emocionalmente. Assim é com pessoas, assim é com comportamentos.

Queremos que o outro nos ligue no dia seguinte pela manhã, se não for assim, significa que ele não está interessado. Ou queremos que o retorno seja recheado de propostas concretas, diante dos espaços em branco que deixamos, e, se assim não é, significa que não fomos importantes, o interlocutor não nos quer. (mas nós não fazemos propostas concretas).

Como somos peritos em julgar o comportamento e os sentimentos de nossos interlocutores... Como somos bons nas certezas absolutas, em nossas convicções cotidianas sobre o que é que o outro pensa e sente. O significado dos silêncios, das ausências, das vírgulas e até da telefonia móvel, que falha. Enfim, como somos espertos, ninguém nos engana, ninguém nos ‘’usa’’! Enchemo-nos de razão e seguimos, dedo em riste, bradando aos quatro ventos: ninguém me usa, ninguém me faz de bobo, ninguém me abandona assim! Questão fechada! Para quê dialogar? Para quê esclarecer? O outro não me serve, e isto é tudo – às vezes orgulho, às vezes desinteresse puro e simples, fruto da insustentável leveza do ser.

Nessas idas e vindas perdemos chances inestimáveis de encontrar, não a pessoa perfeita, mas aquele que poderia ser perfeito para nós. Aquele ou aquela que nos auxiliaria a vencer algumas de nossas limitações, nos auxiliaria a abrir mão do egocentrismo ou do orgulho – mesmo que só um pouco. E a quem ajudaríamos a vencer o medo da entrega, a pressa ou a estranha mania de ter certezas – malditas convicções!


‘’Esperava MUITO mais de você!”(M.D., 38 anos, depois de uma semana de um primeiro e único encontro)
‘’Eu continuo não entendendo o que fiz/não fiz’’ (C., 38 anos, depois de uma semana de um primeiro e único encontro).

''Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.'' (Martha Medeiros)



Maria Cláudia Cabral
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