domingo, 11 de novembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Olhos negros...

No início de 1999, estava assistindo a uma aula de Introdução de Fundamentos Psicológicos da Educação, uma disciplina de primeiro semestre de meu curso de Mestrado em Educação, na Universidade Federal de Pernambuco. Aliás, no tempo certo farei menção à minha dissertação e esse período de mestrado.

Lembro-me que era uma disciplina muito polêmica, mas não no sentido da reflexão e do debate profundo, mas no sentido da proposta metodológica da própria disciplina.

Naquela minha turma de mestrado, havia uma colega que tinha olhos lindos, negros e que me lembravam uma pessoa de longe, uma pessoa que mexia com meus distantes e profundos sentimentos – aliás, é preciso destacar que com essa colega não houve absolutamente nada, nem em sentimento.

Era um período em que a Universidade viva um pesado e violento período de sucateamento público, em que os blá-blá-blá’s do pensamento pós-moderno, do fim do mundo do trabalho etc. começava a ganhar força nos cursos de pós-graduação e era cada vez mais difícil estabelecer reflexões produtivas que tratassem da realidade concreta, da prática como critério de verdade.

Pois então... naquela aula, eu estava próximo à janela e lembro-me que chovia... Ficava a escutar as reflexões daquela disciplina e caí na real: nada daquilo, naquele momento, me fazia qualquer sentido ou significado. Essa colega estava sentada no outro lado da sala e, já que não conseguia ser produtivo intelectualmente naquele momento (ou seja, eu reconhecia meu limite acadêmico naquele momento – restaria saber se o professor se daria à mesma auto-crítica), virei a página de meu caderno e escrevi um pequeno verso irregular, com algumas frases para que, pelo menos por alguns minutos, aquela manhã me fizesse sentido.

Ao chegar em casa, pus novamente o velho companheiro de guerra no colo e dei mais vida aqueles pequenos versos irregulares. A primeira pessoa que presentei foi aquela colega de olhos negros e, na primeira oportunidade, cantei à aquela pessoa que longe morava. Transformou-se em mais uma de minhas melodias preferidas.

Apresento “Olhos Negros”:

“A ponte não te liga ao que acontece embaixo dela / O que você faz a respeito? / O quadro negro prende ou liberta suas idéias? / O que você pensa a respeito? / À minha frente, olhos negros, belos negros, parecem fitar-me. / E a chuva lá fora não mata a sede, / não molha o rosto de todos.

Aprendi com a minha voz a não acreditar no silêncio. / O que você diz à respeito? / Se são seus livros os que falam suas palavras, / o que falam a respeito de você? / A distância me parece tão pequena quando penso em seus braços. / Mas eu vejo tantas mãos, / palmas p’ra cima, estendendo-se a nós. / O que nós fazemos?

Liberta minha alegria não-liberta. / Não quero mais brincar de escravos-de-jó. / Liberta o meu jogo de esconde, / minhas palavras, minha arte de voar. / Liberta as palavras das palavras não-libertas. / Quero fazê-las voar. / Não quero ser ou me fazer Mártir da esperança / dos pequenos, nos palhaços. / Quero, como o bêbado, fazê-la girar.

‘Olha a cana! Olha o sal! Olha o corpo! / Quem vai querer comprar?

Olha a farinha! Olha o carvão! Olha o corpo! Só para o seu prazer de poder!’

Olhe para os meus pés descalços, / minha casa de jornal molhou-se com a chuva. / Não importa a cor dos seus negros olhos. / O que nós faremos à respeito?”

Marcelo “Russo” Ferreira

PS.: Essa canção tem registro da letra e tem melodia própria. Em citando-a, lembre-se da história destas letras amontoadas, melodicamente amontoadas... são, como as demais já apresentadas aqui, parte de minha história.