domingo, 30 de dezembro de 2007

Síndrome do Fantástico... Ceia de Natal – por Frei Beto

No último domingo, não escrevi. Mas o belíssimo texto de Maria Cláudia sintetizou o que eu pensava nequeles dias. Depois, descansando em casa, atualizei minha leitura e vi esse texto de Frei Beto. Achei que poderia abrir mão de um texto meu e presenteá-los (independente de presente), principalmente para aqueles que não tiveram a oportunidade de acessar a Caros Amigos de dezembro/2007.

"A Missa do galo encerrou-se aos primeiros minutos de 25 de dezembro. Padre Afonso deixara-se contaminar pela aflição dos fiéis, ansiosos por retornarem ás suas casas e desfrutarem a ceia antes de as crianças murcharem de sono. Abreviou a homilia, pulou a oração, desejou a todos feliz Natal e deu-lhes a bênção final.

Dependurados os paramentos, padre Afonso viu-se sozinho em plena noite de Natal. O celibato é um dom e ele sabia tê-lo merecido. Ao longo de 20 anos de sacerdócio acometeram-lhe muitas tentações. Não era o fascínio das mulheres que o levava a duvidar de sua consagração. Perturbava-o a consciência do pai de nunca fora.

Naquela noite a solidão lhe bateu forte, com uma ponta de amargura advinda de uma expectativa frustrada. Nenhum dos paroquianos tivera a generosidade de convidá-lo à ceia. Revirou os embrulhos de cores brilhantes e encontrou o que bastava: um panetone e uma garrafa de vinho. Enfio-os na pasta para levar sacramentos aos enfermos e dirigiu-se à zona boêmia.

Shirley

Ela trazia os olhos inchados, o peito sufocado, o coração miúdo. Desde o fim da tarde chorara copiosamente ao recordar os natais de sua infância no norte de Minas. Lembrou da família que a repudiara, do marido que a abandonara, do filho que dela envergonhara. Sentiu ódio da vida, da desfortuna a que fora condenada.

Pudesse, não trabalharia naquela noite. Todavia, não lhe restava alternativa. O acúmulo de dívidas a obrigava a ir à rua. Mirou o homem de pasta na mão, camisa sem gola, sapatos escuros. Enquadrou-o na tipologia adquirida em tantos anos de calçada: tinha o jeito de ingênuo dos que buscam apenas aliviar-se e, na hora da cobrança, preferem ser generosos no pagamento a enfrentar uma prostituta irada disposta ao escândalo.

Trocaram olhares e ela se esforçou para estampar um sorriso sedutor. Ele a indagou; ela apontou o hotel. Caminharam em silêncio. Subiram as escadas onde as baratas se desviavam ariscas.

Ao vê-la abrir o primeiro botão da roupa, ele se adiantou. Explicou que não estava ali em busca de sexo, e sim de companhia. Haveria, contudo, de pagar-lhe o devido. Contou-lhe de seu sacerdócio e de sua solidão, e indagou se ela se dispunha a orar com ele a compartir a ceia.

Shirley sentou na cama, enfiou o rosto entre as mãos e desabou em prantos. Agora era um choro de alívio, de gratidão por algo que ela não sabia definir; quase que alegria.

Padre Afonso propôs fazerem uma oração. Ela se ajoelhou e ele tomou-a pela mão e fez com que se sentasse de novo. Ele ocupou a única cadeira do quarto. Abriu o evangelho de Lucas e leu o relato do nascimento de Jesus. Em seguida, perguntou se ela gostaria de receber a eucaristia. Shirley pareceu levar um chique. Como ela, uma puta, poderia receber a hóstia sem sequer ter se confessado? O sacerdote leu o texto de Mateus (21, 28): “As prostitutas vos precederão no Reino de Deus”. E acrescentou que eram ele e essa sociedade cínica, injusta, desigual que deveriam se confessar a ela e pedir perdão por a terem obrigado a uma vida tão degradante.

Após a comunhão, padre Afonso tirou dois copos da pasta, encheu-os de vinho e partiu o panetone. Os dois ainda conversavam sobre suas vidas enquanto clareava o dia".

Vida Longa

Marcelo "Russo" Ferreira

PS.: O texto foi publicado na coluna de Frei Beto, na Caros Amigos de dezembro (número 129).

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Ho-Ho-Ho... É Natal, no Hemisfério Sul

''And so this is Christmas War is over
For weak and for strong If you want it
For rich and the poor ones War is over
The road is so long Now
And so happy Christmas War is over
For black and for white If you want it
For yellow and red ones War is over
Let's stop all the fight'' Now




...Mais um Natal. Olho em volta, nas ruas, nas praças e nos jardins, há luzes. Há luzes por toda parte. Há luzes, pinheiros, Papai Noel, botas enfeitadas, bonecos de neve... Ooops! Bonecos de neve? Estamos abaixo da linha do Equador, em pleno verão brasileiro. Estou em meio ao cerrado, aos piquizeiros em flor, já dando seus frutos. Estou no centro-oeste do Brasil. Faz calor e chove muito. O que esse boneco de neve faz na Esplanada?



Impossível não me incomodar com aquela figura gorducha e branca no meio da Esplanada, no coração do Brasil. Queridos, não estamos em São Joaquim (RS)e, ainda que estivéssemos, nem lá, nesta época do ano, neva. Estamos celebrando a mais eurocêntrica festa do mundo. Celebramos a Lapônia, Santa Klaus, a neve, as renas de nariz vermelho. Celebramos a distribuição de presentes às crianças que se comportaram bem(?) durante todo o ano, que comeram legumes, que foram obedientes.



Boa parte de nossas crianças estão pelas ruas, comendo restos, cheirando cola. Boa parte de nossas crianças são espancadas, abusadas, boa parte de nossas crianças frequentam escolas retóricas, em que professores mal-remunerados fingem que ensinam, enquanto crianças mal-nutridas e desprovidas de perspectiva fingem que aprendem.



Elas não comem legumes, elas não tiram boas notas na escola, elas não são obedientes. Elas são invisíveis durante todo o ano ou são incômodas com a sujeira e a pobreza que nos lembram a todo momento em que lado da desigualdade estamos. Elas não ganham(?) presente do Papai Noel.



Ainda assim, o gorducho boneco de neve está lá... No centro do centro do Brasil, lembrando a todos nós o frio e a fartura no Hemisfério Norte. Lembrando a força da hegemonia eurocêntrica, a força da cultura do Norte em face a cultura do Sul. Lembrando a força do consumo em face da solidariedade. Natal nos lembra 'compras de Natal', nos lembra presentes, comércio, peru, pernil, leitoa.




O Natal no Hemisfério Sul está repleto de símbolos importados de todos os cantos do Hemisfério Norte. A desigualdade parece ser celebrada nesta época, sem ela não poderíamos praticar - ao menos uma vez por ano - o amor pregado e tão bem exemplificado por aquele 'cara', que nasceu há 2007 anos e que, coincidentemente, faz aniversário nesta data.


A propósito... Ele prescindiu de bonecos de neve, de Santa Klaus e das renas do nariz vermelho para deixar seu exemplo de solidariedade, que tal seguir seu exemplo e praticar o amor e a solidariedade dia após dia, em lugar de deixar para o dia da festa?


Feliz Natal a todos, feliz natal... Sem boneco de neve, mas com muito amor pelo próximo.



''Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22.36-39)(Jesus Cristo)

domingo, 16 de dezembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... muitas idéias...

Nestes últimos dias venho pensando e registrando tanta coisa, tantas idéias, tantos planos que acho que, neste novo artigo de “Síndrome do Fantástico”, parece que estou vivenciando aquela velha história de “Síndrome de Fim de Ano”...

Muita gente começa a pensar em um monte de coisa, a fazer um monte de planos, e terminar isso, começar aquilo, esquecer de vez aquelas situações e/ou pessoas etc.

Bom... eu acho que não fugi muito a essa quase regra:

Pensei se vou continuar a falar de nossa mídia quase toda semana, principalmente quando a gente vê as incoerências de seus discursos. Principalmente quando ela cria uma tal de “Central de Boatos” quando, na verdade, não é muito séria e verdadeira, nem mesmo com os “não-boatos”.

Pensei e continuar estudando tanto a literatura que me agrada (principalmente José Saramago) quanto os teóricos revolucionários, ao mesmo tempo em que procuro me esforçar para ler os contraditórios, os diferentes, os divergentes e os antagônicos.

Pensei na música que escuto e se vou finalmente me render aos mecanismos de baixar músicas sem custo, ao invés de ficar pesquisando e comparando preços de CD’s (ou esperar mais um tempo, para que os preços fiquem realmente baixos e, portanto, justos). Aliás, pensei por onde vou retomar minhas pesquisas, aquelas em que adquiro aquilo que não conheço (como costumo fazer para acessar a “música popular africana” e algumas coisas do rock progressivo).

Pensei nos amigos e amigas, aqueles/as que estão aqui perto e os que estão longe, aqueles/as os quais até consigo ver vez por outra, por conta de uma viagem e aqueles/as que sempre torço para um dia, sem mais nem menos, reencontrar, nos lugares e momentos mais impensáveis.

Pensei no violão e no baixo que tenho em casa e que ainda não criei aquele ritmo de outros tempos, em que tanto tocar uma música quanto compô-la era algo que não se perdia, e hoje ainda tenho que “estudar” as antigas melodias, algumas já apresentadas neste espaço.

Pensei em trabalho, em militância, em princípios, em “jogar no time”... ou o “time me querer no time”.

Pensei no Andarilho... Pensei no “precinho”... Pensei nas crianças do MST.

Pensei (ai! ai! ai!) no novo Big Brother que vem por aí e o que realmente isso significa em nossas vidas, mesmo quando, literalmente, execramos essa baixa mas profunda organização da mente coletiva humana na construção da uma óbvia legitimação da vigilância alheia.

Pensei em minha saúde... em meu “cobertor de orelha” (ainda descoberta)... em meus silenciosos atos de solidariedade... e em meus enfrentamentos...

Pensei na família tró-ló-ló (foi mal, tia)... e na saudade que tenho dela, daqui do Planalto Central.

Pensei em nós... Pensei em outra sociedade, verdadeiramente justa e igualitária... Com valores de trabalho coletivo profundos e invencíveis...

Pensei que ainda há muito o que fazer...

Você pensa em que?

Vida Longa...

Obs.: cada um com seus pensamentos, idéias e projetos... esses são meus, mas agora não são mais... Mas que possam ser lembrados se utilizados, ok?

domingo, 9 de dezembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Blues of Baby...

Era o ano de 2000. Eu já havia passado pelos dois primeiros semestres de meu Mestrado em Educação quando, junto com minha orientadora e alguns militantes e amigos do MST de Pernambuco, tocamos adiante um ousado Projeto: o de realizar o “I Estágio Interdisciplinar de Vivência em Assentamentos da Reforma Agrária de Pernambuco”.

Conseguimos reunir estudantes de filosofia, educação física, pedagogia, assistência social, direito, história, agronomia e até estudantes secundaristas (da antiga Escola Técnica Federal).

Nesta oportunidade, conheci uma pessoa que veio de Brasília, só para participar de nosso estágio de vivência. Ela tocava um violão fabuloso e cantava divinamente... Seu nome era Juliana e, carinhosamente, a chamava de Baby.

Acabamos nos aproximando e topando construir um momento de carinho recíproco em nossa pequena oportunidade de convivência sentimental.

Uma semana depois do estágio de vivência, passamos, com mais alguns amigos, um final-de-semana na Ilha de Itamaracá, regado a caminhadas, viola, conversas até altas horas da noite e carinho... após isso, nossas vidas pessoais tomaram seus rumos devidos, eu em Pernambuco, ela em Brasília.

Desta história, ficou uma música. Não foi apenas uma “música para Juliana”. Foi uma canção que sintetizou, também, o que vivenciamos enquanto militantes, enquanto pessoas que querem construir um mundo e uma sociedade diferente, um homem e uma mulher novos. Uma canção que sintetizou nossos estudos durante aquela atividade interdisciplinar, com os nossos pés verdadeiramente postados em solo agrário. Uma canção...

Apresento “Blues of Baby”.

“A fogueira iluminando a escuridão do dia chegando/ Seus olhos desnorteiam meus olhos com a sua voz./ Passarelas sobre o mar,/ não se onde querem chegar./ Paranoá-atlântico, cercania viva do meu novo lar.../ Esquina perto do cais./ Estradas onde ando mais.

Baby, será que estamos na barca certa?/ Baby, então, quem a guiará ao mar?/Baby, eles não virão de longe para nos buscar./ Não sei quem são.

Será que seriam os retirantes com seus filhos e os calos da enxada?/ Ou será que seriam os louros, cegos filhos da Pátria Amada?/ A fogueira e seus conselhos resgataram os sentimentos de nossos corações./ É p’ra nada?

Baby, aquela bossa não vai terminar?/ Baby, nossos gritos infinitos queriam ecoar até a lua./ Baby, precisamos levá-los ao seu lugar.

Onde toda sua voz popular possa dar sentido aos meus poemas progressivos./ Onde meus poemas progressivos possam ter sentido para Deus e seus dilemas./ Onde seus dilemas furtem a fome e o poder de seus fantasmas./ Crianças nuas numa roda/ em nossa música vão voar.

Crianças, que vão buscar suas asas p’ra voar./ Poemas, que vão buscar suas asas p’ra voar./ Baby, pegue suas asas p’ra voar”.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

P.S.: Sim... a letra está registrada em cartório e, neste espaço, reitera-se os “direitos autorais”... Um dia, quem sabe, possamos escutá-la juntos...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

70's

- Ãaa, ãaa, ãaa, ãaa, ãaa, ãaam... Cã, cã, cã! (...) Nossa, sonhei que perdia o ar e acordei engasgada.
- É, eu vi.
- Já é meia-noite?
- Quase...
- Como você sabe?
- Eu sei.
- E se for meia-noite e a gente não souber?
- A gente vai saber.
- Então só você vai saber...
- Pode ser, então.
- Diga-me claramente quando chegar a hora!
- Pode deixar, eu aviso com antecedência quando o momento se aproximar...
- Jura?
- Juro.
- Pelo nosso amor?
- Pelo nosso amor.
- Nosso amor é a coisa mais importante, não é?!
- Nosso amor é a coisa mais importante pra mim, depois de você.
- E se existir só eu e não mais o nosso amor, você vai sofrer?
- Vou, mais ainda zelarei pro você.
- O que faria para cuidar de mim?
- Seria o que sou agora, o melhor que posso ser.
- Jura?
- Juro.
- Jura até por mim?
- Juro.
- ...
- ...
- ...
- Está chegando a hora.
- Apague as velas, então.
- Acho melhor você apagar...
- E você, o que fará?
- Deixe que eu fecho as janelas.
- Feche-as, por favor.
- Pronta?
- Pronto.
- Pronto?
- Pronto.
- Ok, já podemos nos deitar.
- Sim.
- E nos dar as mãos?
- Sim.
- Pegou?
- Peguei.
- Vai doer?
- Já falei que não sei...
- Então o faça logo.
- Ok.
- Te amo!
- Eu também te amo...
(Breve som, abafado, meio agudo, estranho).
- Ãaa, ãaa, ãaa,ãaa, ãaa, ãaam...
(Um suspiro).
- Ok.
(Breve som, abafado, meio agudo, doce).
- ...
- ...
- Acabou?
- ...
- E então?
- ...
- Amor?
- Abra as janelas, vai...


Maria Clara Dunck. Copyright da Autora. Todos os direitos reservados.

domingo, 2 de dezembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... socialismo e esperança...

“Quando penso no futuro, não esqueço do passado”

(Paulinho da Viola)

É verdade que a epígrafe escolhida (a maravilhosa “Dança da Solidão”) não foi escrita para o que neste artigo pretendo... Mas foi escutando esta canção, dentre outras, que me inclinava na leitura da Segunda Encíclica de Bento XVI.

Enquanto lia o texto completo da Segunda Encíclica, anunciado pelos telejornais na última sexta-feira como aquela em que o Papa centrava sua crítica “contra o Marxismo e o ateísmo”, essa parte da canção me levava a uma interpretação poética bastante significativa do que consegui sintetizar e sistematizar da vasta obra marxista que, obviamente, não se resume a Marx: passado e futuro como elementos concretos de meu presente... histórico.

Mas chamava-me a atenção, na oportunidade da matéria jornalística, a coincidência de quadro sobre as matérias em questão. Explicando: em especial atenção ao Jornal Nacional da rede Globo de Televisão, anunciava-se a publicação da Segunda Encíclica Papal e, em seguida, uma cobertura detalhada da manifestação popular em favor do referendo constitucional na Venezuela (detalhada porque, diferente da cobertura a manifestação do dia anterior, contrária ao presidente venezuelano, só faltou dizer o endereço de cada um dos manifestantes favoráveis a Chavez).

Em tempos em que Hugo Chavez defende efusivamente a Revolução Bolivariana e o socialismo do século XXI, nada como continuar-se o bombardeio aos princípios e referências mais conhecidas da teoria fundante do Materialismo Histórico Dialético.

Fui à Segunda Encíclica. Um texto que, formatado para a impressão, ocupou 29 páginas e fonte “times new roman” tamanho 12. Dois parágrafos, caros leitores do Arcamundo. Sintéticos (e equivocados) dois parágrafos que falaram da obra de Marx e Engels. Destaca-se que, destes dois, Bento XVI faz o primeiro comentário: “(...) Com pontual precisão, embora de forma unilateralmente parcial (o “lateral” da classe trabalhadora” – meu destaque), Marx descreveu a situação do seu tempo e ilustrou, com grande capacidade analítica, as vias para a revolução. E não só teoricamente, pois com o partido comunista, nascido do manifesto comunista de 1848, também a iniciou concretamente. E a sua promessa (como???), graças a agudeza das análises e à clara indicação dos instrumentos para a mudança radical, fascinou e não cessa de fascinar ainda hoje”. Posteriormente, indica que o erro fundamental de Marx foi não nos dizer como as coisas deveriam proceder depois da revolução, dando o exemplo da Revolução Russa.

Não pretendo aprofundar minhas reflexões, pois implicaria a construção de um texto longo, só para tratar deste trecho. O farei, mas sob outras circunstâncias, outros tempos para o debate, em momento histórico apropriado.

Opto por lançar pequenas e objetivas reflexões, pelas quais espero instigar aos tantos quantos convidados deste tempo/espaço de todos os domingos, a outras tantas reflexões... e, conseqüentemente, a debates profundos e, em que pese a crítica do Sr. Rasting, a debates que permitam a radicalidade de nossas reflexões, porque partem da raiz do problema.

Primeiro: Marx, até onde me consta, nunca se propôs a dizer a como a classe trabalhadora deveria proceder após a revolução proletária. Aliás, a máxima deste filósofo-economista era “Trabalhadores do Mundo, uni-vos!”, afirmando que a revolução proletária não deveria acontecer em um único país.

Segundo: Lênin, assim como Pistrak, indicavam que a teoria revolucionária nada era sem a prática revolucionária, deixando claro que esta iria sistematizar a primeira, construindo aquilo que, no campo da educação, denominamos como “prática social”... Partimos e voltamos à ela cotidianamente.

Terceiro: a crítica do pensamento marxista, dentre outras, era apontar a necessidade histórica de enfrentar o projeto histórico de mundo e de sociedade que fazia (faz) do homem e da mulher (classe trabalhadora) um ser passível às relações de força e de poder que os levavam (e levam) a acreditar que suas condições de pobreza, de miséria, muitas vezes de escravidão e servidão era uma determinação divina. E é por trás desta “determinação” que poderosos e exploradores se camuflam de forma quase abençoada.

Seguir-se-iam quarto, quinto, sexto e tantos quantos pontos necessários à mais justa e correta reflexão sobre não apenas os dois parágrafos aos quais Bento XVI refere-se superficialmente ao pensamento marxista, mas à prática de nossa mídia, que, mais uma vez, em nada contribui a formação da opinião de nosso povo; que mais uma vez abstém-se da realidade e da prática social como critério de verdade.

Já fiz, neste espaço, convites para um lado da trincheira, o da luta da memória contra o esquecimento, do homem (e da mulher) contra o poder, como com rara sensibilidade nos lembra Eduardo Galeano. E o convite se mantém: em defesa da liberdade... sejamos revolucionários!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

P.S.: Lembrem-se... as palavras aqui são poucas, mas defendem um ponto de vista. Usando-as, lembre-se de citar-me.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Dânia

Dânia era bela segundo o olhar sobre-humano: nas perenes manhãs de felicidade, bastava pensar que era rotina que a cumpria alegre no início, entediada no meio e cansada no fim. Quando desejava alguém, eram rostos diferentes que a ocupavam, pois nunca sabia ao certo os traços de uma noite só, de duas... Por isso exigia poder fixar seus olhos sob as feições sempre, beijando de olhos abertos, se podando. Mentira. O que ela queria era sempre mais dos suspiros, que jamais dava, apenas esperava, maravilhada, esperançosa.
Do que não queria, lembrava até das traições estampadas, porque as rugas ficam com os erros, ela pensava, e quem erra demais envelhece acelerado. O ingênuo era quem estava sempre novo, recuperado a cada choro de vítima, sem melancolias. Mas Dânia era doce e amargurada, um pouco insossa no finzinho, e a cada espirro de lágrima era pelo mesmo motivo: a paixão deslavada. Mas na boca ficava um gostinho bom, continuado.
Odiando a maneira como os lanterninhas levantavam ao fim do filme para abrir as cortinas, anunciando que o final chegara, cria que da mesma forma se davam os relacionamentos: uma contradição percebida, e já é hora (mesmo acabando na hora certa ou não. Pensa que poderia ter acabado antes, se poupado daquela cena, meio desnecessária, e colocado outra bonita. As vezes acha que acabou no momento exato, meio que previsível, ou perfeito.) Aceita, crispada de dor, mas como sempre, comedida até na sem-graceza.
Essa paixão pela respiração alta sempre traz a ilusão. Dânia enclausura-se num pensamento de derrota e, se quer chorar, chore agora. E Dânia nunca chora quando a dor é demais. Não sei por quê. E acorda, com o mesmo rosto não muito bem delineado em sua memória, mas o suficiente claro para mal humorá-la; quando a pobre dorme, é claro. Demora-se insone, frente a um perfume que a comicha toda, e a textura de um cabelo mal lavado, mas tão negro, ou não. Era o que tinha do pouco que perdia. E, Dânia o vendo, agora claro, pois à sua frente alguém está a fingir que nunca a desejara - ou que sincera o que enfim, acabou, me desculpe - Dânia se sente quase feliz, quase triste... Se sente Dânia.
Maria Clara Dunck. Copyright da Autora. Todos os direitos reservados.

domingo, 25 de novembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Happy Xmas..

“A very merry Xmas/and a happy new year/

Let’s hope it’s a good one,/Without any fear”

(John Lennon & Yoko Ono)

Já começou e faz algumas semanas...

Os “shopping’s” (populares ou chiquês) há tempos vem indicando suas promoções para mais uma fase de intenso consumo, a velha adjetivação: “consumo natalino”... Quem diria que a festa católica prioritária do mundo anglo-saxão pudesse transformar o “nascimento do s(S)alvador” na mais infinita e profunda relação de homem-coisa, homem-consumista já imaginável.

Telejornais, semanários, o próprio programa dominical mencionado neste blog em minhas insensatas viagens, além, é claro, dos espaços comerciais que (pode prestar atenção) sempre faz nossos aparelhos de TV aumentarem SOZINHOS o volume, as ofertas, promoções, formas de pagamento “para 2008” etc. abundam nossos lares.

Cantigas de atores e atrizes (focando sempre os mais famosos, bonitos e formadores de opinião), comerciais-musicais com nossos cantores/as e favoritos/as ou em evidência, com músicas que tocam nossos corações também ocupam, fácil, fácil, 50% destes espaços.

Mais angustiante é a sensação de que quem acaba definindo o que “queremos” comprar e adquirir para nossas vidas não é a gente e, sim, a grande propaganda de bens e serviços. Aliás, o documentário “The Corporation” aborda isso com uma profundidade espetacular.

Ou seja, parece-me que qualquer crítica ao “tempo de ser feliz”, “tempo de amar” e, claro, “tempo de dar presentes” que os festejos de Natal e Final de Ano serviriam, apenas, para pequenas reflexões, pois a grande maioria de nós, caros leitores e não-leitores, sempre planeja algo para o Natal e o Ano Novo e, neste planejamento, as nossas listas de compra de presentes fazem parte. Então, por mais que sejam coerentes, fundamentadas e verdadeiras as minhas ou nossas reflexões, críticas, preocupações etc., viveremos esse momento por nós, por nossas famílias, por nossos amigos... E eu até acho que é bom, pois também podemos (e precisamos) resignificar este momento.

Há alguns anos eu aprendi uma pequena, mas importante lição e que vem me guiando há tempos nestas e outras épocas tendenciosamente consumistas – Natal, Dia das Mães e dos Pais, Namorados etc.: que possamos fazer de nosso(s) presente(s) de “Feliz Seja-lá-o-que-for” algo que supere a sensação de consumo que os valores capitalistas nos impõe cotidianamente.

A lição: sempre que presenteamos alguém, o fazemos como forma de dizer o quão importante esse alguém é em nossas vidas, o quanto significam e, também, o que essa pessoa, sua história, suas palavras, as alegrias e tristezas significam, qual o papel disso tudo em nossas vidas, quais marcas e palavras deixam, quais cicatrizes nos impõe e/ou até mesmo curam. E fazemos disso uma relação recíproca. Algo do tipo: “por sua história, por seus valores, por sua vida e pelo que tudo isso significa em minha vida, te presenteio...”.

Imaginem, caros amigos, vocês não apenas fazerem uma lista de pessoas que irão presentear, mas, e principalmente, o que irão presentear!

Que este Natal que se aproxima possamos nos desafiar a encontrar um elo concreto, verdadeiro, histórico em nossas relações e que nossos presentes possam, sem medo de chavões (e as críticas), ter sentido e significado.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

E não se esqueçam... pode ser que esses artigos ajudem em meu humilde currículo. Se for citar algumas das viagens que faço por aqui, me cite também, ok? E boas compras.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Síndrome do Fantástico... para além da pipoca...

“Nosso medo mais profundo não é sermos incapazes. Nosso medo mais profundo é termos poder demais. É a nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta...”

(do filme “Coach Carter”)

Busquei neste belo filme, em que Samuel L. Jackson interpreta um técnico de basquete de uma escola (acho que pública) americana, as minhas reflexões desta semana. Com toda a conhecida e repetida performance e produção hollywoodiana, os valores subscritos e explícitos nos vários diálogos dos jovens alunos-atletas de basquete daquela escola, nas cenas cortadas – mas que ficam no menu do dvd – nos critérios sobre o futuro de cada jovem ali personalizado, a pergunta que me instiga, e que é repetida por duas vezes durante o filme, é: “qual o seu maior medo?”. Essa pergunta era feita (por que será?) ao jovem de origem hispânica, de sobrenome Cruz.

O que me chamava a atenção neste filme e, em especial, nesta personagem, é justamente o desafio. Algo na linha – como já escrito em outra oportunidade neste espaço – do “mudar dói, mas não mudar dói muito”. Neste momento, minha reflexão tenta ser mais desafiosa ainda.

O que nos move a mudar e/ou o que nos move a não mudar, a permanecer no mesmo lugar, no mesmo sentimento, no mesmo ponto de vista de mundo? Alguns diriam, com o forte incentivo moral de nossa mídia tupiniquim, que é a força de vontade de cada um, aquela que está “dentro” de nós. Diriam, como costumamos escutar enfaticamente nos mais diversos programas matinais, dominicais etc’ais que, “se você tem um sonho, vá atrás dele”, “tens que ter força de vontade para conquistar seus sonhos, somente assim irá alcançá-los”, como se o mundo, a sociedade, as relações humanos fossem um grande oceano de oportunidades iguais para todos os 6 bilhões iguais neste mundo.

Outros diriam que está em nossa luz espiritual, bem no estilo “nasceu iluminado”. Para mais além, diriam (e dizem, principalmente, os “exemplos” de vencedores globais”) que “Deus foi bom comigo”, o que nos levaria a arriscada conclusão de que Deus pode não ser tão bom com outros – isso me lembra o sub-comandante Marcos, do EZLN, mas já é história para outro domingo.

Bom, meus ímpares parceiros de viagens do Arcamundo. Eu acho que o trecho em epígrafe traduz bem aquilo que não apenas acredito, mas que paciente e historicamente procuro defender todos os dias de minha vida e existência: o poder que temos dentro da gente é o que nos move e/ou nos imobiliza. Mais ainda, é o poder coletivo que temos que nos fortalece ou nos imobiliza... coletivamente.

Certa vez, comentei neste espaço um treco do livro “A Mãe” de Máximo Gorki – foi no artigo “Síndrome do Fantástico... meu convite...” de 26 de agosto último – um fantástico escritor do período revolucionário da extinta URSS. Citei um trecho, uma passagem realmente bonita e profunda da personagem de nome Pavel (“(...) a nós, nada nos impede de sermos interiormente livres (...)”), e é naquela passagem que me inspiro quanto penso no “poder que temos dentro da gente” e o quão é importante não apenas conhecê-lo, mas conquistá-lo e, acima de tudo, colocá-lo à disposição da construção de um mundo não apenas melhor, mas completamente diferente deste que assistimos debaixo da sacada de nossas janelas... mas é apenas um ponto de vista.

Assistir um filme, vez ou outra, nos provoca isso: revermos nossos sonhos (não apenas os nossos sonhos individuais, mas aqueles com a qual acreditamos serem úteis e verdadeiros para a humanidade), revermos os caminhos percorridos para chegarmos o mais perto possível destes sonhos, termos a certeza de quem está ao nosso lado e quem está contra nós por esses sonhos... Mas, também, sonharmos sempre juntos, como “sonho que se sonha junto, vira realidade”.

Temos muito o que sonhar... ainda bem...

Vida Longa!

P.S.: e lembre-se: se algo do que escrevi por aqui puder ser honrosamente usado por ti, em seus caminhos e descaminhos, não esqueça de citar-me, ok?

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A imagem

Interessado, junto à caixa de ferramentas, fez a ele muito bem espairecer no meio da noite. Pesadelos a parte, o cheiro forte de tiner invadia um coração cansado através das fendas de seu nariz pontiagudo. Se ardia, só ele mesmo haveria de saber. Deixando-se levar pelo cheiro, que agora tomava todo o ar da cozinha, caiu sobre o chão, desconfortavelmente, uma perna sobre a outra. Depois de horas, a luz do sol incomodou seus olhos que demoradamente se abriram.
Acordou de súbito num lugar que não o era estranho: ainda no chão frio da cozinha. Bom dia, uma mulher sorriu, e ele olhou um olhar de ironia insossa, fazendo-a se irritar com a demora de sua resposta. Bom dia eu disse, sim, e bom dia eu ouvi, respondendo dessa vez rapidamente. Se a conheço me diga de onde, senão, se apresente. Não brinque comigo logo de manhã, homem, que muito bem sabe de meu mal-humor matutino. Se a conhecesse poderia tê-la entendido, mas nunca havia visto aquele rosto sereno e azul do sol que acabava de nascer. Por que está no chão? Acaso não tem onde dormir? Não me diga que novamente caiu e lamentou-se toda a noite da queda, sem que eu tivesse ouvido? Não sei porque estou no chão dessa cozinha e não lhe conheço. Como vim parar nessa casa? Já falei para não brincar assim comigo logo pela manhã, em que ainda me recupero dos variados pesadelos que sempre me acometem.
Mas ele não estava brincando. Usando da mesma expressão de ironia que dirigia à estranha que se prostrava mais estranha ainda com aquela cara confusa, olhou todo o cômodo buscando algo nas paredes ou na memória, que lhe explicasse o porquê daquilo tudo. Além da sensação incômoda do frio, lembrou-se somente do cheiro de orégano. Levantou-se, olhou apenas para suas passadas, e chegando ao corredor, analisava cada detalhe da casa como se o lar que habitava há vinte anos fosse um lugar totalmente desconhecido, uma casa envelhecida por qualquer coisa que faz com que as coisas envelhecem e uma atmosfera tão árida quanto o gosto que sentia na boca.
Nada que existia naquela casa ele sabia de cor e um só suspiro que dava era uma sensação nova. Tocou seus próprios cabelos e estabeleceu com sua voz uma cumplicidade. Um música ressonava a cada palavra e ele queria ouvir mais. Disse como é belo poder nomear as coisas, não é? Ela simplesmente não sabia dizer nada. Acompanhava com os olhos cada um dos movimentos de seu marido, estupefata, aguardando que ele acordasse daquela injustiça, daquela perda de tempo, safadeza. Eu trabalho muito para ver você nossos filhos felizes, e você me chama de mulher, nos momentos bons, eu gosto.
Mulher.... repetiu dezenas de vezes. Pena não ser a minha, pensou. E ela já estava esquentando o leite, barriga e braços no fogão. É minha mulher? Por que pergunta isso? Sou sua mulher. E tenho filhos? Tem três lindos filhos que agora dormem, esperando que você vá trabalhar e os deixe em paz. Por que não me lembro de nada disso, mulher? Eu não sei, está a fazer piadas hoje. Gostam de mim? Já gostaram. E por que não gostam mais? Está estranho hoje, homem. Eu sei.
Encontrou um quarto, uma cama e deitou-se. Olhou para o despertador, percebendo ser aquela uma boa hora para morrer. Boa noite, luz do sol, boa hora para morrer. Antes de dormir novamente, escreveu num papel um verso. Um verso de que se lembrava: é um meta-poema a imagem incauta do meu peito... E dormiu, sereno.
Acorde, meu bem, está atrasado. E chega de brincadeiras pela manhã, me assustam. Bom dia, mulher. Sonhei com tintas essa noite...
Maria Clara Dunck
Copyright da Autora. Todos os direitos reservados.

domingo, 11 de novembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Olhos negros...

No início de 1999, estava assistindo a uma aula de Introdução de Fundamentos Psicológicos da Educação, uma disciplina de primeiro semestre de meu curso de Mestrado em Educação, na Universidade Federal de Pernambuco. Aliás, no tempo certo farei menção à minha dissertação e esse período de mestrado.

Lembro-me que era uma disciplina muito polêmica, mas não no sentido da reflexão e do debate profundo, mas no sentido da proposta metodológica da própria disciplina.

Naquela minha turma de mestrado, havia uma colega que tinha olhos lindos, negros e que me lembravam uma pessoa de longe, uma pessoa que mexia com meus distantes e profundos sentimentos – aliás, é preciso destacar que com essa colega não houve absolutamente nada, nem em sentimento.

Era um período em que a Universidade viva um pesado e violento período de sucateamento público, em que os blá-blá-blá’s do pensamento pós-moderno, do fim do mundo do trabalho etc. começava a ganhar força nos cursos de pós-graduação e era cada vez mais difícil estabelecer reflexões produtivas que tratassem da realidade concreta, da prática como critério de verdade.

Pois então... naquela aula, eu estava próximo à janela e lembro-me que chovia... Ficava a escutar as reflexões daquela disciplina e caí na real: nada daquilo, naquele momento, me fazia qualquer sentido ou significado. Essa colega estava sentada no outro lado da sala e, já que não conseguia ser produtivo intelectualmente naquele momento (ou seja, eu reconhecia meu limite acadêmico naquele momento – restaria saber se o professor se daria à mesma auto-crítica), virei a página de meu caderno e escrevi um pequeno verso irregular, com algumas frases para que, pelo menos por alguns minutos, aquela manhã me fizesse sentido.

Ao chegar em casa, pus novamente o velho companheiro de guerra no colo e dei mais vida aqueles pequenos versos irregulares. A primeira pessoa que presentei foi aquela colega de olhos negros e, na primeira oportunidade, cantei à aquela pessoa que longe morava. Transformou-se em mais uma de minhas melodias preferidas.

Apresento “Olhos Negros”:

“A ponte não te liga ao que acontece embaixo dela / O que você faz a respeito? / O quadro negro prende ou liberta suas idéias? / O que você pensa a respeito? / À minha frente, olhos negros, belos negros, parecem fitar-me. / E a chuva lá fora não mata a sede, / não molha o rosto de todos.

Aprendi com a minha voz a não acreditar no silêncio. / O que você diz à respeito? / Se são seus livros os que falam suas palavras, / o que falam a respeito de você? / A distância me parece tão pequena quando penso em seus braços. / Mas eu vejo tantas mãos, / palmas p’ra cima, estendendo-se a nós. / O que nós fazemos?

Liberta minha alegria não-liberta. / Não quero mais brincar de escravos-de-jó. / Liberta o meu jogo de esconde, / minhas palavras, minha arte de voar. / Liberta as palavras das palavras não-libertas. / Quero fazê-las voar. / Não quero ser ou me fazer Mártir da esperança / dos pequenos, nos palhaços. / Quero, como o bêbado, fazê-la girar.

‘Olha a cana! Olha o sal! Olha o corpo! / Quem vai querer comprar?

Olha a farinha! Olha o carvão! Olha o corpo! Só para o seu prazer de poder!’

Olhe para os meus pés descalços, / minha casa de jornal molhou-se com a chuva. / Não importa a cor dos seus negros olhos. / O que nós faremos à respeito?”

Marcelo “Russo” Ferreira

PS.: Essa canção tem registro da letra e tem melodia própria. Em citando-a, lembre-se da história destas letras amontoadas, melodicamente amontoadas... são, como as demais já apresentadas aqui, parte de minha história.

domingo, 4 de novembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... O racismo II...

“Socialismo ou Barbárie!”
(Rosa Luxemburgo)

Há cerca de duas semanas fiz um comentário sobre a publicação de um pseudo cientista (e seu não-pseudo Prêmio Nobel por sua descoberta da seqüência genética), quando o mesmo afirmava publicamente que os “brancos” eram mais inteligentes que os “negros”... Dentre outras angústias, me preocupava o caminho que, cada vez mais, leva a humanidade ao “caminho sem volta” – ou o que preconizou Rosa Luxemburgo, na epígrafe acima. A manifestação em questão leva a humanidade ao risco de legitimar frases do tipo “o Brasil não é o Piauí”...
Durante aqueles dias, reitero, a mídia se comportou do tamanho de sua sinceridade, do tamanho de sua imparcialidade: muito pequena!
Naquela oportunidade, recordava um belíssimo texto assinado pelo Subcomandante Marcos ante a uma possível “descoberta” da direita oportunista (bem ao nível das descobertas racistas do Nobel Watson) de que existia, no meio dos revolucionários zapatistas, um “maricas revolucionário”.
Reproduzo, abaixo, o texto gentilmente cedido por Décio Mello e Regina Garbelline da Editora A Tribo. Reproduzo para contribuir com seu eco...

"Em abril de 1994, o São Francisco Chronicle referiu-se ao subcomandante Marcos, voz dos zapatistas revolucionários em Chiapas, México, dizendo que tinha trabalhado num restaurante de São Francisco, mas que havia sido despedido por ser gay. A imprensa governamental do México lançou-se no ar: Um maricas revolucionário! Os Zapatistas responderam com o seguinte comunicado: Marcos é um gay em São Francisco, um negro na África do Sul, um asiático na Europa, m chicano em San Isidro, um anarquista na Espanha, um palestino em Israel, um índio maia nas ruas de San Cristóbal, um judeu na Alemanha, um insurrecto no Ministério da Defesa, um comunista no pé da Guerra Fria, um artista sem galeria nem portfólios, um pacifista na Bósnia, uma dona de casa só num sábado à noite em qualquer bairro do México, um repórter escrevendo histórias que enchem as páginas negras, uma mulher solteira às dez da noite, um camponês sem terra, um trabalhador desempregado, um estudante fracassado, um dissidente no meio da economia de livre-mercado, um escritor sem livros nem leitores, e, sobretudo, um zapatista nas montanhas do sudeste do México. Assim é Marcos, tão humano como qualquer outro neste mundo. Marcos é todas as pessoas exploradas, marginalizadas, as minorias oprimidas, resistindo e dizendo ‘Basta!’ – El Despertar Mexicano”

Que este belo texto, este magnífico comunicado dos revolucionários zapatistas, mesmo para aqueles e aquelas que silenciam-se ante à ditadura não mais simbólica do hemisfério norte (sobretudo os EUA) e ironizam os movimentos pré-revolucionários dos estados soberanos, sobretudo os latino-americanos, possa ressoar em seus corações e valores... Ou, no mínimo, os façam perguntar: “porque nossa mídia foi tão medíocre neste assustador silêncio racista?”.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: reitero que o texto em itálico foi subtraído do Livro A Tribo (uma agenda-livro produzida pela Editora A Tribo). Sobre as demais palavras, lembre-se de mim se for reproduzi-las...

domingo, 28 de outubro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Mudança...

“As idéias podem viajar, mas não a bordo de tanques”

(Eric Hobsbawm)

Vire e mexe, nós nos vemos, quer no trabalho, quer em casa, em períodos de mudança. Mudamos desde o endereço de casa e/ou do trabalho até as coisas de lugar dentro destes espaços. Tanto em uma mudança grande como em uma mudança pequena (aquelas que, na verdade, são apenas pequenas arrumações), sempre nos vemos no meio de coisas que tem imensas e até intensas histórias:

As fotos: do pai com bigode, da mãe com uma flor no cabelo, da vó tocando piano e da família, dos aniversários, da cachorra lambendo nossos amigos, dos nossos amigos, algumas namoradas e as quase esposas (não ao mesmo tempo, claro), das viagens e das pessoas que conhecemos nestas viagens, do trabalho que fazia com a comunidade durante o período de Formação Superior, dos amigos da Universidade e do Mestrado, das várias atividades com o MST (Estágios de Vivência, Encontro dos Sem Terrinha, coleta de dados do mestrado), dos Congressos, Seminários, Conferências e Encontros de toda ordem (e seus crachás ainda guardados), dos amigos de todos os nossos trabalhos, área e temas, das muitas paisagens...

As cartas: amigos e amigas de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí, Pará, Paraíba, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Ceará, Rondônia, Espírito Santo, Maranhão. Da biza, quando eu era bem pequeno (e escrevi minha primeira carta)... Cartas e cartas que, com o tempo, por motivos que nem sabe-se se vale a pena pontuar, ficaram, não foram respondidas e, se o foram, não foram re-respondidas...

Os Textos: de estudos, de místicas, poemas, poesias, pequenas histórias, textos importantes para a nossa formação, textos que até foram fundamentais para a definição de não apenas qual caminho tomar, mas o porquê de tomar este caminho e as possíveis armadilhas e desafios destes caminhos...

Os livros: uma centena e tanto de livros que também nos dizem e dizem-nos a quem queira ou não interessar: Marx, Trotsky, Lênin, Rosa Luxemburgo, Miguel Arroyo, Carlos Von Sohsten (opa! Esse é meu primo), Maria Cecília Minayo, Severino, Engels, Leandro Konder, Dostoiévsky, Paulo Freire, Elio Gaspari, Garcia Marques, John Reed, Frei Beto, Francisco de Assis, Patativa do Assaré, Bertold Brecht, Nikolai Ostrovsky, Ferrez, Drauzio Varella, Saramago, Pistrak, Michael Löwy, Máximo Gorki, Huizinga, Máuri de Carvalho, Noam Chomsky, Ricardo Antunes, Gilles, Pernault, Michael Moore, Manoel Correa de Andrade, Roseli Caldart, João Pedro Stédille, Ademar Bogo, Kosik, Chaptulin, Tânia Bacelar, Tiago de Mello, Anna Seghers, James Hunter e outra centena de autores... inclusive eu...

E, em todas essas fotos, cartas, textos, livros mais os CD’s, os objetos pessoais, os quadros e painéis, os crachás, algumas camisas (beeeeeeem velhas mas ainda em condições de uso), tudo isso diz respeito aos caminhos percorridos, às viagens realizadas, as mudanças necessárias. Tudo isso, para todos nós, diz respeito de nossas idéias, diz respeito do que acreditamos, pelo que e por quem lutamos, contra o que e contra quem lutamos... Todos nós...

Em um tempo em que, cada vez mais, observamos as idéias de uma democracia deturpada serem divulgadas e manipuladas por tanques ou pela imprensa, me vejo em um domingo de arrumação da casa, de arranhar o violão, de lavar a roupa, de dar comida aos cachorros, de limpar o cantinho da nova ninhada da Janis Joplin (minha cachorrinha) e de estudar mais um pouco... E, como se fosse uma surpresa, cá estão as imagens, os sons e as letradas palavras que me acompanham, por vezes me ensinando, por vezes me aprendendo a difícil e necessária escola dos lutadores do povo...

E você? Com quem aprendes e a quem apreendes?

Vida longa...

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: as fotos não aparecem aqui, nem os textos e as cartas. Os livros se encontram por aí... Mas, em usando a parte pequenas das minhas idéias aqui escritas, não deixe de citar-me, ok?

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... O racismo (parte I)...


“ ’Parece negro', o 'parece indio’, son insultos frecuentes en América Latina; y ‘parece blanco’ es un frecuente homenaje. La mezcla con sangre negra o india ‘atrasa la raza’; la mezcla con sangre blanca ‘mejora la espécie’. La llamada democracia racial se reduce, en los hechos, a una pirámide social: la cúspide es blanca, o se cree blanca: y la base tiene color oscuro”.

(Eduardo Galeano)

Esta semana fomos surpreendidos com uma notícia incrível: o Nobel de 1962, James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA afirma em entrevista ao londrino Sunday Times, que “somos (quem, cara pálida?) pessimistas sobre o futuro da África porque todas as políticas sociais do Ocidente são baseadas no fato de que a inteligência deles seja igual à nossa, embora todos os testes digam o contrário. Pessoas que já tiveram de tratar com um empregado negro sabem que não é verdade!. (Carta Capital – nº 467; pg 21). Além desta com a qual consultei esta passagem, outros meios de comunicação também noticiaram a estrondosa descoberta científica de Mister Watson.

Porém, por mais que tenhamos testemunhado uma série de semanários comentando a estapafúrdia impressão genética deste pesquisador, tomou a direção de minhas reflexões um chavão que a tempos circula entre acadêmicos, professores, gestores públicos, educadores de todas as linhas: devemos respeitar as diferenças.

Em princípio, uma frase que nos remete a uma relação de respeito entre as pessoas, não importando a crença, a cor, a religião, os conceitos que defende, a deficiência etc. Neste caso, este chavão apenas reitera que as diferenças, inclusive as econômicas e sociais, devem ser mantidas; não importa se ele é pobre, devemos respeitá-lo... Algo parecido com os sorrisos distribuídos ao “Precinho do Carrefour” e o vidro do carro fechado para aquele “Andarilho”.

A manifestação, portanto, de um geneticista, Prêmio Nobel, com tão pouca cobertura da imprensa, no meu ponto de vista, provoca um efeito cascata perigoso: a ciência legitima o holocausto moderno, este, do século XXI.

Para além das belas e mágicas palavras de Eduardo Galeano acima descritas, lembro-me parcialmente de uma resposta do Sub-comandante Marcos a um repórter que, ao descobrir que entre seus milicianos guerrilheiros existia um homossexual (pode um guerrilheiros maricas????) e o grande líder zapatista respondia que o “maricas zapatista” era, também, um judeu no holocausto, um negro em navios negreiros com destino ao Mundo Novo, era um muçulmano nas ruas de Nova York, era uma mulher nas fileiras militares americanas, era um analfabeto dentro de um teatro e assim seguia.

Cabe a nós, pobres e tolos mortais, nunca nos esquecermos que a nossa luta contra o poder (expresso também em todas as formas de preconceito e racismo) é a luta de nossa memória de classe contra o esquecimento, parafraseando o mesmo Galeano.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

PS.: Em encontrando o magnífico texto do Sub-comandante Marcos, reproduzirei neste espaço (por isso o “parte I” no título). E lembrem-se: estou colocando um ponto de vista sobre o racismo que, acredito, contribua com o debate. Lembre-se de mim caso venha reproduzir essas linhas.

domingo, 14 de outubro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Desacostumado...

Em 2002, exatamente no dia 14 de fevereiro (aniversário de nascimento da companheira de Lênin, a educadora Nadezhda Konstantinovna Krupskaia), eu estava em minha defesa de dissertação, cujo título era “O Lúdico-revolucionário no MST: a prática pedagógica do Encontro dos Sem Terrinha”. Como todos os que vivem e/ou viveram esse parto de fechar uma monografia, uma dissertação ou uma tese, por mais organizado que estejam, é sempre nos meses que antecedem a defesa que as noites viram dias, os dias continuam dias e as horas passam rápidas e lentas, não necessariamente nesta ordem.

Durante os dois meses que antecederam minha defesa, estabeleci duas estratégias no quarto do apartamento em que morava (e que servia de escritório): a primeira, tinha a ver com meu rendimento intelectual que sempre foi à noite e, por isso, coloquei mantas densas nas janelas para que a sensação noturna fosse, a cada dia, se estabelecendo. A segundo foi deixar o violão bem ao lado, no pedestal.

Enquanto organizava a dissertação, seus capítulos, descrição metodológica, idas e vindas entre os capítulos, aquele parágrafo que demorou um dia para sair, novas consultas bibliográficas, retomar anotações de diário de campo, e-mail’s e mais e-mail’s com a orientadora etc., vez por outra botava tranqüilamente o violão no colo e começava a dedilhar pequenas melodias, novas ou já conhecidas por mim.

Eis que, numa manhã de uma longa e produtiva noite de trabalho, resolvo dar fruição aos pequenos dedilhados que deslizavam por aquelas seis cordas, já havia alguns dias. Saiu uma leve melodia, bem para violão mesmo, um pouco até fora de meu estilo que sempre busca batidas melódicas mais progressivas.

Toquei-a em público uma vez... há algum tempo não a toco e hoje fiquei buscando as notas. Encontrei-as parcialmente, mas lembrei com alegria o momento em que a compus.

Apresento “Desacostumado”:

Ando tão acostumado com a vida./ Desacostumado de não caminhar em frente, sem olhar p’ra trás./ Sem parar p’ra beber um copo d’água, cristalina./ Ando tão acostumado com a melodia que agora vou tocar/ que talvez nem fosse preciso cantar,/ só um zin-ze-za-du-iê-na-iê p’ra você,/ sempre acostumada a ouvir minhas canções ao pé de ouvido, debaixo da sacada do seu coração./ Em que pese minha nota desafiada.

Ando tão mal acostumado/ a ter idéias difusas, saudavelmente viajadas./ Um mundo sem perdedores, amores sem desamores/ e o anti-herói com anti-poderes/ que só consegue ver na Lua sua super-visão./ Imagens sem ilusão, / infinito e concreto pensamento/ abstrato quando meus dedos tocam você./ Minha viagem desafiada.

Não vale a pena eu me perder neste caminho./ Eu descaminho./ Não vale a pena eu perder este caminho.

Ando tão mal desacostumado/ a bem querer o que é longinquamente perto de minhas mãos./ Um abraço mais profundo,/ um sorriso intransponível, apaixonado./ Se penso em você, esqueço o seu nome/ e passo a imaginar nossos odores em contato./ Um beijo pelo tato,/ não existe nada mais desafiado.

Não vale a pena eu me perder neste caminho./ Eu descaminho./ Não vale a pena eu perder este caminho

Marcelo "Russo" Ferreira

PS.: Essa canção tem registro da letra e tem melodia própria. Mas, se alguém se arriscar de “reescrever” sua melodia, lembre-se da história destas letras amontoadas, melodicamente amontoadas... são de minha história.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Visão (Parte I)

''...o essencial é invisível aos olhos'' (Saint-Exupèry)








Perder a visão...Deve ser doloroso perder a visão. Sempre tive muito medo de duas coisas: perder a visão e perder a razão. Outro dia, na verdade há dois anos atrás, precisei fazer uma cirurgia nos olhos. Fiquei uma semana sem ver. Talvez tenha sido uma das melhores experiências da minha vida. Enxerguei coisas que antes não via.
Viver na escuridão fez-me valorizar os sons e as texturas como jamais ousara tentar. Passava os dias escutando cada ruído em torno de mim, conseqüentemente experimentei viver imersa no tempo presente. No tempo daqueles sons que me envolviam.
Aprendi onde é minha boca, senti a textura e o cheiro da minha própria pele. É verdade, eu jamais havia parado para saber como sou, que cheiro exalo, qual o sentido do toque em meus braços e pernas e joelhos e pés. De repente passei a buscar mais informações táteis a meu respeito. Vi com a ponta dos dedos meus próprios dedos, minhas mãos.
Não só minhas mãos, mas as mãos que me auxiliaram naquele período: o apoio, o carinho, a atenção e a segurança de que necessitava naquele instante, naquelas mãos. Aprendi, timidamente, a importância de confiar nas mãos que estão ao lado. Aprendi a aceitar o guia, ainda que hesitante e insegura. Notei que a entrega às vezes é necessária, e tinha de estar preparada para depositar em outras mãos, mesmo que brevemente, meu destino doce ou ocre.
Senti o cheiro forte do café pela manhã, passei a acordar com ele. Notava o cheiro ligeiramente morno dos dias ensolarados. Percebia o passar das horas pela temperatura, pela brisa. E o odor do mato seco, que invadia minha janela naquele setembro, teve outro senso.
...Percebi que passara a enxergar mais que antes. Naquele curto período de tempo em que estive confinada à escuridão, libertei-me. Alcei vôos incríveis por espaços desconhecidos. Vi além, vi por trás das cascas das árvores, por debaixo da pele dos bichos. Tateei a minha própria alma, abracei a alma humana e senti na ponta dos dedos e em cada milímetro de minha pele os espinhos e a rosa - sem um não há o outro.
Maria Cláudia Cabral
Respeite os direitos autorais. Se for citar, dê créditos à autora.




domingo, 7 de outubro de 2007

Síndrome do Fantástico... Hiram de Lima Pereira


"Temos orgulho de sermos filhas e esposa de Hiram Pereira"”

(Carta Aberta de Célia Pereira ao Cônsul da Venezuela – meados de 1960)


Essa semana, pela minha organização inaugurada mês passado, eu estaria apresentando mais uma de minhas pequenas viagens entre o papel e o violão. Mas, por conta da data, tive que abrir uma exceção, afinal, há 94 anos atrás, em 03 de outubro de 1913, nascia Hiram de Lima Pereira, na cidade de Caicó, no sertão do Seridó, Rio Grande do Norte.

O Velho Hiram foi dirigente e Deputado Estadual pelo Partido Comunista no RN – uma das maiores votações da legenda na época – redator do Jornal do Povo (órgão da imprensa oficial do partido), vogal numa das Juntas de Conciliação da Justiça do Trabalho sediada na capital pernambucana (depois de ter-se mudado para Recife em 1949), engajou-se ativamente na construção da Frente do Recife, que conquistou a prefeitura em 1955 com o engenheiro Pelópidas Silveira, cujo sucessor foi Miguel Arraes, eleito prefeito da capital em 1959 e governador em 1962. Hiram foi secretário municipal de Administração por três mandatos consecutivos. Somam-se as suas atividades políticas as atividades teatrais junto ao Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (onde atuavam também minhas tias, mainha e painho) e no Teatro Popular do Nordeste, encenando “A Pena e a Lei” do bom e velho Ariano Suassuna.

Foi clandestino durante a ditadura militar que se instalou neste país (e que, sob alguns meios produtivos, como a mídia, ainda permanecem), usando o nome de guerra de José Vanildo de Almeida, um parente falecido. Tombou na luta (e em luta) em 1975, quando foi capturado e morto pelo DOI-CODI de São Paulo, na Rua Tutóia – onde me apresentei para exame médico quando do meu alistamento militar, 12 anos depois. Minha vó (que já não toca piano por essas bandas, mas já está fazendo cafuné no “velho”), meu pai, minhas tias foram presos neste período. Lembro-me um dia em que mainha, já tendo buscado eu e minha irmã (pequenos) na escola, foi reencontrá-lo na Padaria perto de casa, feliz da vida, enquanto eu não entendia o que havia ocorrido.

Minha memória me remete a apenas uma cena com o Velho, numa brincadeira “Serra, serra! Serrador! Serra a barba do vovô” em um final de noite, chego a apostar que era um domingo. Diz a lenda (quem citava isso era Paulo Cavalcante em “O causo, eu conto como o causo foi” e que com ele se engajou na Frente do Recife), que foi ele quem batizou minha irmã, fantasiado de “padre defensor das idéias da TFP” e ninguém desconfiou, só os mais próximos e atentos as peripécias teatrais dele. E foi só desconfiança...

Mas, o que mais me inspirou a escrever sobre ele – como se precisasse de alguma inspiração para este tema – foi um fato absolutamente inusitado, impossível de prever e que me aconteceu nesta última 6ª feira: estávamos, eu e meu amigo João Alberto, na IV Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária em Brasília, aguardando o show do Cordel do Fogo Encantado, um grupo de corda e percussão que veio de Arcoverde (PE) para o mundo, quando encontro com Cássia Damiani, colega de trabalho e seu amigo que eu acabara de conhecer. Chamava-se Sandro e era de Caicó e conhece a história de meu avô. Falava-me que existe uma Praça na cidade – Praça da Liberdade – e que foi rebatizada com o nome de um generalzinho latifundiário local. Sandro revelou-me que, ante à nova denominação dada à Praça da Liberdade, resolveu escrever uma carta à praça e que, no corpo do texto, defendeu que se fosse para ser rebatizá-la, deveria se chamar Praça Hiram de Lima Pereira. Nada mais coerente, haja visto o nome de meu avô ser sinônimo de Liberdade.

Da história do Velho, há a ONG Hiram de Lima Pereira, com sede em Natal... A mais recente publicação, lançada pelo Governo Federal sobre os arquivos secretos militares, praticamente reitera que se escreveu em “Brasil! Nunca Mais” e o “Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964”. Somam-se as várias cartas, fotos, artigos que minha Tia Sachenka me envia constantemente.

Não tive, portanto, a oportunidade histórica de conviver com ele, de aprender com ele, de aprofundar minha militância, minha prática política em defesa do projeto histórico socialista... Mas, mesmo assim, o acervo e a herança histórica, política, guerrilheira e popular que ele deixa (junto com tantos outros que ainda tombam nas trincheiras da luta da memória contra o esquecimento) são infinitas e, neste artigo, cabe-me apenas uma nova homenagem ao Velho...

Vida Longa a Hiram de Lima Pereira!

Vida Longa a Hiram LIBERDADE de Lima Pereira!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: Este artigo é uma homenagem a todos os lutadores e lutadoras do povo. Que, como disse-me recentemente uma companheira de luta, na folha de um livro, tombaram na luta e, por isso mesmo, devemos lutar. Os direitos autorais são da história de meu avô.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... Lutamos e cantamos...

“Marchar é mais do que andar

É mostrar com os pés o que dizem os sentimentos

Transformar a quietude em rebeldia

É traçar com os passos o roteiro

que nos leva à dignidade sem lamentos”

(Marchar e Vencer – Ademar Bogo)

Essa semana que passou, por conta das inúmeras atividades em torno das “comemorações” da Semana Nacional do Idoso (que culminou com o seu Dia Oficial – 1° de outubro), acompanhei um Seminário sobre o Idoso que aprofundava o tema deste ano: Envelhecer com dignidade.

Em uma das mesas que acompanhei, lá estavam 62 anos de militância: Clara Charf, viúva de Carlos Mariguela.

Nesta mesma semana, recebo pelo correio um presente de minha Tia Hânya: a partitura e a letra (em tcheco, alemão, francês e inglês) da “Marcha da Juventude Democrática”, de 1947. Algo que o www.google... não localiza, não encontra, não entende.

Nestas últimas semanas, sentei numa mesa de bar e pedi uma cerveja. Quatro jovens do Planalto Central – Plano Piloto (acho) estavam sentados em duas mesas ao lado. “O maior kaô”, “o cara era chapado, mano”, “a festa hoje é na Tenda”, “só...”, “então...”. mas também visitei um assentamento do MST na Paraíba, para acompanhar a formação de jovens agentes que trabalham em coletivos de esporte e lazer. Lá escutamos, sim, Kalipso... Mas também falamos de conjuntura, de educação, de Paulo Freire, de trabalho coletivo, de organização, de direito... jovens camponeses.

Hoje, escutei Arnaldo Jabor na CBN... “esses belcheviques ultrapassados, que vociferam o socialismo que já ruiu...”.

Essas semanas eu pensei nos hinos que aprendi e o quanto eles nos são importantes, o quanto eles são atuais, o quanto eles são verdadeiros.

“Em todos os lugares a juventude está cantando a canção da liberdade (...) Nós somos a juventude e o mundo clama por nossa canção da verdade” (Marcha da Juventude Democrática tcheca).

“Avante sem receio / Que em todos nós a Pátria confia / Marchamos com alegria, avante! Marchamos sem receio. / Aqui não há quem nos detenha / nem quem turve a nossa galhardia. / Quem nobre missão desempenha / Temer não pode a tirania, a tirania”. (Avante Camarada – Antonio Sarno – por ocasião da marcha da Coluna Prestes).

“Somos o povo dos ativos / Trabalhador forte e fecundo. / Pertence a Terra aos produtivos, / Ó parasitas, deixai o mundo!/ Ó parasita que te nutres / Do nosso sangue a gotejar, / Se nos faltarem os abutres / Não deixa o sol de fulgurar! / Bem unidos façamos, / Nesta luta final, / Uma terra sem amos / A Internacional!” (A Internacional).

“Vem, lutemos! / Punho erguido / Nossa força nos leva a edificar. / Nossa Pátria, Livre e Forte / construída pelo poder popular” (Hino do MST).

Vida Longa aos Lutadores do Povo!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: Os direitos autorais, neste texto, tem muito pouco de minha pessoa. Mas se o artigo de hoje contribuiu com sua história, citar-me é apenas um detalhe.

domingo, 23 de setembro de 2007

“Síndrome do Fantástico”... o dia mais feliz de mainha e painho...

“...Vejo um berço e nele eu me debruçar/

com o pranto a me correr/

E assim chorando, acalentar/

O filho que eu quero ter”

(Toquinho e Vinícius)

22 de setembro:

Em 1921, o poeta búlgaro Ivan Vasov, faleceu.

Em 1928, o cientista Alexander Fleming descobriu a penicilina...

Em 1960, Mali torna-se um país independente.

Mas a luta por um mundo verdadeiramente justo e igualitário “presenteou” a história com seus necessários exemplos:

Em 1897, o então estado brasileiro, depois de anos de frustradas tentativas, assassinou Antônio Conselheiro no Arraial de Canudos. E sua história e luta se transformou em exemplo e lição de resistência e compromisso com o povo oprimido do Nordeste deste País.

Em 1958, o comandante cubano Fidel Castro declarou o não à farsa eleitoral do então presidente Fugêncio Batista, dando novo início a vitoriosa revolução cubana, ao lado de Che Guevara.

Em 1969, o ex-presidente socialista mexicano Adolfo Lopes Mateos faleceu.

Em 1972, o então presidente do Chile Salvador Allende nacionalizou a multinacional ITT e, quase um ano depois, foi assassinado no golpe militar de 1973.

Por outro lado, alguns caminhos pareciam ser diferentes, mas continuam os mesmos, como quando em um 22 de setembro o então Presidente Abraham Lincoln proclamou a liberdade aos escravos dos Estados Confederados da América, ainda que os negros do hemisfério norte continuassem escravos.

Na música, foi em um 22 de setembro que nasceu o violinista Dilermano Reis (1916), o cantor Gonzaguinha (1945) e Andréa Bocelli (1958).

Em 2006, ainda com um longo e difícil caminho pela frente, foi assinada a Lei Maria da Penha, sob o número 11.340.

Em tempos de avanço da tecnologia e da informática, do mundo globalizado e conectado pela Internet, são 65 comunidades de “nascidos em 22 de setembro” no orkut (e deve ser parecido com os demais dias do ano).

Foi em um 22 de setembro que Iran e Iraque iniciaram a guerra entre os dois países, em 1980 (e todos sabemos quem os EUA apoiaram e financiaram).

Nos calendários espalhados pelo mundo, 22 de setembro é o dia da juventude brasileira, de defesa da fauna, do contador, do técnico agropecuário, dos amantes (e das amantes). É o dia internacional sem carro, mesmo com os mesmos congestionamentos mundo afora.

Muitos nasceram em 22 de setembro: minha irmã agregada Silvinha (ou fui eu quem foi agregado???) nasceu a dez anos. Tive (os tenho) amigos e “não amigos” que nasceram em 22 de setembro... Pessoas famosas e não, lutadores do povo ou não nasceram em 22 de setembro... conservadores, direitistas, racistas de um lado, lutadores, revolucionários, socialistas do outro...

Em 22 de setembro de 1984, minha querida prima Tita partiu (e minha Tia Sachenca relembra que teve que brigar no hospital para que ela pudesse levar sua filha)...

22 de setembro... em alguns eu tava namorando... outros eu tava sem namorada... alguns eu passei meio que em branco... outros (como o último, no dia de ontem) junto com amigos e companheiros, pessoas infinitamente importantes na minha vida...

Não existe, necessariamente, nenhuma magia particular nesta data... Foi, na minha opinião lúdica, o dia mais feliz de mainha e painho... Eu nasci e, desde então, 38 anos de caminhadas... caminhos tortuosos, caminhos felizes, caminhos difíceis, alguns firmes em meus princípios, alguns talvez contraditórios... mas venho caminhando.

Mais do que a data, pelos fatos históricos (e existem outros) aqui apresentados, trata-se de um dia de revigorar não apenas as forças pessoais, mas as forças particulares e universais. É um dia que compartilhamos e, perto ou longe, é um dia em que minha memória procura os lugares e as pessoas, as vitórias e as tristezas...

Esse é o 22 de setembro de mainha e painho.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

terça-feira, 18 de setembro de 2007

“Síndrome do Fantástico... a ciência...”

“(...) Que os trabalhos do homem são muitos, já ficaram ditos alguns e outros agora se acrescentam para ilustração geral, que as pessoas da cidade cuidam, em sua ignorância, que tudo é semear e colher, pois muito enganadas vivem se não aprenderem a dizer as palavras todas e a entender o que elas são, ceifar, carregar molhos, gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue, malhar o centeio, tapar palheiro, espalhar adubo, semear cereais, lavrar cortar, arrotear, cavar o milho, cavar as craveiras, podar, argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covatas ara estrume ou bacelo, abrir valas, enxertar as vinhas, tapar a enxertia, sulfatar, carregar as uvas, trabalhar nas adegas, trabalhar nas horas, cavar a terra para os legumes, varejar a azeitona, trabalhar nos lagares de azeite, tirar a cortiça, tosquiar o gado, trabalhar em poços, trabalhar em brocas e barrancos, chacotar a lenha, rechegar, enfornar, terrear, empoar e ensacar, o que aqui vai, santo Deus, de palavras, tão bonitas, tão de enriquecer os léxicos, bem-aventurados os que trabalham, e que faria então se nos puséssemos a explicar como se faz cada trabalho e em época, os instrumentos, os apeiros, e se é obra para homem ou para mulher e porquê” (SARAMAGO – Levantado do Chão).

Um prefácio longo, mas um belo prefácio... Fui durante minha viagem à Recife (na hora do Fantástico, mas com atraso, por isso perdi o dia da publicação deste texto) que, na busca por palavras que pudessem abrir este artigo “dominical de segunda-feira”, reencontrei-me com o escritor lusitano numa de suas obras mais belas – Levantado do Chão.
Minha viagem à Recife motivou este tema, a ciência, e por conta de duas atividades, similares em sua forma, divergentes em seu propósito: a primeira, um congresso científico no campo da educação física – minha área – com um programa que envolve mesas, conferência, apresentação de trabalhos orais e pôsteres abordando os mais variados temas, conteúdos, diferentes referenciais teórico-metodológicos, Projetos Históricos antagônicos, com o protagonismo de estudantes, professores e pesquisadores. A outra atividade, e paralela a esta, é uma ação de formação de educadores do campo – lideranças da juventude campesina, alguns, talvez, semi-letrados – também na área de educação física, com uma certa especificidade para a formação para e pelo lazer.
Duas atividades tendo como pano de fundo a formação, mas o objetivo das pessoas que protagonizarão cada uma destas duas atividades serão possivelmente diferentes e o serão pela natureza destas pessoas e pela natureza das atividades.
Mas essas duas ações de formação me fizeram lembrar de minhas idas e vindas na minha pós (mestrado) e em todas as atividades que participei no campo da formação, principalmente de militantes culturais, agentes comunitários, educadores populares. Eu, um pretenso Mestre, nunca saí destas formações sem ter aprendido e muito. E não falo de pequenas lições sobre a simplicidade, sobre a humildade, sobre a superação de situações difíceis. Falo de uma significativa quantidade de informações, que completaram-se direta ou indiretamente, mas que se transformaram em conhecimentos “patenteados”, constituindo uma boa tuia de “descobridores” na Universidade.
Assim, quanto mais perto de sua raiz nós, pesquisadores, conseguimos chegar do conhecimento – mesmo em sua assertiva mais complicada (“conhecimento é poder”) – este transforma-se sob formas variadas, em linguagens múltiplas, e, neste sentido, essa semana tenho a impressão de que vivenciarei momentos distintos de um mesmo objeto de educação. O conhecimento em sua forma mais próxima da radical (no sentido de raiz) e o conhecimento em sua forma mais rebuscada, patenteada, publicada e, algumas vezes (já testemunhada durante o dia de hoje), complexificada ao ponto de “quanto menos as pessoas entenderem, mas poderoso eu serei”...
Conhecimento... eis também um importante instrumento de luta... Os idosos lutam, os jovens lutam, as mulheres, os índios, os quilombolas, os ribeirinhas, os Andarilhos... e, como diria Makarenko (já o apresentei em outras oportunidades), as crianças. É no conhecimento que penso quando leio sua magistral passagem educacional:
“(...) eles vão à luta (...) é uma grande felicidade, quando se pode ir à luta por uma vida melhor”.

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira.

P.S.: E por falar em patente, não se esqueça! Se usares este, lembre-se de falar d’eu, ta?