quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Mostra SP de Cinema: Quinto Dia - Quando o Mundo se revela em dois filmes.

Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita

Hoje foi dia de ver um dos principais títulos que compõem a retrospectiva do Cinema Político Italiano promovida pela Mostra. Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita de Elio Petri nunca chegou comercialmente ao Brasil e por isso seu contato com o público tem sido mínimo. Muitos falavam do filme como sendo o melhor dentre os títulos e por isso, minha expectativa era enorme.
Elio Petri não chega a ter o domínio da linguagem cinematográfrica que tem um Damiani, um Bellochio ou mesmo os irmãos Taviani. Seu estilo rebuscado, com a câmera vertiginosa e nervosa, os atores sempre gritando uns para os outros, me pareceu em vários momentos, excessivo e desproposital. Não que o filme não tenha seus momentos memoráveis, quase todos eles, aliás, surgem quando entra em cena a bela Florinda Balkan, e Petri parece mais sereno diante daquela beleza radiante.
É um filme que abusa do sarcasmo e da ironia, para abordar uma estória de forte teor político. Uma comédia de erros, rasgada, abusada, mas sem tanto brilho como eu imaginava.
Eu que já havia visto o belo O Crocodilo, cinema político para além da simples denúncia, e que já tinha visto tantos filmes do genial Marco Bellochio (De Punhos Cerrados, Bom Dia, Noite, A China Esta Próxima), além do excelente Uma Bala para o General de Damiano Damiani, fico com aquele gosto de “quero mais” com o fim da sessão. Investigação é um filme que por mais importante que seja, não envelheceu tão bem. É uma obra que tem lá seus momentos, mas não chega a impressionar! Pena!

Cotação: * * *
Serras da Desordem

Como um filme pode mudar nossas vidas, nossa visão de mundo, invadir nossos pensamentos, nossas almas? Essas respostas foram-me todas respondidas após o fim da sessão do brasileiro Serras da Desordem, de Andréa Tonacci.
Tonacci era pra mim, um diretor desconhecido. Mesmo apesar de saber de sua importância para o cinema nacional, quando na década de 70, ele fazia um cinema bastante underground e por isso mesmo, nunca teve o hype de diretores da época que ganharam notoriedade como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor.
Fato é que ele chega depois de um hiato de quase 30 anos - tempo em que se dedicou a este projeto - com uma das mais bonitas e essenciais obras-primas dessa Mostra e talvez de toda a história do cinema brasileiro.
Serras da Desordem é, antes de qualquer coisa, um lamento a essa civilização decadente, de valores completamente deturpados e invertidos, de um mundo que, em nome do progresso, deixou de olhar a vida e tudo o que dela vem.
Não bastasse ser o filme-vida que é, Tonacci, como cineasta e estudioso da linguagem cinematográfica, vai ainda muito além do que havia feito, por exemplo, Eric Khoo em seu Fica Comigo, ao misturar ficção e realidade. Isso porque, ao recontar a saga do índio Carapiru, Tonacci vai reencenar certos trechos de sua vida (com o próprio Carapiru, aliás). Utilizando-se de imagens documentais - que vão de filmes da época como o seminal Iracema: Uma Transa Amazônica de Jorge Bodanski, até imagens de Telejornais, também da época - busca refazer os passos daquele homem que, separado de sua tribo após um ataque de grileiros, vagou durante meses pela selva e, encontrado por camponeses, com eles viveu por um bom tempo. Mesmo sem entender uma só palavra do que diziam, fez grandes amigos, pessoas que lhe amaram, lhe deram carinho e cuidado. Após uma denúncia, é trazido pela FUNAI para Brasília, e lá, frente ao choque com a civilização, Carapiru aos poucos irá perder a fé na vida, no seu Deus maior. Por ironia do acaso, quando chamado um tradutor para conversar com o velho índio, este que vem é ninguém menos que seu filho, separado dele há 16 anos por criminosos invasores que expulsaram e assassinaram centenas de índios nas florestas desse Brasil. Carapiru será levado de volta a sua tribo, e lá vai perceber que o veneno da civilização e do progresso terá atingido seu povo. Tudo o que ele vivera ou sonhara não passa agora de uma utopia. Carapiru então desiludido e triste se embrenhará no meio da floresta, e lá, travará seu primeiro contato com Andréa Tonacci, num final de uma beleza que faz jus a esse impressionante filme que é Serras da Desordem.
Assim, o filme irá nos confrontar com essa realidade torpe de uma sociedade que, na busca pelo ócio através do progresso tecnológico, criou um imenso vazio espiritual, um distanciamento abissal do homem com a natureza, uma quebra de valores tão caros a esse planeta doente e carente de lamentos, que gritem por socorro, por um chamado divino, para que um dia nos possa vir a salvação. Talvez, vendo obras como essa, possamos despertar em nós, o desejo da mudança, da reavaliação de nossas vidas, nossas prioridades, nossos anseios, nossa verdade, nossos valores, nossa condição humana.
Tudo o que eu disser sobre esse impressionante filme nacional - mas que carrega consigo um teor imensamente global, pois no registro do microcosmos, abrem-se as portas para o macro – pode soar pequeno, bobo. Mas é sem dúvida o filme brasileiro a ser descoberto. Um filme que o mundo todo deveria ver. Me lembrou de certa forma O Novo Mundo de Terrence Malick, por ser um lamento semelhante. Com a diferença que aqui, a ficção e a realidade são uma coisa só! E o impacto disso em nós é infinitamente maior!

Cotação: * * * * *


Still Life

Jia Zhang-Ke, que recebeu o prêmio de melhor filme na Mostra passada pelo primoroso O Mundo, é talvez o mais promissor e respeitado cineasta contemporâneo. Foi há alguns anos quando descobri o seu belo Plataforma num festival aqui em Goiânia, porém, que meu olhar se voltou com grande interesse pelos seus trabalhos. Portanto, a estréia de uma obra como essa, após sua consagração com o Leão de Ouro no Festival de Veneza, parecia o grande acontecimento desse Festival. Sessão completamente lotada, ansiedade pipocando. Entretanto, logo no começo da projeção, algo estranho. A cópia, que havia sido divulgada pela organização da Mostra como sendo em 35 mm, estava em digital, com formato da tela errado, deformando os corpos dos atores e as linhas que compunham o filme, as cores distorcidas sem contraste, o som também. Só 40 minutos depois de já iniciada a sessão a janela foi alterada (a pedido de algum entendido que ali estava), mas a cópia, visivelmente tosca, ainda nos deixava apreensivos, por não poder estar de fato, diante da obra que consagrou Jia em Veneza.
A partir daí, todos os críticos de cinema que lá estavam, foram unânimes em excluir Still Life da programação como “o filme que não passou na Mostra”. Afinal, uma obra de arte deve ser apreciada em sua plenitude, sem qualquer alteração que desvirtue todo o trabalho impecavelmente concebido pelo seu autor.
Diante disso, eu, com meu olhar não tão rigoroso, me deixo embarcar pelo cinema de Jia. E não é um cinema qualquer. É arte plena de pensar o mundo via imagens, por mais clichê e batido que isso possa parecer. Still Life, nos seus movimentos de câmera lentos e que parecem levitar, serenos e calmos, é um cinema de meditação, de um transe formal delirante, de uma delicadeza impressionante. Jia pinta aqui sua natureza morta, mas sua arte, na morte, encontra a beleza da vida, dos seus pequenos momentos registrados com rara intensidade.
Still Life conta duas histórias sobre busca, encenadas numa cidade prestes a ser inundada para dar lugar à mega-usina hidrelétrica de Três Gargantas na China. Na primeira delas, um homem está em busca de sua filha, que foi levada por sua esposa há 16 anos. Na outra, uma mulher vai em busca do marido que saiu de casa em busca de trabalho há dois anos e nnca mais voltou. E nessa busca por seus amores perdidos, Jia no registrar daquele vilarejo, aos poucos sendo destruído para dar lugar aos anseios tecnológicos da humanidade, faz uma bela e profunda reflexão sobre o mundo em que vivemos. É uma ode triste a uma sociedade que coloca a evolução técnica, acima dos indivíduos, que atropela toda essa profusão de sentimentos humanos em face do progresso.
A princípio se dividindo em capítulos, que receberão os nomes, de “Cigarretes”, “Tea”, “Tofee” e “Liquer” - iguarias que um dos personagens, em troca de informações sobre a esposa e da simpatia das pessoas, irá oferecer - o filme irá aos poucos nos colocando dentro de um universo que, hora vai do banal, dos pequenos momentos do cotidiano, ao fantástico, em cenas que parecem atingir o sublime. É uma experiência rara de cinema, daquelas que te deixam marcas visíveis pra toda uma vida. É um filme que, na sua grandeza, nos permite ignorar o
descaso desse Festival e sua falha na exibição de uma cópia desfigurada, mas ainda sim viva, poderosa e capaz de nos elevar a um estado de graça transcendental.
É assim que termino esse dia imensamente gratificante, com obras tão distintas na sua forma, mas de pensamentos e intenções semelhantes. Serras e Still Life, são filmes que, vistos juntos, se complementam de maneira surpreendente. Obras de arte que elevam o cinema a um estado de pureza formidável. Nada menos que genial.

Cotação: * * * * *
Rafael C. Parrode
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Mostra SP de Cinema: Quarto Dia.

Um dia para Manoel: A Bela da Tarde, Conversas no Porto e Sempre Bela.

Hoje era dia de se dedicar a Manoel de Oliveira e seu mais novo filme Belle Toujours, ainda inédito na Mostra. Portanto foi programada sessão tripla que se iniciava com o clássico de Luís Buñuel, A Bela da Tarde, seguido pelo documentário Conversas no Porto - Com Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís e se concluiria com Sempre Bela. A maratona pré Belle Toujours era uma experiência pra se tentar compreender o artista profundamente instigante que é Manoel de Oliveira, desta vez, em homenagem ao cineasta Luís Buñuel, seu roteirista Jean Claude Carriére e seu clássico Belle de Jour.
Primeiro fato: rever a Bela da Tarde em tela grande, e cópia original vinda da cinemateca do Rio é uma experiência forte, essencialmente a mesma de se ouvir um vinil do Pink Floyd. É o pouco que tenho a falar sobre essa obra-prima deflagradora que é o filme de Buñuel.
Eis que se inicia então Conversas no Porto. Dirigido por Danielle Serge que aqui, assume o papel de simples e humilde registradora daquele momento histórico: o encontro de duas personalidades como o cineasta português de 97 anos, Manoel de Oliveira e a escritora Agustina Bessa-Luís, 84 anos, que teve alguns de seus livros adaptados para o cinema por Manoel (Princípio da Incerteza e Espelho Mágico). Aqui, eles conversam sobre cinema, literatura, música, Europa, Brasil, memória, saudade, vaidade, progresso... vida. Mas o que impressiona é mesmo a força, a lucidez e a curiosidade que ambos têm pelo mundo. Agustina certa hora diz que, se não fosse escritora, seria investigadora de polícia, tamanha é sua necessidade de se questionar as pequenas coisas da vida, e por isso, mais cheias de segredos e surpresas. Noutro momento, diz que nasceu adulta e vai morrer criança, e essa é a diese da impressão que se tem daquelas duas pessoas que na velhice encontraram a plenitude. Manoel, que sempre havia sido exemplo de artista e de vida pra mim, agora já era um herói. E assim chegamos ao momento chave do dia. A sala lotada de “manoeléfilos” estava pronta para ver Belle Toujours – Sempre Bela. Prontos? Ora, ninguém nunca está pronto pra um filme de Manoel de Oliveira.
Se em A Bela da Tarde o filme se centrava e Sevérine (Catherine Deneuve), aqui, 40 anos depois, o foco é Hussom (Michel Piccoli ainda mais inspirado que no primeiro filme). Manoel, que abre seu filme com o espetáculo de uma orquestra, onde os personagens se virão pela primeira vez, fará, a partir de então, um jogo de gato e rato em que Hussom irá perseguir Sevérine (Ulle Orgier, que não deve em nada para Deneuve) pela cidade de Paris, e ela atordoada, irá fugir daquele encontro. Nesse momento, Manoel ainda elege outra protagonista pra seu filme, e ela é Paris, seus monumentos, suas luzes... Hussom irá procurar por Sevérine em um bar e lá, após algumas doses de whisky, contará toda a história da bela da tarde ao barman (Ricardo Trepa), ao mesmo tempo em que será abordado por duas prostitutas (Júlia Buisel e a sempre encantadora Leonor Baldaque).
Mas é na segunda metade, quando os dois se encontram por acaso em uma loja de uma esquina de Paris, e Hussom coage Sevérine para um jantar, com a desculpa de revelar a ela se ele havia contado a seu marido sobre seu passado, que Manoel irá começar a destilar toda a sua perversidade e sarcasmo. Durante o jantar, Hussom, que mais parece um mestre de cerimônias sadô-maso, começa a alfinetar Sevérine. Manoel filma o jantar como uma cerimônia da gula e do gozo: primeiro eles comem, e a câmera elegante registra aquela refeição com um prazer absoluto. Depois Hussom, utilizando-se de seu sadismo, irá envolver Séverine num jogo psicológico em que ambos irão rever suas vidas, 40 anos depois de seu ultimo encontro. Mas ele em momento algum saciará suas dúvidas, num final com direito a uma cena surreal a lá Buñuel, talvez único link formal que Manoel irá travar com ele.
Buñuel investigava seus personagens de maneira ontológica, provocando-nos a todo o tempo, utilizando do escândalo pra falar da mulher reprimida da década de 60. Manoel, por sua vez, parece querer compreender - bem à sua maneira - historicamente, todo aquele imaginário, nos brindando com uma obra extremamente jovial, singular e dona de si. Seu cinema é o da elegância, da simplicidade, da limpidez. Por isso, Belle Toujours é um filme tão estranho. Porque na sua proposta de se fazer uma homenagem, ele vai além. Fazendo um cinema que busca o tempo todo pelo gozo. E esse gozo no final, virá menos pelo seu anticlímax (que por si só já é um gozo) e mais pelo estatuto da imagem que Manoel quer discutir. É um filme livre de grandes pretensões, em que o cineasta parece exercitar sua meninice, sua transparência. Exatamente por isso, a pequena duração - 68 minutos - parece destacar ainda mais essa busca de Manoel pelo pequeno, pelo banal, e dele retirar o seu máximo. Assim como Einstein, que da pequeneza de um átomo fez criar a bomba atômica, Manoel, de um oceano, retirou um grão de areia, e desse grão fez toda uma praia, linda e instigante. E é dessa forma que surge esse cineasta que aos 97 anos, chega esbelto, vigoroso e delicadamente perverso em mais uma de suas muitas obras-primas.

Cotação:
A Bela da Tarde: * * * * *
Conversas no Porto: * * *
Belle Toujours: * * * * *
Eu Não Quero Dormir Sozinho

Quem já viu qualquer filme de Tsai Ming Liang, sabe muito bem de quem estou falando. Cineasta poeta, que través de imagens minuciosamente arquitetadas, pensa o ser humano e suas ações com um lirismo formidável que se esquiva o tempo todo do óbvio. Em Eu Não Quero Dormir Sozinho, Tsai chega ao ápice de seu rigor formal. Sua consciência na construção de seus quadros, utilizando apenas planos fixos, sem um movimento de câmera sequer, demonstram seu completo domínio da linguagem cinematográfica. E como autor que é, ele repete certos cacoetes já arraigados na sua filmografia, mas desta vez, inseridos em um cinema mais pensado, mais prodigioso e que, se não tem a novidade de seus primeiros filmes, reestrutura todos os códigos por ele outrora utilizados, em um filme pleno em sua realização e na sua busca pela beleza das relações humanas.
Aqui, o cenário é o esqueleto de um prédio abandonado em que, em seu vão central, se formou um grande lago, que nos seus reflexos, parece erguer um grande conjunto habitacional sobre as águas. Nessa construção abandonada vivem os sem tetos de uma cidade da Malásia (terra natal de Tsai, onde ele filma pela primeira vez) e será nele que toda a poesia do filme irá surgir. Rawang é um rapaz que com a ajuda de outros companheiros carrega um enorme colchão achado no lixo da cidade. Durante o trajeto, encontram Hsiao-kang jogado na rua, todo ensaguentado, e será de Rawang a idéia de leva-lo à construção para lá receber cuidados até se recuperar. No quarto improvisado, agora com o novo colchão, Rawang irá acomodar aquele estranho e com devoção irá cuidar dele dia a dia, dando-lhe comida, banho, afeto. Com o tempo nascerá ali (principalmente por parte de Rawang) uma relação de carinho, de pai e filho, ao mesmo tempo de amizade, amor e paixão, travadas por aquelas pessoas, com toda a carga humana que tais sentimentos podem trazer, alimentada ainda pela incomunicabilidade de ambos: um é malaio e outro é chinês.
Hsiao-kang, aos poucos irá se recuperar, e com o tempo irá voar para longe daquele ninho em que fora abrigado. Numa lanchonete perto do prédio onde vive, ele conhece Chyi, enfermeira que cuida do filho da dona do bar (interpretado pelo mesmo ator que faz Hsiao-kang) que está em coma. É ai que ele, apaixonado por Chyi, a levará para prédio abandonado e lá, no colchão de Rawang irão se amar. Neste momento, a cidade estará completamente tomada por uma imensa nuvem de fumaça que irá obrigar a todos que usem máscaras de gases, o que carrega ainda mais a cena de sexo entre Chyi e Hsiao-kang de tensão, claustrofobia e desejo. Rawang entretanto ao presenciar a cena ficará louco de ciúmes e tentará matar o estranho amigo, desenbocando num dos finais mais bonitos que a Mostra me proporcionou até agora.
Tsai Ming Liang cria um jogo impressionate de reflexos e de luzes, criando atmosferas fortes que carregam seu filme ainda mais de lirismo e beleza, numa espécie de quase-ficção-científica apocalíptica, que destrincha as relações humanas, cada vez mais distantes, nessa sociedade materialista em que vivemos. É um filme que no captar das luzes de néon, ou nos reflexos da água no prédio encontra sua sublimação e nos transporta para um mundo extremamente rico e particular. É um filme majestoso e generoso, pois nos coloca diante de imagens que nos permitem infinitas interpretações. Que nos coloca, com certa crueza, mas sempre com muita delicadeza, diante dos males dessa sociedade desfigurada e rancorosa em que vivemos. Um filme de um artista na sua mais completa forma, que busca a plenitude, na superação da solidão, na busca pelos mais diversos olhares para se construir uma outra dimensão. Dimensão esta que investiga os males do real, e que possivelmente, nenhum filme realista conseguiria falar com tamanho impacto e profundidade.

Cotação: * * * * *

Flandres

Se Manoel de Oliveira se renova a cada trabalho, o mesmo não se pode dizer de Bruno Dumont. Seus melhores filmes, A Vida de Jesus e A Humanidade, sempre me soaram, como grandes exercícios de pretensão, esvaziados de humanidade e por isso mesmo vazios de qualquer sentido. Dumont trabalha os indivíduos como matérias mortas, como árvores secas, e não diferente, desta vez, ele os coloca diante da guerra, do caos.
Ora, se Dumont filma com grande destreza seus espaços e a maneira como eles dialogam com os indivíduos, ele só carrega ainda mais seu filme de nada, de vácuo. Por que ele, antes de seres humanos, filma pedras, sem forma, cheiro, gosto. E antes filmar pedras, e nelas tentar encontrar alguma humanidade do que o contrário. Por isso Flandres soa equivocado do começo ao fim. É um filme, que além de não trazer nenhuma novidade à carreira do diretor, não traz nada de novo aos filmes do gênero e termina por solidificar meu desinteresse por um cineasta que desconhece o ser humano, e por isso enxerga a vida de uma maneira pobre, árida, descolorida.

Cotação: °

Rafael C. Parrode
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