quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Sem reconciliação


“Esta limitação me conduz a mim mesmo, onde não me escondo atrás de um ponto de vista objetivo que eu só represento, onde nem eu mesmo, nem a existência do outro, podem mais se tornar objeto para mim.” (Karl Jaspers)


A terra gira em torno do sol
E o sol gira em torno do meu umbigo.
Quem descobriu isso foi Galileu
Dentre diversas fórmulas matemáticas, esquálidas, loucas,
De metáforas...
Mas copernicamente falando,
Eu mesma descobri os parâmetros
Contas, expressões, retas, definições
E todos os palavrões que os matemáticos falam.
Entre arestas e ângulos, no prisma
O ápice do egocentrismo
E do cinismo.

Metais se esbarram nas ruas apertadas
Das cidades invisíveis; meus gigolôs bailam com suas botinas batidas
Em cada plano desse cartesiano:
Nódoas, tumores e protuberâncias...
Minhas pernas andam sem minha permissão
E os pensamentos estão tão desarticulados com a mímesis
Do mundo terreno
Que talvez eu nunca tenha sabido,
Nem através das artes, nem das ciências
O que é real e o que é imaginário.

Quem comanda esse absurdo?
E será que existe alguma semelhança entre os iguais?

Eu tomei três sustos essa noite:
Um gato morreu a tamancadas;
Nas ciências não encontro explicações;
Meu vizinho, meu igual, meu mesmo, meu semelhante
Sussurra letrinhas forjadas de amor profundo
E descarta a dor do outro pois isso não convém,
Repetindo o estribilho chorando...

Então eu canto a mim mesma
Uma cantiga velha de um compositor velho
Que já passou mas ainda não morreu.
E a terra continua girando em torno do sol,
Meus pensamentos giram em torno da lua
E não dou moral da história ao poema
Porque isso não me convém.


Maria Clara Dunck
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Eu Vim do Século Passado...




...E agora é tudo tão estranho, as relações interpessoais são relações de consumo, onde tudo é descartável. As pessoas se encontram, se tocam, se beijam e vão embora numa dança frenética e infinita. É como se tudo não passasse de encontros e desencontros. É como se a vida não passasse de pequenas viagens ao país de Alice.

Observando as pessoas na noite, todas lindas e perfumadas preparadas para a caça incondicional, com caras, bocas, sorrisos, percebo que o objetivo é único...Encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e ir embora. Na noite seguinte encontrar alguém, beijar alguém e transar com alguém que não se sabe quem e nem nunca se saberá porque não há tempo...As pessoas não se dão o tempo necessário...Beijam sem saber quem estão beijando, se entregam completamente aos prazeres momentâneos embalados a whisky e energético sem saber exatamente onde isso vai dar, e na verdade sabem...Vai dar em nada...Porque não é nada, não significa nada, não há consideração, não há cumplicidade, não há carinho...Não há nada, só o vazio de ir e encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e de novo. E de novo....

É como um vício...Todos dependentes desse encontro às escuras...Todos dependentes de beijar um/uma desconhecida. Buscando, procurando compulsivamente algo que ninguém sabe exatamente o que é...

...Eu vim do século passado, e olho em volta e surpreendo-me com a inacessibilidade das relações e das pessoas. Ninguém está disponível nem para estar consigo mesmo.
Eu penso me enquadrar – em vão, e a sensação de vazio me leva a questionar este tipo de relação onde não sou nada e o outro não é nada também...

Caramba! Eu sou alguém! Eu penso, eu sinto, eu tenho idéias...Não concebo me confundir com uma massa humana, com pernas e pés e bundas e seios, que serve para alimentar, para saciar a fome e o vazio de um outro ser humano que está igualmente perdido em busca de respostas nessa loucura que é o mundo dos novos relacionamentos descartáveis. Onde tudo começa pelo sexo e termina com o gozo.

É isso! Tudo começa com o sexo e termina com o gozo. Quando o sol nasce, um novo dia uma nova preparação, uma nova conquista...Que começa com o sexo e termina com o gozo...E tudo de novo...E de novo e de novo...Numa roda frenética que não pára de girar, os dias vão passando, os meses, os anos...E quando percebemos... O que fizemos da nossa vida? O que construímos para nós? No dia seguinte estamos sós. A luz do sol mostra nossas imperfeições e realça o vazio interior. A cabeça gira...E mal nos reconhecemos quando nos olhamos no espelho. É possível? É possível ser diferente só por hoje?

Geração de zumbis que se enternece durante o dia encobrindo o abismo interno com trabalho, que se levanta à noite para esconder os buracos da alma com beijo na boca. Com a fantasia de que por 15 minutos podemos ser amados...O prazer, a luxúria...Fantasiados de amor por 15 minutos...E o vazio volta...Ok...’’Mais uma dose...É claro que eu to afim...A noite nunca tem fim’’...É, velho Barão... Barbies e Betty Boops...Mas e eles, são o quê? Caçadores vorazes, não percebem que o vazio não pode ser preenchido na noite?
Maria Cláudia Cabral
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