domingo, 7 de outubro de 2007

Síndrome do Fantástico... Hiram de Lima Pereira


"Temos orgulho de sermos filhas e esposa de Hiram Pereira"”

(Carta Aberta de Célia Pereira ao Cônsul da Venezuela – meados de 1960)


Essa semana, pela minha organização inaugurada mês passado, eu estaria apresentando mais uma de minhas pequenas viagens entre o papel e o violão. Mas, por conta da data, tive que abrir uma exceção, afinal, há 94 anos atrás, em 03 de outubro de 1913, nascia Hiram de Lima Pereira, na cidade de Caicó, no sertão do Seridó, Rio Grande do Norte.

O Velho Hiram foi dirigente e Deputado Estadual pelo Partido Comunista no RN – uma das maiores votações da legenda na época – redator do Jornal do Povo (órgão da imprensa oficial do partido), vogal numa das Juntas de Conciliação da Justiça do Trabalho sediada na capital pernambucana (depois de ter-se mudado para Recife em 1949), engajou-se ativamente na construção da Frente do Recife, que conquistou a prefeitura em 1955 com o engenheiro Pelópidas Silveira, cujo sucessor foi Miguel Arraes, eleito prefeito da capital em 1959 e governador em 1962. Hiram foi secretário municipal de Administração por três mandatos consecutivos. Somam-se as suas atividades políticas as atividades teatrais junto ao Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (onde atuavam também minhas tias, mainha e painho) e no Teatro Popular do Nordeste, encenando “A Pena e a Lei” do bom e velho Ariano Suassuna.

Foi clandestino durante a ditadura militar que se instalou neste país (e que, sob alguns meios produtivos, como a mídia, ainda permanecem), usando o nome de guerra de José Vanildo de Almeida, um parente falecido. Tombou na luta (e em luta) em 1975, quando foi capturado e morto pelo DOI-CODI de São Paulo, na Rua Tutóia – onde me apresentei para exame médico quando do meu alistamento militar, 12 anos depois. Minha vó (que já não toca piano por essas bandas, mas já está fazendo cafuné no “velho”), meu pai, minhas tias foram presos neste período. Lembro-me um dia em que mainha, já tendo buscado eu e minha irmã (pequenos) na escola, foi reencontrá-lo na Padaria perto de casa, feliz da vida, enquanto eu não entendia o que havia ocorrido.

Minha memória me remete a apenas uma cena com o Velho, numa brincadeira “Serra, serra! Serrador! Serra a barba do vovô” em um final de noite, chego a apostar que era um domingo. Diz a lenda (quem citava isso era Paulo Cavalcante em “O causo, eu conto como o causo foi” e que com ele se engajou na Frente do Recife), que foi ele quem batizou minha irmã, fantasiado de “padre defensor das idéias da TFP” e ninguém desconfiou, só os mais próximos e atentos as peripécias teatrais dele. E foi só desconfiança...

Mas, o que mais me inspirou a escrever sobre ele – como se precisasse de alguma inspiração para este tema – foi um fato absolutamente inusitado, impossível de prever e que me aconteceu nesta última 6ª feira: estávamos, eu e meu amigo João Alberto, na IV Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária em Brasília, aguardando o show do Cordel do Fogo Encantado, um grupo de corda e percussão que veio de Arcoverde (PE) para o mundo, quando encontro com Cássia Damiani, colega de trabalho e seu amigo que eu acabara de conhecer. Chamava-se Sandro e era de Caicó e conhece a história de meu avô. Falava-me que existe uma Praça na cidade – Praça da Liberdade – e que foi rebatizada com o nome de um generalzinho latifundiário local. Sandro revelou-me que, ante à nova denominação dada à Praça da Liberdade, resolveu escrever uma carta à praça e que, no corpo do texto, defendeu que se fosse para ser rebatizá-la, deveria se chamar Praça Hiram de Lima Pereira. Nada mais coerente, haja visto o nome de meu avô ser sinônimo de Liberdade.

Da história do Velho, há a ONG Hiram de Lima Pereira, com sede em Natal... A mais recente publicação, lançada pelo Governo Federal sobre os arquivos secretos militares, praticamente reitera que se escreveu em “Brasil! Nunca Mais” e o “Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964”. Somam-se as várias cartas, fotos, artigos que minha Tia Sachenka me envia constantemente.

Não tive, portanto, a oportunidade histórica de conviver com ele, de aprender com ele, de aprofundar minha militância, minha prática política em defesa do projeto histórico socialista... Mas, mesmo assim, o acervo e a herança histórica, política, guerrilheira e popular que ele deixa (junto com tantos outros que ainda tombam nas trincheiras da luta da memória contra o esquecimento) são infinitas e, neste artigo, cabe-me apenas uma nova homenagem ao Velho...

Vida Longa a Hiram de Lima Pereira!

Vida Longa a Hiram LIBERDADE de Lima Pereira!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: Este artigo é uma homenagem a todos os lutadores e lutadoras do povo. Que, como disse-me recentemente uma companheira de luta, na folha de um livro, tombaram na luta e, por isso mesmo, devemos lutar. Os direitos autorais são da história de meu avô.