segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Uma Cidade Chamada ''Fin-Gi-Dô''


Fui surpreendida semana passada por um convite irresistível: escrever para Arca Mundo. Quem me conhece sabe o quanto gosto de escrever. Sou advogada por acaso, jornalista por osmose, e agora estou tentando me tornar antropóloga – que os deuses digam 'amém'. O ser humano e as construções culturais, as interações com a sociedade em que vive e o comportamento diante de outros da sua espécie sempre me interessaram.

Pensando nesse interesse resolvi fazer minha primeira participação no ciberespaço midiático e contar a história de uma cidade, muito, muito longe daqui – num reino muito distante. A cidade chama-se ''Fin-Gi-Dô''. Como toda boa história, entra por uma porta e sai pela outra, e quem quiser que conte outra.

Era uma vez uma cidade chamada ''Fin-Gi-Dô'', lá viviam milhares de pessoas felizes – chamados fin-gi-dores. As crianças fin-gi-doras estudavam em boas escolas. Os professores fin-gi-dores davam aulas interessantes, sobre assuntos importantes. As mães fin-gi-doras eram esposas felizes, naquela cidade. E os pais de família fin-gi-dores, trabalhavam em Fin-Gi-Dô para manter o padrão de vida elevado de suas esposas e filhos fin-gi-dores.

Todos eram muito felizes naquela bela cidade. Não havia pobres, nem mendigos fin-gi-dores. O prefeito da cidade cuidara para que só fin-gi-dores permanecessem ali. Se por acaso algum fin-gi-dor se desviasse da boa conduta por necessidade ou por insatisfação com a ''boa conduta'' fin-gi-dora, era logo 'eliminado' pela polícia fin-gi-dora, que tinha a suprema missão de dar segurança aos cidadãos de bem de Fin-gi-dô. Não era certo incomodar os cidadãos de bem de Fin-gi-dô, afinal eram eles pais e mães de família que foram às melhores escolas fin-gi-doras.

Os adolescentes fin-gi-dores não usam drogas e cantam hinos de louvor na missa fin-gi-dora de domingo. Sim, em Fin-Gi-Dô são todos muito religiosos. Frequentam a missa todos os domingos, afinal onde iriam os fin-gi-dores encontrar seus vizinhos e amigos? Depois da missa, é hora do almoço da família fin-gi-dora. E, como em todos os lugares do reino, o assunto é a política local.

Na cidade fin-gi-dora, a maioria vai votar naqueles que, como eles, fingem que não cometem erros, naqueles que fingem que são honestos, porque seria uma absurdo votar num governo que expõem a corrupção e que corta na própria carne os membros podres, os desviados, os corruptos fin-gi-dores.
''Como vou votar sabendo que há corrupção no governo, mesmo que eles estejam apurando os fatos?Prefiro votar no outro partido, porque na época deles, pelo menos a gente não ficava sabendo''.(dito por uma advogada, sobre as eleições 2006 no Brasil).
Maria Claudia Cabral
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Alternâncias e Permanências


A eleição para Presidente da República pode estar mais decidida do que poderíamos pensar, e longe de uma virada nas urnas. A pesquisa IBOPE divulgada no último dia 20 no Jornal Nacional indicou que Lula tem 24 pontos de vantagem sobre Geraldo Alckmin. Lula obteve 62% dos votos válidos, e Alckmin totalizou 38%. De fato, as pesquisas devem estar refletindo o que foi mostrado pelos candidatos no debate promovido pelo SBT semana passada. O único aspecto relevante do debate foi o esforço de Geraldo Alckmin para se mostrar um candidato diferente de Lula, e não foi bem sucedido.
Lula cresceu porque os eleitores não enxergam grandes diferenças entre um candidato e outro e, por via das dúvidas, tendem a votar no candidato que já ocupa a Presidência, como sugere um dos refrões da campanha de Lula. A queda nas intenções de voto de Alckmin mostra que esses eleitores já optaram pelo candidato do PSDB, mas agora se voltam para o outro lado.
Alem disso, Alckmin se beneficiou com as críticas à Lula feitas por outros candidatos no primeiro turno, como Heloisa Helena e Cristóvão Buarque. Agora, o candidato do PSDB está sozinho e tem dificuldades em fazer críticas tão pertinentes quanto às dos ex-petistas. Lula é o candidato que tem a cara do povo e, por mais criticável que tenha sido seu governo, é o que de mais parecido o Brasil conheceu como um governo popular. Outra razão pela qual Alckmin tem problemas é que a vida das pessoas melhorou durante o governo Lula. Os mais pobres comem mais e gastam menos, e ainda sobra para pagar prestações de eletrodomésticos.
O grande problema é que, na verdade, Alckmin não se diferencia, porque ainda não conseguiu mostrar um projeto próprio de país. O PSDB, que governou com Fernando Henrique Cardoso de forma neoliberal, não consegue mais retornar ao posto de defensores da social-democracia. Porque, como social-democrata, o governo Lula se afastou da luta de classes e, afora os escândalos de corrupção, anda muito bem, obrigado. Alckmin só promete fazer o que Lula também fez, e aí o eleitor provavelmente vai preferir ficar com o certo, deixando o duvidoso de lado. Sem mostrar o país que quer construir Alckmin, vai enfrentar problemas sérios nessa reta final.


A Reviravolta em Goiás

Em Goiás tudo indica que a eleição para o governo também não reserva surpresa. Não basta o esforço que os analistas políticos estão fazendo para explicar o fato de Alcides Rodrigues passar para o segundo turno em primeiro lugar e abrir uma boa vantagem em relação a Maguito Vilela.
É preciso lembrar que esta campanha eleitoral está sendo atípica em diversos sentidos. A lei mais rígida em relação à campanha de rua e o descrédito dos políticos fizeram com que o eleitor decidisse com convicção seu voto apenas no último momento. Predominou o herói outrora desconhecido, o “escudeiro” de Marconi Perillo.
Nesse segundo turno, provavelmente o eleitor também deve decidir seu voto no último momento, mas Alcides com certeza goza de vantagem pela sua virada nas urnas, pelo uso da máquina administrativa do Estado dentro da campanha e pela presença de Marconi Perillo associada à sua imagem.
Já o candidato Maguito Vilela começou as eleições de “salto alto” e esse fator pode ter sido o que o fez perder dez pontos percentuais em três semanas. O PMDB não teve uma presença forte na campanha porque achou que a eleição já estava ganha. E por fim, a ausência na campanha do principal cabo eleitoral do partido, o prefeito Íris Rezende.
A estratégia de Maguito mudou. Agora ele se apresenta como uma figura humilde no programa eleitoral, mas talvez seja tarde demais para mudar a situação. Ao colar sua imagem à de Marconi, Alcides Rodrigues deve obter os mesmos votos. O instituto SERPES divulgou que se a eleição fosse hoje, Alcides teria 58,1% dos votos totais e se crescer mais de 3 pontos percentuais até a eleição, pode bater o recorde de íris Rezende, se tornando o governador de Goiás eleito com a maior votação desde a redemocratização. Com certeza, essa seria a maior reviravolta em uma campanha eleitoral que Goiás já viu.
Alysson Assunção
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Lição número um: quando nasce o sol ou seria quando o Sol nasce?


O sol, em muitos dias, nasce aparentemente sem compromisso algum. E foi assim ao longo daquele três de outubro, tão recente que a memória é capaz de eternizá-lo. A terça-feira parecia comum como as outras. A rotina começou cedo, quando nasce o sol. Mas algo começou a mudar o que parecia igual.
Ao chegar na faculdade, todos falavam de um certo “filme de jornalista”, chamado O Sol – Caminhando contra o vento. Pelos corredores não se ouvia outro assunto. Diziam alguns, alunos e professores, que o tal documentário seria exibido às sete da noite, numa sala nova de cinema do Banana Shopping.
O motivo mais convincente entre os comentários para que eu fosse assistir ao Sol era a presença de um tal Reynaldo Jardim, que debateria sobre a temática do filme. Os sádicos diziam que aquela oportunidade era única, já que o tal jornalista estava à beira da morte.
Eu ouvi várias versões da sessão de logo mais. Tipo palpite clichê, meio sinopse barata e informal de internet, “Sol é o nome de um jornal da época da ditadura militar, tipo o Pasquim. Nesse filme tem até aquela música do Caetano ‘ o sol nas bancas de revista’, sabe?”, discursavam alguns entendidos.
Fiquei constrangida por não saber nada sobre a exibição do documentário. Não sabia sobre a história do jornal O Sol, e muito menos de Reynaldo Jardim, “um dos grandes jornalistas brasileiros”.
Enquanto isso, o dia passava com um sol escaldante. Pensei em pagar para ver o Sol. Uns me convidavam daqui, outros ligavam de acolá. Mas o fato é que fui ao shopping com uma colega do jornalismo e também amiga de algumas bohemias.
Ao longo do filme notei a presença de Reynaldo Jardim. Cutucava a Pessoa da poltrona do meu lado: “o Reynaldo – notem a intimidade – já chegou!”. Na telona, observava-o, depois olhava para as poltronas debaixo e lá estava ele. Aquela emoção de fã me consumia, no entanto eu não entendia comigo mesma esse sentimento de tietagem. Afinal, há poucas horas eu era mais uma ignorante sobre o tema do filme e sobre seus personagens! Se estiver no cinema, na TV, nos jornais, conquistou o estrelato, o povo conhece mesmo...
O Sol acabou. Em seguida era a vez do debate, das perguntas dos espectadores, da fala de Reynaldo. A discussão foi calorosa, empolgante, porque agora eu já sabia que estava diante de uma parte da história do jornalismo deste país. Tinha conhecido alguém apaixonado pela época em que vivera. Reynaldo parecia, na verdade, uma criança ao falar de quando o nasceu O Sol. Ele estava mais jovem e lúcido que muitos daquelas poltronas.
Todos o questionavam sobre a falta de sonhos da nossa juventude. Alguns jovens diziam que essa mocidade não luta, como ele e seus amigos lutaram, contra um “agressor” ou para manter um jornal subversivo, por exemplo. Os tempos mudaram, eu pensei, mas não disse sequer uma palavra. Reynaldo não se mostrava desiludido com os jovens de hoje. Afinal, segundo ele, não há um inimigo visível. Entretanto, conclamou: “sejam subversivos!”
Fomos apresentadas a ele. Eu pedia conselhos sobre a minha dificuldade de escrever os odiosos lides e sublides. “Escrevo por obrigação e daí perco o interesse pelo jornal diário que existe hoje, esse modelo tão quadrado...”, disse a ele. Quanto a isso Reynaldo me tranqüilizou. “Escreva o que você gosta, cada um tem o seu estilo. Não aceite que façam você perder o encanto e subverta sempre que puder”, disse-me com a sabedoria de alguém que eu parecia admirar há anos.
Reynaldo aconselhou minha amiga e eu a criarmos um meio alternativo e livre para escrever conforme o nosso desejo. A Pessoa que estava comigo precisava de ânimo para fazer sua vida jornalística ter sentido. Necessitava ver o sol nascer pra que pudesse conseguir bons motivos para sonhar, para dar sentido à sua capacidade. Pra mim, o sol, a luz, nasceu através daqueles conselhos. Escrever é mesmo prazeroso quando se pode ser livre, quando se pode ir atrás do sol de todos os dias. Ir à procura do nosso sol, do nosso caminho, contra o vento, sem lenço e sem documento.
A lição número dois é mais simples: não se pode subestimar o nosso sol de cada dia, pois ele talvez não seja tão comum quanto pensávamos.
Maraísa Lima
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Ares de Cinema – Respiração visual: Um relato sobre A Mostra SP de Cinema

Nada mais extasiante do que inaugurar uma revista eletrônica como a Arca Mundo com um relato bastante emocional e imprevisível sobre uma Mostra tão importante como a de São Paulo. Fato é que, infelizmente, só temos acesso a produções do mundo todo em festivais de cinema como esse, o que acaba colocando uma infinidade de filmes no já malfadado gueto dos filmes de arte, e assim, limitando um contato mais abrangente com o grande público.
Porém são em Mostras como essa que cineastas sem qualquer visibilidade têm a oportunidade de reproduzirem seus trabalhos para um público maior, e em alguns casos até se projetarem para festivais mais pomposos e importantes como os de Cannes, Veneza e Berlim. Por isso, eventos como este, são oportunidades raras pra se garimpar o cinema em busca do que há de mais precioso nele, e isso inclui se submeter a filmes muito ruins, tendo em vista que grande parte da seleção é composta por gente que pela primeira vez fez um longa na vida (e isso na maioria das vezes é sinônimo de algum equívoco).
Em sua 30ª edição, a mostra deste ano traz cerca de 400 filmes entre curtas, médias e longas-metragens, o que torna a tarefa de um simples espectador, uma odisséia dantesca, que começa já quando a programação é liberada - bem antes do início do festival - com a seleção dos filmes que serão vistos e a organização dos horários. Tarefa nada fácil diante desse emaranhado de filmes perdidos em tantas salas que é a Mostra.
Durante pouco mais que uma semana, estarei aqui, tentando traduzir em palavras essa intensa experiência que é ver cerca de 30 filmes nesse tão curto espaço de tempo. Da nova onda do cinema Romeno, aos principais filmes latinos, do sempre bem vindo cinema francês ao fervilhante cenário coreano, dos chineses sempre surpreendentes ao renovado e muito bem vindo cinema português, dos iranianos líricos e (hiper) realistas ao há muito já consolidado cinema italiano. Tailândia, Japão, México, EUA, Suíça, Dinamarca, Austrália e é claro, um tour pelo cinema brasileiro em um de seus anos mais promissores. Farei aqui uma espécie de diário cinéfilo, carregado de sensações, numa espécie de “balaio de gato” do cinema mundial, ou, melhor dizendo, como o mundo anda pensando o cinema e vice-versa.

Rafael C. Parrode
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Eu te amo, porra



“Agora é diferente, e para mim era um choque de humildade, mas ali, com minha garota nos braços e nossa filha em seu ventre, soube que tinha alcançado o momento da vida pelo qual esperava. Eu ia ser pai e marido. Dei uma palmada no traseiro de Christy e botei o som a todo volume”. Pág. 72


“Venho tendo um problema ultimamente, que é não conseguir conter o pranto – melhor dizendo, o choro compulsivo. Era atingido, como por um tapa na cara, pela percepção de não ser ninguém de quem eu me orgulhasse. Estava rindo, ou bebendo, ou fumando um baseado, ou levando um papo sobre carros, ou barcos, ou armas, ou bocetas e então saía para o banheiro e, trancado num compartimento, chorava até caírem os olhos. Desejava estar só, mas não deixava escapar a menor oportunidade de me cercar de gente”. Pág. 16


Pode ser encontrado em um mercado de periferia. Ou então jogado entre as publicações pornôs de uma banca de revistas. Ou até mesmo, quem sabe, em um sebo imundo do centro da cidade. Enfim, pode ser encontrado em qualquer lugar. É preciso tomar cuidado para não se confundir: olhe para ver se o papel é de péssima qualidade, pior até que papel de jornal. Veja se na capa existe alguma ilustração tosca colorida mais toscamente ainda. Se o autor for estrangeiro então, pode ter certeza: você acaba ter acesso ao que existe de mais barato na literatura. E isso não é um desmerecimento.
Também conhecidas como Pulp Fiction (já que essas publicações são impressas em papéis de péssima qualidade produzidos a partir da polpa da árvore) os “Livros B” são obras literárias que movimentam números impressionantes no mundo inteiro. Apenas no Brasil, são dois milhões de exemplares vendidos anualmente. Para efeito de comparação, o Best Seller Código da Vinci vendeu cerca de metade disso desde o seu lançamento, em 2004. A crítica pode até desprezar, mas a Literatura B é um fenômeno que surgiu em 1896 e continua firme até hoje.
Se você não é sensível o suficiente para ir a qualquer estabelecimento barato em busca de alguma edição de “Sabrina”, ou “Bianca”, ou ”Júlia”, ou forte o bastante para comprar algum romance noir do Dashiell Hammett (O Falcão Maltês) ou do James Ellroy (Dália Negra), saiba que você poderá ler uma legítima espécie de literatura barata que não acabará com sua reputação caso alguém te pegue lendo. Trata-se do livro “Quarta-feira de cinzas” (Ediouro, 2003 – R$: 9,90), escrito pelo ator, diretor, provavelmente futuro cantor e, além disso, roteirista de dois dos filmes mais cultuados por qualquer descolado da atualidade: os românticos “Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol”. O nome do garoto multimídia é Ethan Howke.
Nesse livro, o ex da Uma Thurman, que por coincidência é estrela do filme cult homônimo ao gênero literário que seu ex-marido quis homenagear, escreve uma história que narra a saga do segundo sargento James Heartsock e de sua namorada (ou ex, depende da circunstância) Christy Ann Walker. Todos os elementos de um Livro B estão lá: o encontro romântico acontece numa rodoviária imunda que fede a urina; os personagens são fracassados, drogados e alcoólatras -mas sempre carismáticos; o linguajar utilizado é chulo, às vezes até grosseiro; enredo extremamente despretensioso; e, principalmente, as mulheres são fatais e o motivo da desgraça dos homens.
A grande sacada de Ethan Howke foi intercalar os capítulos sob o ponto de vista do protagonista masculino e do feminino. Assim, os que preferirem o romantismo (ainda que não tão água com açúcar) da “Sabrina” ficarão satisfeitos com a história narrada sob a perspectiva de Christy. Os que preferirem uma literatura barata que pende para o lado dos romances policiais e noir, ficarão felizes nas partes em que James é no narrador – o que pra mim são os capítulos mais interessantes. Dessa forma, o livro consegue agradar a todos. Apesar de que nesse ponto Ethan falha em sua homenagem: os Pulp Fiction estão se fudendo para o leitor. Com o perdão da palavra.

Paulo Henrique dos Santos
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