domingo, 29 de julho de 2007

Síndrome do Fantástico... a Dignidade

“Ele (Che Guevara) disse, em mais de uma vez,que o mais importante são os valores do ser humano. Ele demonstrou que o mais importante é a dignidade do ser humano. Uma pessoa pode ter muitas riquezas. Se não tem dignidade e solidariedade, nunca poderá desfrutá-las”.

(Aleida Guevara – IV Congresso Nacional do MST – 2000)

Mais uma vez os valores e, nesta feita, acrescentei, nas palavras da filha de Che Guevara (ele, uma das imagens mais comercializadas da atualidade), a dignidade.

Semana que passou, nossa amiga Cláudia suscitou, dentre outras coisas, a nossa relação com as pessoas e as coisas, sobre as posses... e, nestes mesmos dias, acompanhei, insólito, no sinal de trânsito de uma quadra do Plano Piloto, um Andarilho (na ignorância de seu nome, escrevo com A maiúsculo), lentamente caminhando naquele sol de duas da tarde, descalço e imundo, com a mão extendida, quase em silêncio, de carro em carro... No mesmo sinal, o “Precinho” do Carrefour, distribuindo panfletos, para que os “bananas” que ainda acham que tem lugar mais barato para comprar frutas e verduras possam mudar de opinião...

O Andarilho e o “Precinho” (diga-se de passagem, um trabalhador), lado a lado... o primeiro, com sua história de vida marcada em seu rosto, em seus cabelos endurecidos, em seu odor, em seus pés descalços e, como reflexo, no “medo” e “desprezo” daqueles que lá estavam, parados naquele sinal de transito... o segundo, com seu rosto escondido atrás de uma fantasia, com o rosto, os olhos, os cabelos sem sabermo-los mas, antagonicamente, recebido com sorrisos...

Um rosto e um corpo, visíveis, escancaradamente visíveis e que assustava e/ou enojava... um rosto e um corpo, invisíveis, escondidos, que atraía sorrisos e leves buzinadas (em Brasília)...

Nossa solidariedade posta à prova; todos nós, naquele sinal de trânsito, não nos conhecíamos... Não fui abordado pelo Andarilho. Não posso dizer aqui, como baluarte da decência humana, que abriria (já estava aberto) a janela de meu carro, falaria com ele, lhe daria uma moeda (quase sempre as tenho no carro) e lhe desejaria boa sorte... Mas, com certeza, posso dizer que a grande maioria de nossas opiniões passaria em branco, mal olharia nos olhos daquele Andarilho... entretanto, talvez, procuraria identificar quem estava dentro daquela fantasia de “Precinho” do Carrefour...

Que relação complexa... como falar da solidariedade, sem nos esquecermos da indignação aqui mencionada semana passada e, também, sem compreendermos o individualista mundo das relações de força e de poder do mundo capitalista que, historicamente, hierarquiza a dignidade humana? Quantos de nós (e de outros) diríamos, com convicção quase religiosa, que este Andarilho o é porque o quis assim e que o “Precinho” é o retrato de um jovem (?) trabalhador que está correndo atrás de seu ganha-pão, honestamente? Diríamos que o Andarilho é um vagabundo, que não aceitaria um trabalho em troca de um prato de comida e que o “Precinho” está lá, construindo seu futuro, começando por baixo, entregando panfletos de uma grande rede de Supermercados?

Dignidade! Como sermos solidários sem sermos dignos de valores que nos façam verdadeiros homens e mulheres? Eis minha reflexão... eis minha pergunta...

Parafraseando Lênin: Dignidade, Indignação e Solidariedade! Eis valores que me dão sentido à vida...

Vida Longa...

Obs.: por mim, mas principalmente pelo Andarilho e pelo “Precinho”, não deixem, se um dia utilizarem em seus caminhos e veredas, essas poucas palavras, de lembrarem-se de nós...

Marcelo ''Russo''