terça-feira, 21 de novembro de 2006

Editorial nº 05: Para discutirmos....


Diariamente somos surpreendidos com acontecimentos que nos levam a pensar, a refletir e a discutir nossa realidade.... A quinta edição da Arca Mundo discute.....

sobre cinema de ação, sobre amores e descobertas, sobre arte, sobre liberdades...

Não só descobrimos as liberdades que a Internet nos proporciona, como também fomos descobertos. Amanhã (22/11) será votado um projeto de lei que controla o acesso de todos os brasileiros à Internet. Foi lançada a enquete: e você? O que pensa sobre isso?

O que eu espero, companheiros, é que depois de um longo período de discussão, todos concordem comigo!” Winston Churchill

P.S: Gostaríamos de parabenizar de maneira pública e solene, nosso colaborador Paulo Henrique dos Santos, pela exibição de seu primeiro documentário, Além dos Outdoors!!! Um filho que finalmente nasceu e só tem a dar mais e mais frutos!!!

Camila Pessoa.

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A Menina e o Gato.


...Era uma vez, num reino muito distante, uma Menina levada e inteligente. Ela sabia de tudo e sobre tudo perguntava. Se alguém sentava ao seu lado, ela logo indagava o nome, a profissão, a cor favorita. Tão esperta a menina, que ninguém resistia a uma boa prosa com ela.

Um dia a Menina viu um gato. Ela nunca havia tomado contato com gatos. Ficou tão curiosa, tão intrigada. Interessou-se imediatamente por compreender o gato. Queria conhecer o que é um gato. Aproximou-se devagar, num misto de vontade e receio. Os gatos mordem? Eles podem machucar? - perguntava a criança a si mesma

O gato a olhava fixamente, parecia adivinhar suas intenções. Observador e cauteloso, o gato a olhava. Ela sorria, gostava da idéia de entender o gato, se é que é possível entender gatos.

Ela se moveu lentamente em direção ao gato, foi estendendo sua mãozinha pequena e curiosa. O gato a olhava. Ele se aproximou um pouco mais, parecia também querer conhecer a criança. O gato conhecia meninas, mas talvez – nunca se sabe o que passa na cabeça de um gato – quisesse saber sobre cada menina. Quis, talvez, conhecer essa Menina. Quem sabe?

Tranqüilamente ele se aproximou um pouco mais. A Menina, não entendendo o gato, com olhos fixos, retrocedeu um tiquinho, mas ela queria muito desvendar o mistério do gato. Então, aproximou-se só um pouquinho. Ele permaneceu.

O gato aproximou-se um pouco mais. Ele chegou a tocá-la, ela saltou e soltou um gritinho – misto de susto e de alegria – por sentir finalmente o gato na ponta dos dedos. Ele assustou-se, recuou.
Ela já não era mais a mesma menina, havia tocado o gato, embora não entendesse um gato. Queria tocá-lo novamente, queria sentir um pouco mais sua textura, seu cheiro, se pudesse, queria provar seu gosto! Queria saber o gato, como saber um gato?

Foi então que, cuidadosamente, aproximou-se de novo – pulsavam, ainda e mais, o medo e a vontade de sabê-lo. A Menina lançou-se em direção ao gato. Ele, imediatamente, ronronou algo que ela não pôde compreender. Ela assustou-se. Ficou ali parada sem entender. Olhinhos fixos no gato. E o gato, olhos fixos nela, virou-se e lentamente saiu. Ela chamou o gato e ele a olhou com desdém.

A Menina até aquele momento não conhecia tal indelicadeza e não entendia o que havia feito de errado. Não quis mais brincar com gato. Também virou-se e saiu batendo pés, olhinhos marejados por causa do gato-bobo. Humpf...

Sua mãe tentou, sem sucesso, explicar-lhe que gatos são assim mesmo, arredios às vezes, mas são muito boas companhias. Disse que ela devia rir da reação do gato, porque quando um gato permite que uma menina o conheça e presta-se a conhecer a Menina, são os melhores amigos de tooodo o mundo. Seu pai, por outro lado, dizia: - Esqueça esse gato, minha filha, ele é só mais um gato-bobo. Que tal brincar de outra coisa. Há tantas outras coisas interessantes no mundo, porque você cismou com esse gato?

A criança teimosa continuava lá, tentando saber o gato.

'' Desarme-se. Amar faz bem para a alma, para a pele e para o cabelo.'' (Uma jornalista, em 17 de novembro de 2006).

'' O que é amar?'' (A criança, hoje e sempre)

Maria Claudia Cabral.

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Na tentativa de controlar

Projeto de lei no Senado prevê controle da Web brasileira

O Senado brasileiro discute na quarta-feira, em reunião da Comissão
de Constituição e Justiça, um projeto de lei que prevê o controle do
acesso à internet, a exemplo do que se pretende estabelecer na China,
um dos países que mais controla o uso da rede.

Conforme o projeto, cujo relator é o senador Eduardo Azeredo, do PSDB
de Minas Gerais, qualquer usuário precisaria se identificar quando
acessasse a internet ou qualquer outra aplicação como o acesso a e-
mail ou a criação de blogs.

Dessa forma seria possível monitorar precisamente o que cada usuário
faz quando está online, sabendo que sites visita ou que tipo de
arquivos está baixando da rede, como músicas ou filmes.


Além de extinguir a privacidade, o projeto prevê fazer do acesso não
identificado crime passível de reclusão de dois a quatro anos.
Provedores de acesso ficariam responsáveis pela veracidade dos dados
cadastrais dos usuários e seriam sujeitos às mesmas penalidades.

Dados cadastrais

Para obter o acesso à internet, os usuários precisariam fornecer
dados pessoais comprovados como nome completo, endereço, número de
telefone, RG, e CPF aos provedores de acesso.

A favor do projeto estariam administradoras de cartões de crédito e
bancos. Procurada pela reportagem, no entanto, a assessoria de
comunicação da Febraban - Federação Brasileira dos Bancos, afirmou
que não irá comentar o projeto por enquanto.

Os provedores de internet são contrários à medida, que estabeleceria
um novo encargo burocrático para os provedores. Analistas também
criticaram a justificativa do projeto, de extinguir a privacidade dos
internautas brasileiros, já que suspeitos de crimes digitais podem
ser rastreados e identificados por meio do seu endereço IP (internet
protocol), número que é atribuído a cada usuário no momento em que
ele acessa a internet.

Agência Estado de Notícias

Discutamos, portanto, a noção de liberdade, de comunicação independente que colocamos em debate com a criação da Arca Mundo. Um dos maiores motivos pelo qual buscamos a Internet para a publicação de nossos pensamentos, foi, justamente, a não necessidade de patrocínios, financiamentos, ligações políticas, censuras, limites... É claro que essa ausência de limites é, ao mesmo tempo aliada a “causas” como a nossa e a pessoas que praticam crimes como rackers e pedófilos. Uma das grandes conseqüências inevitáveis do mal estar na civiliazação: tudo o que é novo, útil, acaba sendo subvertido de todas as formas, para todos os fins.

O fato é que os grandes monopólios de comunicação, aliados às formas de governo sempre tiveram o controle absoluto dos registros de informação, do que é colocado em pauta na sociedade, e agora, de alguma forma, isso está sendo corrompido, impedido. Longe de mim pintar as empresas eios im pintar como grandes viltoa todos os fins.como grandes vilãs ou colocar a culpa “no sistema”. Acontece, que um dos últimos meios livres, novamente, está na iminência do controle. É legal que seu sigilo telefônico ou bancário seja violado ou controlado diariamente? Por que seria legal, portanto, que seu acesso à Internet o seja? Deve-se, sim, procurar uma saída que evite os crimes cometidos via web, e todos sabem que não é essa necessariamente. Como na ditadura, as censuras foram estabelecidas para nos salvar da ameaça comunista, agora, querem nos controlar, para nos salvar da ameaça online. Sim, é um exemplo extremista, mas por que não sermos exagerados agora?imes cometidos via web, e todos sabem que ns do Mal Estar na Civiliazaraticam crimes como rackers e ped

Posso estar fazendo um alarme trivial, mas a maioria esmagadora da sociedade, simplesmente não sabe como o seu direito de comunicar e de receber informações é violado diariamente, sem que ninguém perceba. Alguém, alguma vez, pensou que poderia reclamar à Globo pela porcaria dos filmes ridículos e repetidos que passam, no mínimo, cinco vezes por ano em sua programação? Ou questionar por que os jogos de futebol são comprados para serem exibidos sempre depois da porcaria da novela das nove, fazendo com que você vá dormir de madrugada, se quiser comparecer ao estádio na quarta feira? Alguém se interessou ou buscou pesquisar qual seria o melhor plano de tv digital para a sociedade? Alguém se manifestou a favor do diploma para os jornalistas, quando queriam abolir sua necessidade para o exercício da profissão? As pessoas simplesmente acompanham passivamente o que acontece, sem ter a noção de que a cada dia são mais podadas e impedidas de se expressar!

Sejamos todos a favor de maneiras que impeçam atitudes criminosas, mas que não limitem mais esse meio de comunicação. Não sabemos no que isso vai dar, mas declaro aqui a minha indignação!

Camila Pessoa.

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Decifrador de sonhos


Não há motivos coerentes pra avivar os gestos frágeis

Do ser que se vê passional mas se faz cego aos apelos dos sonhos.

Engraçado como é indiferente seus atos falhos e seu pobre caráter

Frente a uma palavra que confessa a todos o que não precisa a mim dizer...

A mecha de cabelo que interrompe nossos olhares sinceros

Mente ao solidificar na ausência a espera de um sinal augusto:

Todas as mortalhas sabem que a minha busca é pelo que me abala

Nas gigantes manhãs em que nada se dá ao sol que o acordar de bem.

Sempre cri no talvez, o odiando mais que amar a quem se idealiza...

De alguém que, conscientemente nunca amou,

Forjado nesse mundo de esperas e de pestes loucas e verossímeis:

A minha quase inquietação se metadiza pois é vã na morte e na vida.


Maria Clara Dunck.

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O Cinema de Ação em cinco filmes


- O Casal Osterman, de Sam Peckinpah

- Bala na Cabeça, de John Woo

- Sonatine, de Takeshi Kitano

- Eleição, de Johnnie To

- Miami Vice, de Michael Mann

São cinco filmes em questão, e quatro deles giram em torno de um. Não por um motivo qualquer, O Casal Osterman de Sam Peckinpah, é o filme base para uma reflexão maior sobre o cinema de ação contemporâneo, pois é dele que vem a rica fonte de influências que se estruturaram para a criação desse gênero que hoje é cultuado por muitos, e tem cineastas de primeira linha como representantes. Peckinpah é mesmo o maestro da ação e da violência, por que ele simplesmente enxergou no registro cru e em slow motion da violência, uma vertente bem mais profunda, e que poderia dar ao gênero uma maior austeridade e possibilidade de reflexão do mundo em que vivemos bem maior do que o cinema vinha fazendo até então. Em O Casal Osterman, Peckinpah coloca um casal as voltas com agentes soviéticos disfarçados, nesse que é um filme de espionagem com a ação sendo construída aos poucos. Ou seja, O Casal Osterman é um filme de ação, e não um filme com cenas de ação, certo de que ação não diz respeito apenas às seqüências de luta, tiroteios, explosões (ainda que tudo esteja lá). Peckinpah irá antes de qualquer outra coisa, priorizar o cinema, o homem, e a selvageria inerente a ele.

De Peckinpah passamos a John Woo, especificamente de sua fase chinesa em meados da década de oitenta. Woo surgia como a grande revelação do cinema de ação quando fez Money Talk em 1980, e depois dele, fez ao menos três filmes memoráveis como The Killer, Bala na Cabeça e A Outra Face. Fato é que a fase criativa de Woo termina, a partir do momento em que ele adere ao cinema de ação conservador americano, diluindo bastante a fórmula que fez dele um mestre na China. Em Bala na Cabeça, Woo reúne o estilo operístico de um Sergio Leone com a violência crua a lá Peckinpah, para criar uma sinfonia da brutalidade e da guerra, num filme que se as vezes se leva a sério (mas sempre nos momentos certos) em outras, injeta humor e ironia pra colocar o gênero da “ação” num patamar que vai além da simples diversão como nos filmes do Michael Bay, por exemplo. Um elogio ao espetáculo do caos, do sangue, da violência, mas nunca simplesmente da violência pela violência. Woo aqui, não soará gratuito. A violência brutal, é antes ferramenta para a não-violência, e em Bala na Cabeça, a idéia é exatamente essa.

Eis que surge então Sonatine, de Takeshi Kitano. Kitano não é um reciclador do cinema clássico de ação como bem foi John Woo. Ele opta por uma outra abordagem do gênero, abordagem essa que mais tarde irá se tornar a marca desse que é um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Sonatine é o anti-filme-de-ação por excelência. Primeiro por que todos os códigos do gênero estão lá: tiroteios, explosões, pancadaria, humor, máfia, gangues e tudo mais. Mas Kitano opta pelo existencialismo antes de tudo. O minimalismo, o tempo, os pequenos momentos, são valorizados antes da ação. É ai que ele se aproxima de Peckinpah, pois ambos querem abordar o ser-humano antes de qualquer outra coisa, e a violência é apenas um reflexo, uma faísca. Mas se Peckinpah primava pelo balé, pelo espetáculo da violência, Kitano prima pela frieza. A violência aqui vem crua e simples, sem qualquer outro artifício. Mas Kitano faz com Sonatine – e também com seu próximo filme, Hana-bi – um filme de ação visceral e contemplativo. Uma gratificante obra-prima.

Voltando ao presente, hoje temos Johnnie To como o maior expoente desse gênero no cinema contemporâneo. To volta a levar a ação para o lado operístico da coisa, das lutas coreografadas, do sangue aos borbotões. Mas ele, unindo o que havia de melhor em Leone e Peckinpah, criou uma assinatura sua. Em Assassinos de Elite ele demonstra por exemplo, com a metalinguagem, de onde veio tudo o que conhecemos hoje sobre o cinema de ação. E aqui ele consegue trazer Sergio Leone de volta à vida com a orquestração perfeita da ação e da violência em seu filme. Desde o uso das gruas, das frases de efeito e tudo o mais. Mas To quer fazer um cinema só seu. É ai que ele chega então com Eleição. Filme de ação por excelência, Eleição retoma a idéia das pequenas ações, para um grande filme de ação. Lá não há a carnificina referencial de Assassinos de Elite, mas sim uma serenidade na colocação de violência em cena. O que To quer antes é dissecar a relação dos personagens, num jogo complexo, pra depois nos revelar o espetáculo da violência, que surge em poucas cenas, mas não menos que impressionantes. Election é parte de uma trilogia que To vem criando (a segunda parte já foi lançada) buscando reestruturar o olhar diante dos gêneros, reciclando códigos já batidos e criando os seus próprios. Por isso, marquem bem esse nome: Johnnie To.

Retornamos então à América, criadora do cinema de ação, mas estagnada, presa em seus próprios signos do gênero. Hollywood que enriqueceu com o filão do cinema de ação que ela mesma criou, teve que importar os diretores orientais que renovavam o gênero pra se manter. Mas a grande revolução dentro do gênero veio de um americano nato: Michael Mann. Ele depois de filmes de ação mais clássicos como Fogo Contra Fogo, começa a partir de Colateral, uma experiência radical dentro do cinema de ação. Essa radicalização chega ao ápice em Miami Vice, filme assumidamente de ação, mas que na sua subversão ainda injeta doses fortes de romance. Mas Mann quer mesmo radicalizar no seu pintar daquele filme. Usando diversos tipos de câmeras e lentes, Mann faz um cinema de ação plástico, que prima menos pelo roteiro que pelas opções estéticas que ele utilizou numa tentativa sublime de revigoração de um gênero batido, mas não morto.

Interessante, vendo todos esses filmes, perceber a multiplicidade de formas e possibilidades que se tem dentro do cinema, mais ainda dentro de um gênero como o da ação. Isso por que ainda deixei de fora cineastas fortes e relevantes como Tsui Hark, Willian Friedkin, Bong-Joon Ho e Andrew Lau. O cinema de ação prova assim que pode-se sim ser contundente e profundo, pode-se questionar a imagem, o cinema, o homem, todos eles em contato direto com a mais primitiva das leis da natureza: a violência.

Rafael C. Parrode

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A primeira noite depois da tarde



No meu último texto eu fiz um desabafo sobre o como é ruim se sentir apenas mais um homem mediano no mundo. E concluí dizendo que estava tomando providências para que as coisas mudassem. Para minha alegria, ontem a noite tive indícios que estou seguindo o caminho certo.

Na exibição pública do “Além dos Outdoors”, meu primeiro documentário, tive uma prova concreta de que as coisas estão mudando. Deixei de ser um simples espectador para estar no centro das atenções. E devo confessar que isso nunca havia me acontecido antes. Falando em termos cinematográficos, deixei de ser um mero figurante pra me tornar um dos protagonistas.

Produzir esse filme foi um dos maiores presentes desse ano. Por causa dele eu deixei um emprego cômodo, mas desinteressante, conheci gente que nunca imaginava conhecer e tive a oportunidade de aprofundar laços com outras que eu já conhecia, mas que por puro preconceito e ignorância não tinha grandes vínculos. Esse filme me abriu a mente em diversos aspectos.

Para quem está acostumado com aplaudir, receber palmas é estranho. Fica a dúvida se aquelas palmas são sinceras ou puros gestos mecânicos que a boa educação preza. O mesmo acontece com a infinidade dos sorrisos recebidos. Se pelo menos 10% forem sinceros já fico feliz.

Em nenhum momento da minha vida eu me senti tão observado. Minha auto-estima também nunca esteve tão boa. Mesmo assim, ainda não foi possível levantar a cabeça pra encarar as centenas de olhares e nem falar o discurso que já estava pronto há anos na cabeça. Pra não passar uma vergonha ainda maior, é melhor falar pouco e coisas básicas, mesmo que fúteis.

É estranho se sentir querido. É estranho ver que pessoas deslocaram um pouco a rota de seus dias para poder lhe prestigiar. No fundo eu ainda acho que não mereço isso. No fundo eu ainda acho que eu sou uma fraude e que posso provar esse fato. Admito que pensei que aquele momento acabaria assim que as luzes do cinema fossem acesas. Mas quando sua rotina é marcada por pessoas especiais, a sensação se prolonga um pouco e vai até uma mesa de pit-dog. Isso tudo são resquícios de um homem que ainda não decidiu que rumo tomar.

Paulo Henrique dos Santos.

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Onde mora um artista


Um portão foi aberto para mim. No muro, o número 1031 bem grande. Veio me receber simpaticamente. Era uma figura familiar e ao mesmo tempo cheia de coisas novas, digo, de artes novas aos meus olhos.

Naquela manhã de sábado eu podia sentir o calor... do sol que estourava no céu e de algumas pinturas em seu aconchegante atelier. Quando entrei naquele cômodo ajeitado por ele, já avistei um montante de trabalhos. Alguns, envelhecidos pelo tempo, carregados de pó. Outros, com cuidado, ele envolveu em um fino plástico com o intuito de conservá-los. Um em especial trazia as seguintes palavras: “depois de lerem esta história, vocês terão de concordar que o destino das pessoas já vem traçado antes mesmo de nascer ou, até mesmo, antes que alguém tenha sonhado com a existência de tal ser”. Eu podia até não comungar da idéia, mas tinha que admitir a profusão de texto e imagem.

Tudo estava numa desordem exata, que o localizava com rapidez em meio aos papéis, pincéis, tintas, luvas, telas vazias, todas ansiosas pelo seu toque. Caminhei um pouco mais e de repente tive um embate com um enorme quadro. A pintura era tão sinestésica que qualquer pessoa teria gosto em tocá-la. Parecia veludo, mas não tinha aparência muito suave.

Ele insistia em me ver à vontade. E eu estava. Tanto que comecei a vasculhar cd’s e dvd’s deixados em cima de um balcão. Encontrei uma discografia dos Beatles e outros achados. Ali também estavam filmes de Almodóvar, Bergman, alguns do neo-realismo italiano e, o mais incrível, X-Men – O Confronto Final! É claro que era fascinante.

Encontrei esculturas, telas retocadas de dois em dois anos. Havia três desenhos recentes que, segundo ele, envolviam toques concretistas, dadaístas e outras tendências, ambas misturadas com a sua maneira lúdica de fazer o que mais ama. Era mesmo um meninão. Se atrevia a fotografar com Nikon. Usava tripé. Não ficou pra trás na era digital. Ele sabia operar fotoshop e coreldraw!

Não havia dúvidas. Tentava fazer de tudo. Em linguagem mais apurada, alguns conhecedores o chamaram de versátil. E era de fato. Aproveitei aquele sábado de uma maneira diferente. Queria ver, sentir o gosto estético que o lugar exalava. Estranho, não é mesmo?!

Diante de mim, se apresentava um artista tímido, mas que no fundo queria ser visto através de sua arte, de seu trabalho. Na verdade, acho que não queria fama pra hoje ou pra amanhã. Ele certamente fazia tudo porque não conseguia deixar de se movimentar diante das coisas da vida. Tinha muita sensibilidade pra isso. Sua arte é do aqui – e – agora, entretanto não se contenta em ser efêmera. Prova disso é que nem por um segundo pude me desfazer daquele ambiente, das suas telas, dos seus desenhos-esculturas, 1031, 1031... Nesse número estava alguém desenhado antes mesmo de nascer! Aí não podia mesmo ser diferente, eu confesso!

Maraísa Lima.

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