terça-feira, 15 de maio de 2007

AMOR EM TRÊS TEMPOS

‘’Física quântica, a física das possibilidades.’’



Ana tem feito todos os dias o que sempre faz, deseja loucamente – ou talvez nem tanto – viver uma outra vida. Ela caminha neste momento por entre os edifícios da vizinhança. O sol já se foi, mas não completamente. Ela carrega as compras do jantar e naquele momento deseja quase tão suavemente quanto a brisa que lhe toca o rosto, simplesmente chegar a casa, sentir a poesia de Djavan e preparar o jantar.



Hoje, mais que nunca, Ana precisa de uma refeição amorosa, sutil, com gosto de felicidade. Um sorriso discreto ilumina seu rosto, faz brilhar seu olhar enigmático. É que as palavras ouvidas há pouco ainda ecoam em seus ouvidos e reverberam em todo seu corpo ‘’...eu lamento por você’’...



Por um instante nada em volta existe... Só o cheiro do fim de tarde e o imenso vazio, a dúvida – chega quase a ser dor - mas neste momento, no justo instante em que a nuvem cobre seu olhar, um feixe de luz se lhe apresenta. Parece tão claro: tudo pode ser!



Neste instante é como se não houvesse tempo ou como se ele pudesse ser seu amigo e permitisse que tudo acontecesse simultaneamente. Como se ao invés de simplesmente se virar e partir, ela tivesse ido ao encontro do homem que a fez tremer e duvidar. E juntos eles tivessem escrito uma história de plenitude. Ela quase podia ver os dois nus na varanda, sentindo o sol se pôr, sorvendo lenta e calorosamente o vinho e suas próprias almas. Sendo mais que o momento presente, sendo um novo dia a cada dia, sendo a cada instante uma nova história, sendo tudo na linha do tempo. Ela podia vê-los naquela varanda falando de velhas histórias vividas ou sonhadas por muitos anos. Sim, ela pôde ver cada instante daquela vida e assim os viu já na plenitude, na mesma varanda de mãos dadas como antes e todos os dias - conversando, conversando.



Entretanto, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, ela opta por seguir em frente sem olhar para trás. Ela amava aquele homem e não queria ouvi-lo lamentando por sua vida, nem pela dele, mais que tudo ela o queria feliz – como fora antes – sem contratempos. Ela precisava dele inteiro e não distorcido por simulações e fraudes. Ela o preferia longe porque só assim poderia continuar admirando-o mais de perto. Ana não podia imaginá-lo outra pessoa, ela o queria, ele mesmo, inteiro, mesmo que à distância.


Ainda assim as possibilidades deles não se esgotavam. No mesmo espaço, naquela mesma tarde, não pensavam em nada, só havia a imensa presença, a perfeita conjunção. Sentiram-se simplesmente livres em seus corações e embora quisessem gritar ao mundo o que sentiam, embora quisessem compartilhar com todos a seu redor a imensa felicidade que sentiam, afogaram tal grito, bem no fundo do estômago e mesmo sentindo uma pontada de dor, permaneceram em seu anonimato, seguros e felizes em sua ilha de amor. Ainda que pequena - em tempo e espaço - era o mundo. Nele - aquele mundo - só eles viviam, e dela - aquela vida - só eles sabiam. Não partilhavam esse universo, porque lá não havia início ou fim, só o que eram e sentiam. E fora dali não havia nada, somente o cotidiano, o trânsito, as contas a pagar, o trabalho, enfim nada que valesse à pena mencionar.



‘’Lamento por você...’’ (Um homem, em algum lugar do passado)


‘’Não quero que vivamos em meio a simulações e fraudes, quero que continuemos a ser inteiros, para que possamos continuar nos admirando mutuamente’’ (Uma mulher, em algum lugar do passado)




Maria Cláudia Cabral
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