sábado, 17 de fevereiro de 2007

Tempos Modernos

Não! Esse não é um texto sobre Chaplin, tampouco acerca de seu clássico cinematográfico. Acho que nem seria capaz de tecer qualquer comentário a altura deles. Recolho-me em minha insignificância, optando por temas menos rebuscados. Falarei, então, de minha infância onde tenho o bônus do conhecimento da causa. Como todo menino de parcos recursos, sem uma caixa grande cheia de brinquedos para dominar meu dia inteiro, cresci acompanhado da TV. E adorava sua companhia. Talvez por isso, tenha ‘ficado’ insone. Ou o contrario, será que gostava tanto por causa da insônia? Sei lá. Nem me interessa! O fato é que assistia a desenhos animados, praticamente, o dia todo. Na minha época eles começavam, religiosamente, com o cantar do galo, às seis da manhã. Durante muito tempo, amanheci com o Gato Félix, não aquele tagarela colorido de voz insuportavelmente aguda que reinventaram uns anos atrás. Deliciava-me com o original em preto e branco, ingenuamente psicodélico (naquela época nem sabia que essa palavra existia, muito menos seu significado).

Falando em reinvenções... Alguém, por favor, seria capaz de dizer o que está acontecendo com os desenhos de hoje? É falta de imaginação ou estão simplesmente tentando faturar com os ídolos animados de ontem dos pais assoberbados de hoje? Conseguiram o impossível! Destruíram o supra-sumo dos desenhos animados infantis, Pica-pau (Woody Woodpecker) lançando um trambolho batizado “O novo show do Pica-pau” (The New Woody Woodpecker Show). Este bichinho azul de cabeça vermelha pode ser tudo, menos o passarinho ora sarcástico, ora ingênuo, ora egoísta, ora mentecapto que eu cresci cultuando. Adorava até os poucos episódios em que ele era a maior vítima de suas próprias armações. Eram outros tempos. Eram outras necessidades. Éramos outras crianças. Ainda ontem assisti a outro genérico, “As Aventuras do Picolino”. O original fazia parte do pacote “A Turma do Pica-pau”, hoje nem sei. Aliás, sei que agora tem seu próprio título ao preço de algumas alterações. No original o picolino era quase mudo, ou falava muito pouco, e invariavelmente os episódios tinham na fome o mote central, o reinvento é cheio de diálogos e inovações tecnológicas. Em tempos perdidos ele só queria a última lata de atum de um navio preso no gelo e guardado por um cão bobo e desajeitado, hoje ele faz peripécias por uma placa de energia solar de um campo de pesquisas tecnológicas avançadas (sic!), pelo menos ainda é guardada pelo mesmo cão bobo e desajeitado. Entretanto, o infeliz algoz contemporâneo não é tão engraçado. Antes só de ver o cão o sorriso nascia naturalmente no canto da boca, no reinvento é preciso ficar atento a todas as falas, as piadas não são visuais, são verbais. E pior, às vezes, com a tradução a piada se perde. Pobres crianças! Agora entendo porque o computador é tão interessante.

Tem mais! Infelizmente, assisti ao ‘genérico’ do Scooby-Doo. So-co-rro! Penso que era um ‘genérico’, prefiro crer nisso. Aquilo bem que poderia ser outro desenho, cujas personagens lembrassem o grupo da “Mistery Machine”. Acreditem se quiser, mas no meio de um episódio do ‘Novo Scooby’ aconteceu um show do “KISS” (sic!). KISS e Scooby!? Isso mesmo! Tudo bem que todo mundo sabe que o KISS é o maior projeto empresarial do mundo da música. Mas fazer propaganda no meio de um desenho? Uma banda que teve seu auge da década de 70 do século passado? Aí não! E como se não fosse possível piorar, quando a vilã é desmascarada e presa no carro de polícia, a banda aparece do nada e pergunta para meliante (uma linda adolescente loura, que queria acabar com o dia das bruxas porque seu aniversario coincide com o feriado estadosunidense, moradora de uma fazenda de milho que nem tem idade para votar, mas consegue criar espantalhos robôs – ufa!) quem pagará o cachê do show (sic!). O detalhe cruel é que o prefeito da cidade pode ser visto ao fundo da tela, sem participar da cena. Nesse momento, quase acertei a TV com um copo que tinha nas mãos. Por sorte, o bendito estava quase cheio de precioso café (tomo café no copo, sim, porque não tenho coordenação motora suficiente para manusear aquelas xícaras ‘afrescalhadas’ e minúsculas). Antes que seja mal interpretado, gosto muito do som do KISS, principalmente os álbuns do início da carreira com gravações ao vivo, mas nem por isso eles deixam de ser uma empresa (para céticos), ou um fenômeno mercadológico de grande apelo cultural (para sonhadores). Melhor não me comprometer, afinal, eles também podem ter sido reinventados no novo século. Alguém aí já ouviu falar em “The Doors 21th Century”?

Voltando ao que interessa. Ainda me lembro das lições de moral que a She-ra, o He-man, o Lion (Thundercats) ou o Quicksilver (Silverhawks – esse tinha uma música de abertura, emocionante, cheia de solos de guitarra) ensinadas no fim de cada episódio. Essas lições, definitivamente, moldaram meu caráter. A aventura nunca era gratuita, sempre havia uma motivação subliminar, que ganhava luz no desfecho da história. Certa vez, o príncipe Adam/He-man mostrou que nunca deveríamos mentir. As mentiras sempre eram descobertas e o mentiroso perdia a confiança da família e dos amigos, como aconteceu com o ‘Gorpo’ no episódio do dia. Quanta nostalgia! Se pudesse voltava no tempo.

Em meio a tanta modernidade animada me serve de consolo uma possível (in)explicação para - aquela que pode ser - a maior dúvida dos desenhos. Se o Pateta (Goofy), personagem antropomórfico como o Mickey, o Donald ou o Pão Duro McMoney, é um cachorro, que animal seria o Pluto? Minha única certeza se refere a ele ser o animal de estimação do camundongo mais famoso da história. Também sei que ele foi criado em meados de 1931, pouco tempo depois da descoberta do ‘último planeta’ do sistema solar (detalhe: em inglês eles têm o mesmo nome). Fazendo uma livre associação ao fato de Plutão hoje ser um não-planeta, afirmo, categoricamente, em tempos ‘modernosos’ como os atuais, que Pluto é um NÃO-CACHORRO (sic!!!).

A cada dia que passa, deixar de ser criança tem menos graça. Hei! Por obséquio, parem este orbe! Eu quero descer, nem que seja num satélite, num cometa ou não-planeta.

Rodrigo Duarte

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