domingo, 23 de março de 2008

“Síndrome do Fantástico”... O sanfoneiro...

“Quando olhei a terra ardendo
quá fogueira de São João...”
Luiz Gonzaga

Dia destes, estava eu andando entre dois centros comerciais de Brasília. O CONIC (que é uma espécie de shopping com escritórios, onde concentram-se centrais sindicais e partidárias – do campo de esquerda, em sua maioria) e o Conjunto Nacional (que tem mais cara de shopping, com lojas, cinema, praça de alimentação e, também, uma série de escritórios de serviços – médicos, odontológicos, cabeleireiros entre outros), separados pelo viaduto que passa “por cima” do Eixo Monumental de Brasília (que leva à e da Explanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes).
Na verdade, estava pesquisando preços de violão, haja vista o meu não ter agüentado o clima seco de Brasília e não ter mais salvação...
Passei em algumas lojas no CONIC, levantei preços, testei um aqui, outro ali e, depois de ter anotado os preços e seus estabelecimentos, resolvi almoçar no Conjunto Nacional. Seguindo pela calçada, à minha esquerda, lá estava aquele senhor, tocando sua sanfona (ou acordeom – realmente, sei que existe, mas não sei a diferença), acompanhado de sua esposa... pelo menos parecia se tratar de sua esposa.
Era uma quarta-feira, e um sol de 11:30 da manhã, escaldante, vertical, imperdoável. Quem caminhava naquele calçadão, sentia a sua força e imponência. Lá estava aquele senhor, tocando sua sanfona, com sua esposa segurando uma grande sombrinha sobre eles e, à frente, um pequeno banquinho de madeira com uma velha e desgastada vasilha de plástico azul e algumas poucas moedas, quase vazia.
Ao ver aquela cena, de longe, diminui o passo. Inicialmente, o fiz para escutar melhor o som que saia daquela sanfona. A seguir, a manutenção do passo lento foi para observar às pessoas que passavam e, lamentavelmente, não escutavam o som daquela sanfona... afinado... leve... firme... claro... limpo. Escutava um “xóte” que, uma pena, não reconheci. Mas sei que era um xote...
Segui meus passos e fui almoçar... Enquanto fazia meu prato e pagava, ficava construindo a minha pequeno-burguesa decisão: “Na volta, vou deixar um trocado”. Isso, enquanto almoçava uma refeição que me custou (Ave! Brasília!) cerca de R$ 20,00.
O que mais fiquei imaginando daquela cena foi a eminente possibilidade de aquele casal ter se conhecido por conta daquela sanfona. Fiquei imaginando aquele casal, surrado pela idade, se conhecendo há anos atrás, em um pequeno salão de festa comunitária, regada a um forró bem tocado pelo mais singelo e perfeito trio que o representa: zabumba, triângulo e a histórica e sempre necessária sanfona. Fiquei imaginando aquele senhor, jovem, imponente, sorridente, levando, com maestria, sua sanfona, com o perfeito acompanhamento de seus parceiros inseparáveis. Fiquei imaginando se aquela sanfona não foi imprescindível na tímida e verdadeira aproximação daquele senhor e daquela senhora que, naquele dia, entre o Conjunto Nacional e o CONIC, às 11:30 da manhã, procuravam juntar alguns trocados para, talvez, garantir a refeição do dia... E eu almoçando o equivalente à R$ 20,00...
Ao terminar minha refeição, separei uma nota de R$ 50,00. Segui de volta ao CONIC, pois já havia feito a comparação dos preços do violão (sim, voltei, em princípio, por isso) e, ao passar pelo casal – que ainda estava lá, no mesmo local – me aproximei daquela senhora, colocando a nota diretamente nas suas mãos.
“Deus o abençoe, meu filho”.
Segui, fechei o negócio e voltei ao Conjunto Nacional, para buscar meu carro e seguir caminho. Lá estava o casal... e o sanfoneiro ainda tocava.
Todos nós, com absoluta certeza, encontramos sanfoneiros em nossos caminhos... Não sei se me orgulho dos R$ 50,00 que deixei nas mãos daquela senhora... Não sei se me orgulho de relatar essa história no Arcamundo... Não sei... Realmente, hoje, no arcamundo, eu não sei...
Mas o som da bela sanfona, o sorriso daquela senhora, o meu almoço, o violão que comprei, o conjunto e o resultado desta obra toda, ainda assim, não era mais belo que o som afinado, leve, firme, claro e limpo daquela sanfona.
E, do outro lado da rua, o som alto invadia o ambiente: “Creu!”

Vida Longa...

Obs.: A história é real, aconteceu... Mas, se fores usar algumas das palavras aqui apresentadas, não deixei de lembrar destas minhas reflexões e de minha autoria.