quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Eu Vim do Século Passado...




...E agora é tudo tão estranho, as relações interpessoais são relações de consumo, onde tudo é descartável. As pessoas se encontram, se tocam, se beijam e vão embora numa dança frenética e infinita. É como se tudo não passasse de encontros e desencontros. É como se a vida não passasse de pequenas viagens ao país de Alice.

Observando as pessoas na noite, todas lindas e perfumadas preparadas para a caça incondicional, com caras, bocas, sorrisos, percebo que o objetivo é único...Encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e ir embora. Na noite seguinte encontrar alguém, beijar alguém e transar com alguém que não se sabe quem e nem nunca se saberá porque não há tempo...As pessoas não se dão o tempo necessário...Beijam sem saber quem estão beijando, se entregam completamente aos prazeres momentâneos embalados a whisky e energético sem saber exatamente onde isso vai dar, e na verdade sabem...Vai dar em nada...Porque não é nada, não significa nada, não há consideração, não há cumplicidade, não há carinho...Não há nada, só o vazio de ir e encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e de novo. E de novo....

É como um vício...Todos dependentes desse encontro às escuras...Todos dependentes de beijar um/uma desconhecida. Buscando, procurando compulsivamente algo que ninguém sabe exatamente o que é...

...Eu vim do século passado, e olho em volta e surpreendo-me com a inacessibilidade das relações e das pessoas. Ninguém está disponível nem para estar consigo mesmo.
Eu penso me enquadrar – em vão, e a sensação de vazio me leva a questionar este tipo de relação onde não sou nada e o outro não é nada também...

Caramba! Eu sou alguém! Eu penso, eu sinto, eu tenho idéias...Não concebo me confundir com uma massa humana, com pernas e pés e bundas e seios, que serve para alimentar, para saciar a fome e o vazio de um outro ser humano que está igualmente perdido em busca de respostas nessa loucura que é o mundo dos novos relacionamentos descartáveis. Onde tudo começa pelo sexo e termina com o gozo.

É isso! Tudo começa com o sexo e termina com o gozo. Quando o sol nasce, um novo dia uma nova preparação, uma nova conquista...Que começa com o sexo e termina com o gozo...E tudo de novo...E de novo e de novo...Numa roda frenética que não pára de girar, os dias vão passando, os meses, os anos...E quando percebemos... O que fizemos da nossa vida? O que construímos para nós? No dia seguinte estamos sós. A luz do sol mostra nossas imperfeições e realça o vazio interior. A cabeça gira...E mal nos reconhecemos quando nos olhamos no espelho. É possível? É possível ser diferente só por hoje?

Geração de zumbis que se enternece durante o dia encobrindo o abismo interno com trabalho, que se levanta à noite para esconder os buracos da alma com beijo na boca. Com a fantasia de que por 15 minutos podemos ser amados...O prazer, a luxúria...Fantasiados de amor por 15 minutos...E o vazio volta...Ok...’’Mais uma dose...É claro que eu to afim...A noite nunca tem fim’’...É, velho Barão... Barbies e Betty Boops...Mas e eles, são o quê? Caçadores vorazes, não percebem que o vazio não pode ser preenchido na noite?
Maria Cláudia Cabral
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8 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto.
Na verdade, as pessoas estão em busca de que?
Lembro que uma vez meu pai disse que não era para arrumar uma namorada e sim várias ao mesmo tempo, assim não sofreria por uma e nem por todas. Será que outros pais dizem as mesmas coisas? Sei que isso ficou, quando saio na night tenho sempre a idéia de que não vou ficar só por ficar e sim para namorar, mas as vezes, tem uma coisa que acontece, não sei bem o por quê, não consigo ficar com uma determinada pessoa no outro dia, parece que todo encanto sumiu no nascer do dia. Será que elas eram cinderelas? rsrs

Blog da Confraria disse...

O texto é atualíssimo.
Uma vez li um texto de um diálogo do OSHO com uma de suas seguidoras. Ela estava em dúvida se voltava para o seu ex namorado ou ia pra outro relacionamento. Ele afirmou que tudo isso é ilusão. A bem da verdade o que gostamos é de estarmos apaixonado, a magia do primeiro amor, então estamos sempre na ilusão de buscar essa magia. Eu acho bastante válida essa experiência com novos parceiros, gosto dessa ilusão, talvez eu tenha essa busca constante e aprendo com todas elas, a frustração faz a gente crescer e ao conhecer pessoas novas e poder relacionar com elas, há um crescimento individual. Eu concordo com seu texto, mas acho que o vazio é causado pela frustração de perder essa magia do primeiro amor, o estar apaixonado. E vejo isso como uma coisa extremamente positiva!!

Anónimo disse...

O que existe é o consumo e o medo da entrega. Quando se gosta, de verdade, ocorre uma doação, uma troca. O individualismo atual impede esse fatos tão belos.
E a solução? Rehumanizarmos. Comprar menos. Pensar na sáude e não na estética. Fazer mais amigos. Amar simplesmente.

JB Alencastro

Anónimo disse...

... também estou em busca de um legado a deixar

Anónimo disse...

"as pessoas"? "todos"? todos dependemos? Ninguém está disponível nem para estar consigo mesmo. será? "Eu penso, existo, eu tenho idéias". só você?

Maria Cláudia Cabral|Aika disse...

Delano,

Esse texto foi um desabafo, não é um ensaio científico. Só existe o que vemos, o que sentimos e a realidade em que estamos inseridos, nesse contexto. Ademais, refere-se aos solteiros, a partir de 30 anos, em grandes centros urbanos, realidade na qual estava inserida na época. Acredite, é assim mesmo que a coisa funciona.

Anónimo disse...

Penso que esse texto-desabafo como a própria Maria Cláudia define, é o desaguar dos dois ótimos e anteriores textos da mesma autora que discorrem sobre o virtual e o real. Pessoas que vivem nessa louca corrida em busca da "carne", certamente estão flutuando, e bem alto, no perigoso tapete voador que é o mundo virtual.

Anónimo disse...

Antes era diferente?

Antes da liberação sexual o sexo era o “pagamento” final que concluía os contratos. Os contratos eram melhores do que hoje? As relações eram mais profundas e/ou intensas do que hoje?

Não creio!!!

Também não dá para afirmar que essa roda (encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e ir embora) nunca pare. Chega um ponto em que ela começa diminuir o ritmo (espera-se que ela não diminua na fase “encontrar alguém” (rs)), até parar antes do “ir embora”...