terça-feira, 5 de junho de 2007

Pares e Ímpares - A Ditadura dos Pares

''Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde''
(Frejat e Cazuza)

''Caminho da liberdade, estarmos com quem desejamos estar, enquanto proporcionamos felicidade e aprendizado mútuo''.

Certa feita, passeando pelo Rio de Janeiro, justo na feira de antigüidades da Praça XV, deparei-me com a materialização da ditadura dos pares. Queria comprar uma taça - vejam bem, uma taça - daquelas de champagne antigas, boca larga, rasa. Encontrei a taça perfeita, em cristal, maravilhosa. Perguntei o preço - era ótimo! Feliz e pronta para comprá-la, pedi à vendedora, porém ela me respondeu que não venderia uma taça sozinha, que venderia o par. Há anos penso no que venho chamando de ditadura dos pares. Ei-la!

Repare: quando reencontramos conhecidos, amigos, ex-colegas de trabalho a primeira coisa que nos perguntam, logo após o tradicional ' e aí, quanto tempo!' é se estamos namorando. Incrível perceber que saber se somos um par ou se ainda somos ímpar é uma preocupação bem maior do que 'como você está'. Infelizmente estamos vinculados à idéia confundida de que 'bem estar' é 'estar com alguém'.

Solteiros em geral são vistos como pessoas solitárias, tristes. Se assim não é, costumam estar associados às baladas ininterruptas, às noites nos bares ou nas festas, buscando incessantemente companhias fugazes. Pergunto-me freqüentemente o que motiva a crença de que ser um par é o único caminho para a felicidade e para a auto-realização.

Pessoas sozinhas em restaurantes, bares, cinemas, teatros freqüentemente são vistas como alienígenas, sem amigos, sem família, sem ninguém. Será que não dá para imaginar que às vezes é muito bom sair sozinho? Que ao escolher sua própria companhia a pessoa está optando por um tempo com seus pensamentos, um momento para reflexões, introspecção?

Outro dia vi num filme bem bobinho frase sábia. A mocinha dizia para o mocinho ' não vim aqui para dizer que preciso de você para viver, seria mentira. Eu não preciso de você para viver, mas vim para dizer que quero viver com você' . Sapiência do filminho hollywoodiano. Estar com alguém por livre escolha, certamente é mais que estar por necessidade de 'alguém'.

Seja a necessidade financeira - modelo ultrapassadíssimo - mas ainda vigente, seja a necessidade de companhia - dependência afetivo-sexual - seja ainda a necessidade social - esta, a tal orientadora da ditadura dos pares - subjuga o indivíduo até fazê-lo crer que não pertence, que não é adequado se não for um par. A necessidade, seja ela qual for, nesse sentido é prisão que acorrenta almas. É desprovimento do fundamental direito à liberdade de ser, de estar, de ir e vir como bem lhe aprouver.

Escolha, por outro lado, é máxima expressão da liberdade. Liberdade de ser quem se é, de estar onde se quer, com a companhia que dê prazer, felicidade e alegria ou com nenhuma companhia. Liberdade é escolher ir ao cinema sozinho - ou acompanhado. Liberdade é escolher a solitude, podendo ser par por livre-escolha e não por imposição da ditadura social, financeira ou emocional. Escolher estar só ou com alguém, portanto, na minha humilde opinião, é melhor que sentir-se 'o último dos moicanos' só porque não se é par.

''Estou sozinha porque quero estar sozinha, antes só que mal acompanhada'' (C.A., jornalista).


'' Por que alguém como você não tem namorado?'' (um homem dia desses).

Maria Cláudia Cabral
Respeite o direito autoral. Se for citar o texto, dê crédito à autora.

8 comentários:

Anónimo disse...

Brilhante, perfeito. Adoro sempre e esse nao poderia ser diferente.

E.T - Um ex-amigo

Anónimo disse...

É...eu também já tentei comprar uma taça em feira de antiguidades e fiquei tão revoltada com a "explícita ditadura dos pares" que desistí...É isso aí...mas ainda bem que temos nossas "liberdades", difícil é saber lidar com ela sem o auto-conhecimento, sem a certeza do que se quer e se deseja.
Mas posso afirmar que, por mais de uma vez, me sentí "o último dos moicanos" e às vezes "o ...do cavalo do bandido" casada ou mal acompanhada, portanto, muitas vezes é ótimo estar sozinho (sem acompanhante), até porque sozinhos nunca estamos...os pares e conjuntos, no minimo, estão à nossa volta ou dentro de nós.
Ah...o comentárista acima se diz um ex-amigo...isso existe?

Anónimo disse...

o problema é a coisa do "lagoa azul", sabe? as pessoas gostam tanto daquilo que querem ser aquilo. os filmes todos, aliás, de "titanic" a "e o vento levou...".

e de novo todo mundo se esquece que ter alguém não é complementar a sua possível felicidade mas sim suplementar. dai somos mesmo obrigados a receber olhares de pena ou de estranheza.

triste mesmo são os pares solitários, casais de pessoas sozinhas. um vazio preso a alguém que não prenche. ah, e são tantos...

obs.: LOL! ex-amigo? do tipo, "ex-namorado amigo", né? só pode... e vamos causar, né? pra quê...

cecinhaamorim disse...

Caramba!Leu meus pensamentos...exato! Ja passei por poucas e boas por causa dessa concepção simplista de ver as coisas, as relações e o sentimento de "estar feliz"...adoro estar comigo, nunca só. Adoro e estar com os outros e compartilhar...adoro o meio termo.

Anónimo disse...

Xanda e Marvin, adivinhem o tema da próxima semana...rsrsrsrs

Anónimo disse...

né por nada não, mas as teorias do feng shui discordam da idéia do ímpar... e Platão deve estar se revirando no túmulo com essas suas declarações exaltadas de independência emocional =>
http://www.fotolog.com/b0neca_de_trap0/14079681

Anónimo disse...

Esta "ditadura" nos aprisiona e reprime, quando na verdade só queremos a liberdade. Acho que aquela é grande responsável pelos relacionamentos relâmpagos atuais. As pessoas não se amam e ficam cobrando, cobrando, cobrando... e o outro tem sempre que tapar todas as lacunas. Talvez, dois ímpares formem melhor um par. ;)
Muito legal o texto.
@>--'--

Anónimo disse...

Falou pouco mas falou bonito... É isso aí... ditadura dos pares... hoje em dia todo mundo pergunta "e aí, já casou?"... reparem e vejam, estamos vivendo em um mundo onde quem não tem quatro braços não é feliz... não que estamos felizes ao extremo em estarmos sozinhos... mas pera aí... posso estar sozinho sim e ninguém tem nada a ver com isso... a solidão é opção ou escolha forçada... não tem jeito!