segunda-feira, 28 de maio de 2007

A simplicidade da Primavera

Contos de Primavera é um filme suave, sutil. O cineasta Erick Rhomer trata de relações humanas, de sentimentos e de coisas cotidianas de uma forma muito natural, acompanhando a vida de suas personagens à distância, como se estivesse as assistindo, sem participar de suas ações.
O filme conta a história de Jeanne e de Natasha, duas pessoas que se conhecem por acaso em uma festa e se tornam amigas rapidamente. Jeanne é uma professora de filosofia muito comunicativa e sozinha. Se vê desabrigada quando empresta seu apartamento pra uma prima e não deseja permanecer no apartamento do namorado, enquanto este está ausente. Natasha é uma jovem tão solitária quanto a amiga. Filha de pais separados, mora praticamente sozinha, uma vez que o pai está sempre com a namorada, que por sinal, Natasha detesta. Dessa maneira, a garota começa a ver na amiga, uma possível substituta para a namorada do pai e, aparentemente tenta fazer de tudo para aproximá-los.
O filme se baseia no discurso. Os diálogos são mais recorrentes e mais importantes que as ações. Muito se fala de filosofia, de relacionamentos, de sentimentos, de carências, de solidão, em vários jogos de palavras. E é exatamente através dessas falas que as personagens se revelam. Entretanto essas revelações são parciais. Como na vida real, não se sabe se o que uma pessoa diz é sincero e verdadeiro, ou se é uma imagem oportunista que ela quer passar de si mesma. Assim são as personagens de Rhomer: ora se mostram ingênuas e carentes, ora oportunistas e maquiavélicas.
Jeanne e Natasha falam muito de si, se entregam e confiam muito uma na outra, apesar de terem acabado de se conhecer. Surge uma cumplicidade entre elas, uma busca por saciar seu desejo de companhia, de ser o centro das atenções, de romper com a solidão. Ambas dão pouca importância ou quase nenhuma a seus respectivos namorados, tratando de forma egocentrista de seu universo particular. São personagens ressentidas com suas próprias vidas, e que, exatamente por isso, não conseguem falar de outra coisa.
Podemos afirmar que é um filme que trata sutilmente do universo feminino e de seus conflitos. As personagens principais são mulheres: fortes e fracas ao mesmo tempo. E outras personagens femininas assumem papel importante na trama, como Eve, a namorada do pai de Natasha ou sua mãe, da qual ela sempre lembra com críticas e melancolia. Enquanto isso, os homens assumem papel secundário na trama e se resumem em ser a razão dos problemas femininos. Por vezes, um toque de lesbianismo fica no ar.
Contos de Primavera, que faz parte da série intitulada Conto das Quatro Estações, traz muito da primavera que sugere no título. Apesar dos conflitos, as cenas da casa de campo no jardim florido, as cores suaves da fotografia, a sutileza com que é contado... tudo lembra a leveza da primavera.
O filme segue uma estrutura de causa e conseqüência ininterrupta, desde o momento em que Jeanne e Natasha se conhecem, até o desfecho da história do colar que havia desaparecido, sempre com uma coisa levando a outra. Apesar disso e de ter uma história facilmente compreensível, não é um filme clássico. É uma narrativa moderna, que desenvolve com naturalidade a trama das personagens sem querer emocionar ou explicar demais as coisas.
O final em aberto sugere a continuação da vida daquelas pessoas de uma maneira cotidiana, que dali pra frente pode ser diferente, exatamente porque uma cruzou o caminho da outra e isso deixou marcas; ou pode continuar seguindo seu curso normal, sem que nada se modifique, fazendo daquela história uma mera lembrança. Dualidade que acontece diariamente em nossas vidas. Trata-se de uma trama comum, com um roteiro simples e muito bem contada.
Camila Pessoa.
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terça-feira, 15 de maio de 2007

AMOR EM TRÊS TEMPOS

‘’Física quântica, a física das possibilidades.’’



Ana tem feito todos os dias o que sempre faz, deseja loucamente – ou talvez nem tanto – viver uma outra vida. Ela caminha neste momento por entre os edifícios da vizinhança. O sol já se foi, mas não completamente. Ela carrega as compras do jantar e naquele momento deseja quase tão suavemente quanto a brisa que lhe toca o rosto, simplesmente chegar a casa, sentir a poesia de Djavan e preparar o jantar.



Hoje, mais que nunca, Ana precisa de uma refeição amorosa, sutil, com gosto de felicidade. Um sorriso discreto ilumina seu rosto, faz brilhar seu olhar enigmático. É que as palavras ouvidas há pouco ainda ecoam em seus ouvidos e reverberam em todo seu corpo ‘’...eu lamento por você’’...



Por um instante nada em volta existe... Só o cheiro do fim de tarde e o imenso vazio, a dúvida – chega quase a ser dor - mas neste momento, no justo instante em que a nuvem cobre seu olhar, um feixe de luz se lhe apresenta. Parece tão claro: tudo pode ser!



Neste instante é como se não houvesse tempo ou como se ele pudesse ser seu amigo e permitisse que tudo acontecesse simultaneamente. Como se ao invés de simplesmente se virar e partir, ela tivesse ido ao encontro do homem que a fez tremer e duvidar. E juntos eles tivessem escrito uma história de plenitude. Ela quase podia ver os dois nus na varanda, sentindo o sol se pôr, sorvendo lenta e calorosamente o vinho e suas próprias almas. Sendo mais que o momento presente, sendo um novo dia a cada dia, sendo a cada instante uma nova história, sendo tudo na linha do tempo. Ela podia vê-los naquela varanda falando de velhas histórias vividas ou sonhadas por muitos anos. Sim, ela pôde ver cada instante daquela vida e assim os viu já na plenitude, na mesma varanda de mãos dadas como antes e todos os dias - conversando, conversando.



Entretanto, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, ela opta por seguir em frente sem olhar para trás. Ela amava aquele homem e não queria ouvi-lo lamentando por sua vida, nem pela dele, mais que tudo ela o queria feliz – como fora antes – sem contratempos. Ela precisava dele inteiro e não distorcido por simulações e fraudes. Ela o preferia longe porque só assim poderia continuar admirando-o mais de perto. Ana não podia imaginá-lo outra pessoa, ela o queria, ele mesmo, inteiro, mesmo que à distância.


Ainda assim as possibilidades deles não se esgotavam. No mesmo espaço, naquela mesma tarde, não pensavam em nada, só havia a imensa presença, a perfeita conjunção. Sentiram-se simplesmente livres em seus corações e embora quisessem gritar ao mundo o que sentiam, embora quisessem compartilhar com todos a seu redor a imensa felicidade que sentiam, afogaram tal grito, bem no fundo do estômago e mesmo sentindo uma pontada de dor, permaneceram em seu anonimato, seguros e felizes em sua ilha de amor. Ainda que pequena - em tempo e espaço - era o mundo. Nele - aquele mundo - só eles viviam, e dela - aquela vida - só eles sabiam. Não partilhavam esse universo, porque lá não havia início ou fim, só o que eram e sentiam. E fora dali não havia nada, somente o cotidiano, o trânsito, as contas a pagar, o trabalho, enfim nada que valesse à pena mencionar.



‘’Lamento por você...’’ (Um homem, em algum lugar do passado)


‘’Não quero que vivamos em meio a simulações e fraudes, quero que continuemos a ser inteiros, para que possamos continuar nos admirando mutuamente’’ (Uma mulher, em algum lugar do passado)




Maria Cláudia Cabral
Copyright da autora. Todos os direitos reservados

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Do Improviso e do Desapego

''Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais''
(Zé Rodrix e Tavito)
Cá estou eu, correndo de novo. Escrevendo de improviso e atrasada - está virando hábito. Embora costume acordar segunda-feira cheia de idéias para o texto de terça, e ainda o faça, a mudança tem-me imposto novas rotinas. Questões urgentes para resolver, realização de sonhos. Ainda assim, sinto-me saudosa do som dos dedos no teclado. Sinto saudades de expor o pensamento e os sentimentos - e são tantos nesse momento de mudanças que talvez o ciberespaço seja pequeno para lhes dar cara.
Passada a semana em que me virei em mil para arrumar minha ''casa no campo'', passado o alvoroço da seleção, a vida vai aos poucos tomando seu rumo. Emprego novo, trabalho novo. Novos desafios, sonhos realizados e as coisas do dia-a-dia vão se assentando - ainda que a base de improviso e desapego.
Improviso, no entanto, não é privilégio do blog. Tenho exercitado dioturnamente essa qualidade como há muito não fazia. Desapego é desafio. Fazer caber o conteúdo de um apê de 140m, num loft charmoso de pouco mais de 50m é fazer o caminho de Santiago de Compostela. Creiam, é verdadeira viagem interna. Há que exercitar o desprendimento das coisas materiais. Há que exercitar a escolha. Isto ou aquilo - senão não cabe!
Rearranjar os móveis - escolhidos por outrem - num pequeno espaço e ainda deixar com a sua cara é tarefa das mais árduas - e das mais criativas também. Arrumar solução para uma cômoda pesada num espaço pequeno ou para um sofá-cama preto e volumoso, idem. Ter de abrir mão da sua Brastemp novinha e ultra moderna em favor da Cônsul da locadora - já meio carcomida pela longa vida - não é mole - mas nada que uma adesivagem não resolva, claro!
E os livros e cds, como ficam? Bem, depois de abrir mão de boa parte dos livros em favor de amigos e instituições, resta virar-se em mil para que os 'heróis da resistência' caibam no espaço do loft. Para isso usar os metros cúbicos, em lugar dos tradicionais metros quadrados na hora de calcular o espaço a ser utilizado, é fundamental. Funciona ou pelo menos está funcionando - mas ainda não acabou. Quanto aos cds - não me agridam, por favor - cometi o sacrilégio, segundo uma grande amiga, de digitalizar (esse verbo existe?) todos. Sim, todos! Música pertence à dimensão virtual, é intangível, amigos, cd é objeto da dimensão real. Como vivo lá e cá, optei por guardar minhas músicas lá, em seu habitat natural.
Deixar todos os bilhetes, cartinhas, objetos e coisinhas acumuladas. Abrir mão de roupas e utensílios que não se usa há anos, ''mas podem ser úteis em algum dia'' é um super exercício de desapego. Assim vai seguindo a mudança, abrir mão de objetos e coisinhas acumuladas até aqui vai ficando mais fácil a cada instante. Deixar ao longo do caminho aquilo que não é essencial, manter tão somente aquilo que se pode carregar sozinha é tornar a vida mais leve. Filosofia de vida.
''Eu gosto de ler os encartes, ver a ficha técnica e todas as informações que vêm no cd...'' (A.L., filósofo)
'' Como assim vai dar todos os seus cds???? Não, eu não consigo, preciso vê-los e tocá-los'' (C.A., jornalista)
Maria Cláudia Cabral
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quinta-feira, 19 de abril de 2007

O otimismo

Era dia ou era noite
Mas era, sobretudo, hora de dizer que no fim das contas
Sempre é o fim das contas.

Eu deixei alguém me dizer o contrário
E era dia ou era noite
E eu já não me lembro exatamente, no fim,
Quais eram as contas do qual sofria.



Maria Clara Dunck
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quarta-feira, 18 de abril de 2007

Sobre...

''Vi tanta areia, andei
Na lua cheia, eu sei
Uma saudade imensa''
(Edmundo Souto, Danilo Caymi e Paulinho Tapajós)



E eu aqui... Tantas coisas sobre as quais escrever, sobre as quais pensar:



Sobre o que significa relacionamento ou 'relacionar-se com os outros no novo século'. Sobre como as pessoas têm visto seus pares. Sobre o espaço individual, sobre o sobrenatural...Sobre o olhar, sobre os olhos que se tocam – essa indiscreta invasão.


Olhares.


Sobre pais e mães e filhos e tios e sobrinhos...Sobre maridos e esposas, sobre companheiros e parceiros, sobre amantes, amores, amigos, sobre todos nós.


Os nós.


Sobre como o eu cresce e o tu diminui, sobre como os nós se agravam e gravam as relações com marcas indeléveis. Sobre o afastamento recíproco. Sobre como o meu é maior que o seu, que é maior que o nosso, que é muito maior que o dos outros, próximos ou distantes.


Próximos e Distantes.


Sobre como as tardes arrefecem diante das horas que passam, dando lugar à escuridão da noite - queiramos ou não. Sobre 'como agir diferente da multidão pode causar burburinho'.


Deus-nos-acuda.


Sobre como afetuosidade, atencão e amizade podem parecer interesse, bajulação e carência aos olhos dos habitantes da matriz em que vivemos. Sobre a ilusão da vida e como ela pode desfocar a perspectiva. Sobre as borboletas que voam no jardim. Sobre a paraíso e os sonhos. Sobre imaginar um mundo melhor e mais justo. Sobre um lugar onde não se preencham lacunas. Sobre as reticências e os significados. Sobre ter o que dizer e dizer palavras soltas sem qualquer sentido.


Caminhos.


Sobre o querer e o desejar. Sobre Schoppenhaeur. Sobre Freud. Sobre Jung. Sobre Caetano.
Sobre razão e emoção. Sobre pensar e fazer. Sobre o impulso. Sobre o pulso. Sobre a vida e a morte. Sobre escolhas.


Desígnios.


Sobre as perguntas silenciosas. Os sentimentos ocultos. Sobre os sonhos, os desejos, os impulsos, as opções. Sobre a liberdade.


Escolhas.





Maria Cláudia Cabral
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quarta-feira, 11 de abril de 2007

Dos meus dias

Eu me arrependo do que faço
E do que não faço.
Onde diabos está a tranqüilidade
Entre a ação e a passividade?

Entre o controlar e o deixar-se levar
Eu fico com a dúvida.
E nunca sei em que pensar,
Só penar.

Quero desesperadamente um coração inteligente.


Maria Clara Dunck
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terça-feira, 10 de abril de 2007

TEMPO DE ACONTECER uma Ode a Brasília



''Céu de Brasília
traço do arquiteto
gosto tanto dela assim''
(Caetano Veloso e Djavan)





É isso aí... Hora de partir mais uma vez, arrumar a mala, empilhar os livros, encaixotar a casa, puxar o cachorro pela coleira – filhos, comigo já não há – e seguir adiante, novos horizontes à vista.



Hora de abrir os braços, esticar as pernas, apertar os olhos e enlarguecer o sorriso para os desafios que se descortinam bem à frente. Momento de realizar. Tempo de acontecer!




Acontecer em Brasília, cidade – repito e repito – que escolhi para chamar de minha. Não há como, perdoem-me os cearenses, os paraenses, os paulistas, os baianos, os cariocas e os goianos, mas Brasília – em minha vida – é fundamental. Não que os lugares por onde passei antes e depois de Brasília não tenham importância, dizer isso seria descarada mentira. Cada uma das cidades em que morei foi responsável por um pedaço de mim, por uma parcela importante do meu pensamento caótico, por um tiquinho das minhas sentimentalidades, mas ela me traduz na íntegra, me acolhe, me come, me toma inteira. Brasília me fez mulher.



Brasília me devora e eu – impulsiva – me entrego a ela como me entrego a mais ninguém. Posso chamá-la 'meu único amor', pois só a ela me dou: corpo, alma, coração e mente. Nela, sinto-me espírito liberto e libertador. Em suas quinas me encontro, e encontro a essência feminina: menina, mulher. Na retidão de seus traços, a linha reta do meu pensamento tortuoso. No céu - ah! O céu de Brasília - a grandiosidade daquela que supera todos os obstáculos naturais, guerreira, sobrevivente de uma vida errante. Nascida do sonho visionário, feita de silêncio e sons, surgida no meio do nada, no centro de tudo.



Brasília da diversidade de sabores, da pluralidade de cores, dos cheiros, dos gestos, dos sons. Sons de todos os pontos e das pontes. Aquela que forja o Mercado, que inventa esquinas e pinta tradução dos botecos de outrora. Que se resguarda no leito e se entrega no púlpito, ou será o contrário? Brasília, a loba correndo em círculos, que não só alimenta a matilha - lobos vorazes – como os enfeitiça. Quadradinho mágico.


Bras'ILHA da fantasia' dos visitantes sazonais, da labuta de filhos e enteados, agregados e desterrados que por aqui transitam sem pudor, sem licença. Brasília tribalista: de todos e de ninguém. Livre e limitada, grandiosa e provinciana, sagrada e profana, urbana e rural. Brasília dicotômica, controversa, antagônica. Brasílias: plural! Ame-a ou odeie-a, ignorá-la: jamais!


Brasília, '' põe meia dúzia de Brahmas p'ra gelar, que eu 'to' voltando!


''Sou colcha de retalhos, identifiquei-me com Brasília. Saí duas vezes, voltei. Aqui é meu lugar!'' (M.C. Ontem)




'' Vir para Brasília me fez ver muitas coisas sobre Goiânia, estou voltando'' (M.A.V., 09 de abril/2007)







Maria Cláudia Cabral

quarta-feira, 4 de abril de 2007

A solução ainda é a Diplomacia

Depois da Guerra no Iraque, a população mundial teme que o conflito gerado entre Irã e Estados Unidos devido ao programa de enriquecimento de urânio do país persa, culminem em um novo conflito armado no Oriente Médio. Nos últimos dias o quadro de tensões se agravou devido à prisão de quinze marinheiros britânicos no Golfo Pérsico, sob a acusação de invasão de águas iranianas. Os marinheiros continuam sob o poder de Teerã, o que ocasionou séria crise diplomática entre Irã e Reino Unido.
O país persa possui 9% das reservas mundiais de petróleo, além de vastas reservas de gás natural. Mas a economia não tem ido bem, e o governo de Teerã enfrenta o desafio de reduzir a inflação e o desemprego, que atingiu cerca de 11,2% da população em 2004, segundo pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo. Tais fatores já seriam suficientes para justificar interesses de países de primeiro mundo na região. Além disso, no ano passado, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anunciou que havia conseguido enriquecer urânio pela primeira vez, na quantidade de 3,5% do material processado. O governo afirmou que desejava produzir energia nuclear pra diversificar suas fontes de energia e não precisar mais importar de fornecedores estrangeiros. Teve então, início a mobilização de países como EUA para impedir o enriquecimento de urânio no Irã.
O enriquecimento de urânio em níveis baixos é capaz de produzir combustível para reatores nucleares, mas em quantidades elevadas, pode ser usado em bombas. A quantidade necessária para produzir uma bomba nuclear é de 90%. Sendo assim, não existem provas concretas ou indícios reais de que o país esteja interessado ou que tenha condições de desenvolver armas nucleares. Mas o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas – ONU - , afirma temer que o Irã , sigilosamente tente desenvolver uma bomba.
O Irã faz parte do Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP – segundo o qual, um país tem o direito de enriquecer seu próprio combustível para geração de energia nuclear com fins civis, sob a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA. Ainda assim, no último dia 24, O Conselho de Segurança da ONU aprovou novas sanções ao Irã pela manutenção de seu programa nuclear. O pacote de sanções foca a exportação de armas, as ações do banco estatal Sepah e o comando de elite da Guarda Revolucionária do país. O Chanceler iraniano, Manuchehr Mottaki, diz que a resolução é "ilegal, desnecessária e injustificável".
Desde que teve início o conflito, EUA e Irã não cansam de demonstrar publicamente seu poderio armamentista, em testes e treinamentos militares que os governos insistem em definir como “rotineiros”, mas que explicitam uma espécie de diálogo entre as duas nações com o objetivo de provar suas forças e sua capacidade de defesa. Um dia antes do aprisionamento dos marinheiros britânicos, a marinha do Irã realizou treinos militares com o uso de submarinos e pequenas embarcações com lançadores de mísseis. Os treinos visariam mostrar poder de defesa para proteger o Golfo Pérsico e deveriam durar uma semana. Quatro dias depois, a marinha dos EUA também realizou exercícios militares no Golfo Pérsico, com o uso de navios, porta-aviões e aeronaves militares. O que nos remete às lembranças da Guerra Fria.
Tony Blair já afirmou algumas vezes que, caso a solução diplomática e imediata para o problema não seja possível, deverá ser tomada “uma posição mais dura”, mas descarta a realização de uma intervenção militar. Isso pode ser provado pelo decorrer dos dias em que os militares britânicos estão em poder iraniano. Se algo mais drástico fosse ser realizado, podemos acreditar que já o teriam feito, principalmente pelo fato de pedidos de libertação imediata vindos, inclusive da ONU, terem sido completamente ignorados pelo país persa.
Diante de toda essa situação e, levando em conta o contexto histórico, econômico e geográfico em que este conflito está inserido, podemos acreditar que, pelo menos por enquanto, os Estados Unidos e o Reino Unido não têm motivações e até mesmo coragem suficientes para realizar uma investida armada contra o Irã. Comecemos por todas as conseqüências negativas que a invasão do Iraque trouxe aos Estados Unidos: milhares de perdas humanas, com soldados morrendo diariamente em território iraquiano, a grande perda da popularidade de George W. Bush diante do seu eleitorado e da população mundial – que, diga-se de passagem, nunca gostou dele mesmo - , as perdas financeiras diante do estrondoso aumento do preço do barril do petróleo, dentre outros fatores que comprovam os inegáveis prejuízos dessa guerra. Mais uma invasão em terras do Oriente Médio agora seria absolutamente inviável.
Outros fatores a serem considerados são a superioridade territorial do Irã com relação ao Iraque, e, também, a superioridade do seu exército, com relação ao do país invadido. Tudo isso dificultaria muito mais uma invasão a terras iranianas. Além disso, o Iraque encontrava-se internamente dividido por forças religiosas, a população estava separada entre xiitas e sunitas e vivia em meio a conflitos internos. Já no Irã, não existe esse problema: a grande maioria da população (89%) é de muçulmanos xiitas e o sentimento de nacionalismo nesse país é forte.
Muitos afirmam que o Irã pode estar blefando no que diz respeito à sua capacidade de enfrentar um conflito armado, mas é verdade, também, que o país possui influências na região e que, na possibilidade de uma guerra, poderia contar com reforços, o que levaria o conflito a proporções bem maiores do que as imaginadas e com conseqüências catastróficas.
Diante de tudo isso, um conflito armado e uma intervenção direta dos Estados Unidos no Irã agora, não interessaria a ninguém e todas as partes sairiam prejudicadas. Não há sinais de que o Irã vá desistir de seu direito de enriquecer urânio e de lutar contra as sanções que têm sido impostas àquele país. Também não há indícios de que libertarão tão facilmente os prisioneiros britânicos que se encontram em Teerã. O ministro de Assuntos Exteriores iraniano, Manouchehr Mottaki afirmou, no último dia 24, sobre as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU, que “A resolução se afastou dos propósitos declarados pelos patrocinadores e --com medidas contra as instituições de defesa, econômicas e educativas do país-- estão perseguindo objetivos além do programa nuclear iraniano". Afirmou ainda que o Irã não funciona com "ameaças e intimidações" e pediu aos membros do Conselho que "voltem ao caminho da negociação baseado na justiça e na verdade".
O Irã está se impondo internacionalmente, disso não tenhamos dúvidas, e ameaças “psicológicas”são realizadas diariamente de todos os lados. Mas ainda podemos acreditar que estamos longe de mais um conflito armado que desencadeia no mundo o medo da Terceira Guerra Mundial e do fim da humanidade. Também as grandes nações compartilham desse medo e com certeza, não subestimam tanto assim a soberania dos povos do Oriente Médio e suas capacidades. Tony Blair e George Bush terão que se esforçar bastante pra impor sua palavra e o medo sobre o qual governam, mas a saída ainda é a diplomacia como afirmam insistentemente os porta-vozes, nas edições diárias dos jornais. Enquanto isso, vamos vivendo o clima de Guerra Fria.

Camila Pessoa de Souza.

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terça-feira, 3 de abril de 2007

TUDO AO MESMO TEMPO, AGORA!!!

Há meses escrevo essa coluna, nunca estive com tantas idéias, nunca estive tão vazia de palavras.

Há tantas coisas acontecendo em torno e dentro de mim, inclusive a TPM, sobre a qual falei ano passado.

Parece que tudo está acontecendo ao mesmo tempo, agora! O rock que toca ao fundo - Offspring - o filme do Adam Sandler na TV a cabo, a lua majestosa lá fora (lua majestosa é lugar comum?), o mundo girando, os vôos atrasando, o mergulho interior na terapia corporal e meus sonhos mais remotos se realizando. Sim! Meus sonhos estão se realizando.

Desculpem, mas em lugar dos palpites e críticas escreverei o mais rasgado agradecimento:

Grata estou porque vou morar na cidade que amo e que escolhi para chamar de minha;

Grata estou por que finalmente irei trabalhar na área que adoro;

Grata estou por que finalmente estou dissolvendo o muro que me separa dos meus sentimentos mais profundos;

Grata estou porque apreendi a libertar meus filhos das garras dependentes da mãe deles;

Grata estou porque tenho os melhores amigos que uma mulher pode ter;

Grata estou porque ganho menos do que mereço, mas mais do que preciso para viver;

Grata estou porque sigo em frente, cabeça erguida, mesmo depois de tropeços e tapetes puxados...

Sorrindo, sempre sorrindo...

Só posso agradecer? Não, posso mais... Posso pedir tudo o que quero: E quero muito ainda

Quero paz para o mundo;

Quero igualdade de oportunidades para toda a população brasileira;

Quero educação para todos;

Quero arte e cultura por toda parte;

Quero direitos humanos para aqueles cujos direitos ainda precisam ser minimamente respeitados;

Quero uma linda casa, com quintal e pomar, com redes na varanda, energia solar, horta, muitos livros, música, filmes e uma janela para o mundo;

Quero o mais belo pôr-do-sol a cada dia;

Quero o mais belo amanhecer, todos os dias, não necessariamente nessa mesma ordem;

Quero alguém especial para compartilhar idéias, afetos, temperos e carinhos;

Quero pássaros cantando e brisa no rosto;

Quero tudo, quero o mundo, tudo ao mesmo tempo, agora!!!


Maria Cláudia Cabral

quarta-feira, 28 de março de 2007

Fechada

Quero ser uma porta
Branca e envernizada, enquadrada nas paredes
E justificada nas réguas pra não ser torta.

Nada quero que me preencham,
Oca e sonora, seria eu mesma e meu nada.
Portas costumeiras, mas não na leveza.

Linda, estável, modificada:
A porta que não mede o que entra e o que sai
Apenas o que jamais a afetará.

Porta de maçanetas douradas
De quarto de bebê; na verdade,
Eu só não quero ficar em frente à sacada.

Maria Clara Dunck
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terça-feira, 27 de março de 2007

NEM AREIA, NEM PEDRA


‘’Eu sou poeta e não aprendi a amar.’’ (Cazuza e Frejat)




Amar se aprende amando, já dizia o poeta – ou terá sido o filósofo? Não importa, vale saber que amar é muito mais que mergulhar de olhos fechados num mar de sensações e sonhos. Que é mais que o friozinho na barriga, as mãos suadas – ou espalmadas, como diria Vinícius. ‘Amar se aprende amando’, mas afinal como sabemos onde está a fronteira entre o apreço sincero ou o tesão ou a carência e o amor?


Honestamente? Não sei. Sei apenas que o mito do amor romântico já não cabe mais. Idealizar o ser amado, vesti-lo num modelo pré-fabricado de parceiro é caminho sem volta para a decepção. Há muitos anos ouvi uma frase, no capítulo final de uma novela das sete horas (engraçado isso), o homem dizia à mulher ‘’não amo você ‘apesar de’, mas ‘por causa de’’’. Amar talvez seja isso, aceitar o outro tal qual ele é realmente. Porque ele é egocêntrico e inflexível – e há aí um largo espaço para aprendizado recíproco e crescimento –, e não apesar de ela ser defensiva, que comporta uma sensação de ‘’então tá, eu aturo’’. Encarar a humanidade do parceiro, ver-se desnudada por ele, crescer com isso.


Estar disposto a ver de frente a humanidade do outro é colocar-se pronto para a construção do relacionamento, para a construção do amor. Não mais o amor romântico, que não depende de esforços, posto que é como chama ardente que se acende e se apaga, mas o amor platônico – cuidado aqui com o senso comum de amor platônico, vale ler um pouco mais a respeito do conceito de amor, segundo Platão – que se modifica e amadurece, que se liberta do plano mesquinho dos fatos, rumo ao plano das idéias.


Essa construção, tenho aprendido, não é possível sobre areia, tampouco é possível sobre rocha. O que significa isso, afinal? Sinto que ao estabelecer as bases do relacionamento sobre terrenos incertos – insegurança, medo, superficialidade – fica prejudicada a segurança mínima para fluir o relacionamento. Por outro lado, ao buscar a firmeza da rocha como lócus para a construção dos alicerces, perde-se a flexibilidade necessária para sobreviver aos ventos e tempestades característicos da adaptação de dois indivíduos, com formação, estrutura e história emocionais diferentes, muitas vezes muito diferentes.


Entra aqui a sabedoria chinesa sobre o bambu, que é firme, sem ser rígido e, é sólido, sem ser pesado. Tais características, a meu sentir, compõem ou constroem a relação em bases reais. Relações amparadas, volto a dizer, não no amor romântico que ouve Puccini no primeiro beijo, mas no amor platônico, que cresce e evolui sete degraus, um após o outro. A relação consciente, escolhida – o amor. Será que isso responde à pergunta?



‘’Como sabemos qual a linha que separa o apreço sincero do amor?’’ (E.T., 37 anos, numa madrugada dessas).



‘’Mas há quem passe toda a vida desiludido porque toda a vida sonha com uma ilusão e nunca arrisca amar a sério, com carne e sangue e lágrimas...’’ (comentário no Blog Silêncio, em 08 de outubro de 2003.)




Sobre o Amor Romântico:
http://www.usuarios.unincor.br/luisfranope/Amor%20romantico.htm http://silencio.weblog.com.pt/arquivo/015333.html


Sobre o Amor Platônico :
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2005/04/amor_platonico.html




Maria Cláudia Cabral
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quarta-feira, 21 de março de 2007

As mulheres, os homens, as mulheres homens e os homens mulheres - Segunda parte

Uma magnitude


Um homem para cada dia de medo.
Um orelha feita de argila e outra de gelo.

Que ele venha por telefone ou por escrito:
Piedoso nas faltas, que não aconselhe nos gritos.

Homem desencanado dos vícios,
Preconceituoso de quermesse.
Porque o homem de botequim me dá medo
E o de livrarias nem sempre sabe o preço.

Homens que são como as melhores poesias:
Feitas no banho,
Que quando enxuto o corpo da água que refresca
Tudo já se esquece.

Maria Clara Dunck
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terça-feira, 20 de março de 2007

AS NOSSAS ESTRANHAS CERTEZAS ABSOLUTAS DE CADA DIA



‘’Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói’’
(Caetano Veloso)





Alguém disse certa feita, que expectativa é o caminho mais curto para a decepção. Certo! Ao esperarmos azul, quando encontramos um dulcíssimo lilás não o queremos, não nos serve, simplesmente porque não era azul, e não por que lilás não seja bom – na verdade nem pensamos sobre a possibilidade do lilás, nem nos permitimos experimentar lilás.

Complexo? Nem um pouco, faz parte de nossa natureza controladora querer que coisas e pessoas sejam aquilo que queremos, ajam como esperamos. Assim, se esperamos um pedido de casamento com anel de brilhantes e o outro aparece com uma proposta de compartilhar um ‘’apêzinho’’ decorado em parceria, pronto! Já ficamos amuados, onde está meu pedido de casamento, em meio a espumante e lágrimas?

Nos recusamos não só a abrir mão de nossas receitinhas prontas de o que é felicidade, de o que é o homem/mulher que sonhamos para nós, como também cometemos o supremo sacrilégio – contra nós mesmos – de não avisar ao outro o que esperamos.

Imaginamos uma super viagem às Bahamas: muito sol, mar e mergulho, e, se recebemos um convite para uma viagem romântica para Praga, nos entregamos a elocubrar que ele/ela não nos dá o valor que merecemos, não está interessado como deveria ou como gostaríamos que estivesse. Sequer pensamos na grandiosidade de Praga.

Em regra, recusamo-nos a ver o que o outro tem, e focamos naquilo que lhe falta – ou ainda pior, naquilo que imaginamos que ele teria e, que, ele não tem (ou que não lhe demos tempo de mostrar que tem). Detalhe: o outro nunca disse que tinha, mas ainda assim sentimo-nos enganados, traídos em nossos sonhos.

Freqüentemente desejamos não o outro, mas alguém que idealizamos. E não importa o que custe, importa encaixar aquele/aquela que está diante de nós no modelo que queremos, seja fisicamente, seja emocionalmente. Assim é com pessoas, assim é com comportamentos.

Queremos que o outro nos ligue no dia seguinte pela manhã, se não for assim, significa que ele não está interessado. Ou queremos que o retorno seja recheado de propostas concretas, diante dos espaços em branco que deixamos, e, se assim não é, significa que não fomos importantes, o interlocutor não nos quer. (mas nós não fazemos propostas concretas).

Como somos peritos em julgar o comportamento e os sentimentos de nossos interlocutores... Como somos bons nas certezas absolutas, em nossas convicções cotidianas sobre o que é que o outro pensa e sente. O significado dos silêncios, das ausências, das vírgulas e até da telefonia móvel, que falha. Enfim, como somos espertos, ninguém nos engana, ninguém nos ‘’usa’’! Enchemo-nos de razão e seguimos, dedo em riste, bradando aos quatro ventos: ninguém me usa, ninguém me faz de bobo, ninguém me abandona assim! Questão fechada! Para quê dialogar? Para quê esclarecer? O outro não me serve, e isto é tudo – às vezes orgulho, às vezes desinteresse puro e simples, fruto da insustentável leveza do ser.

Nessas idas e vindas perdemos chances inestimáveis de encontrar, não a pessoa perfeita, mas aquele que poderia ser perfeito para nós. Aquele ou aquela que nos auxiliaria a vencer algumas de nossas limitações, nos auxiliaria a abrir mão do egocentrismo ou do orgulho – mesmo que só um pouco. E a quem ajudaríamos a vencer o medo da entrega, a pressa ou a estranha mania de ter certezas – malditas convicções!


‘’Esperava MUITO mais de você!”(M.D., 38 anos, depois de uma semana de um primeiro e único encontro)
‘’Eu continuo não entendendo o que fiz/não fiz’’ (C., 38 anos, depois de uma semana de um primeiro e único encontro).

''Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.'' (Martha Medeiros)



Maria Cláudia Cabral
Copyright da Autora. Todos os direitos reservados.

quarta-feira, 14 de março de 2007

As mulheres, os homens, as mulheres homens e os homens mulheres - Primeira parte

É o mundo que eu posso sentir.


Eu em mim mesmando...
Precisando de uma rotina
E de um crime a cada dia;
De uma noite emblemática
E dê uma, vadia.

E o meu horror às reticências é muito ambíguo:
Esvai-se nos mistérios contidos
E engrandece-se nos clichês fingidos.

Cuidado ao errar, me disseram risonhos,
E esqueci, ao melhor amigo lembrando que, mesmo habit(u)ando,
A gente gosta ou não gosta, reticências.

Mulher à mão. Nos pés,
E quanto a mim?
Onde há dor e prazer.


Maria Clara Dunck
Copyright Arca Mundo. Todos os direitos reservados

Dúvida...

Escreve
Pára
Escreve
Apaga
Reescreve
Pensa
Pára
Desiste

Escreve
Apaga
Escreve
Pára
Reflete
Não pára
Persiste

Escreve
Pensa
Escreve
Rasura
Escreve
Pára
Desiste

Dúvida...


''A palavra foi dada ao homem para esconder o seu pensamento" (Stendhal)








Maria Cláudia Cabral
Copyright da Autora. Direitos Reservados.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Cáries

"Assim, as últimas páginas de um livro já estão nas primeiras páginas. Este nó é inevitável." (O Mito de Sísifo - Camus)


Se os degraus da escada fossem a soma de minhas contestações
A subida seria a reserva do que já é esperado.
Desde quando ao pisar forte, me doeram os dentes,
Desisti de prevenir cáries,
Já que elas sempre aparecem.

Deixou uma mensagem na minha geladeira,
E eu, que nunca como em casa, não a vi.
Puta falta me faz a fome,
Deixando que a vida me reserve o
Nada.

Mas, enfim,
Deus sempre me busca,
Eu, poeta, que me abandonei
Mesmo.


Maria Clara Dunck
Copyright Arca Mundo. Todos os direitos reservados.

terça-feira, 6 de março de 2007

A Menina e o Fogo



'Há tanta coisa parada na garganta
Não sabia que era tanta
Não sabia que era tanta.
(a Autora)


Lá vem a menina de novo. Epa!! Está chorosa, a menina. O que houve? Queimou-se? Como? Onde? Conte-me tudo!


Foi assim... Há muitos e muitos anos, num reino muito distante daqui, vivia a alegre e faceira menina. Estava ela, como de hábito, encantada. Sim, encantada pela beleza da chama, que dançava intensa e harmoniosamente. Sorria com os olhos e a boca, com as mãozinhas infantis, aplaudia. Como era linda aquela chama, vermelha, amarela, alaranjada e azul... Como era forte e leve! Tão lindo que a menina teve vontade de tocá-la. E, sem nenhum receio, a tocou.


Encantada que estava nem percebeu, a princípio, a dor. Quando se deu conta, já se havia ferido. Queimou-se, a menina. Queimou-se e chorou, chorou muito em razão da intensa dor que lhe causou aquela chama.

A mãe da menina tratou a ferida, deu-lhe gotas de esperança e cápsulas de amor. O pai da menina a colocou no colo, e fez de suas palavras sábias sobre os perigos de pôr a mão em uma chama, um ungüento que aliviou-lhe as dores. Com o passar do tempo, a ferida foi lentamente cicatrizando. A marca, no entanto, ficou na pele e no coração da menina. Sempre que via o fogo, ainda que encantada por ele, ela se lembrava da chama, temia e a ferida doía.
Se por um lado, queria tocá-lo, por outro a lembrança da dor que sentira a afastava. Mesmo a chama de uma vela a assustava, mesmo a chama de um minúsculo fósforo a fazia reviver – no coração – a dor sentida. A ferida estava viva e por mais que tentasse não conseguia superar aquela dor.

Muito tempo se passou e a menina seguia sua vidinha de criança. Esquecera-se do episódio da chama e a cicatriz já não era mais visível em sua pele. Brincava com tudo, divertia-se e ria. Ela ria muito. Era vivaz e corajosa, a menina. Curiosamente, ao ver a luz de uma chama, seu coraçãozinho infantil se angustiava, já não sabia o porquê, posto que a ferida já cicatrizara. Sentia medo, a menina.

Certo é que o fogo a encantava, mas a assustava também. Ela tinha medo do fogo, não sabia bem o porquê, mas temia. Ainda que o fogo parecesse amigo, ainda que se sentisse atraída por ele, aproximava-se lentamente. À medida que se chegava, o calor da proximidade aumentava e ela se irritava – não com ele, mas com ela mesma, por sentir-se tão dele. Brigava com as chamas que a atraíam, chegava a desprezar sua beleza e intensidade. Fazia pouco caso do fogo, fingia que não era com ela. E, invariavelmente, virava-lhe as costas imediatamente, ao menor sinal de contato mais próximo. Sentia raiva da dor que lhe causara a chama. Como se a dor ainda existisse... E existia, em algum lugar, num bauzinho velho e poeirento, escondido no fundo de um quarto escuro. Ela existia, ela estava lá.
Maria Cláudia Cabral
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quinta-feira, 1 de março de 2007

UM CINEASTA APOCALÍPTICO


Mel Gibson pode ser acusado de anti-semitismo, de bebedeiras e problemas com a polícia, de seu machismo, arrogância, mas o que nos interessa aqui é a figura do cineasta que ele vem criando desde seu primeiro filme o Homem sem Face de 1993. Sim, por que ele, com esse Apocalypto demonstra que é mesmo um autor de cinema interessado em ter uma estética, uma maneira pessoal de coordenar elementos (no caso, fílmicos) para apresentação de um assunto e a maneira que ele irá abordá-lo.

É intrigante analisar que Gibson coloca todos os seus protagonistas no limite do sofrimento físico, da violência, da carne e do sangue, do martírio provocado por seus oponentes e de sua redenção final. Foi assim em O Homem Sem Face, Coração Valente, A Paixão de Cristo e agora em Apocalypto. Mesmo que morram (como o líder escocês de seu segundo longa ou como Jesus) seus personagens acabam por promover grandes conquistas, para si mesmos e/ou para os seus.

Se em A Paixão de Cristo esse percurso da violência já havia sido levado ao extremo ao mostrar o corpo de Cristo sendo dilacerado, aqui em Apocalypto, ele parece querer levar esse espetáculo adiante. Vejamos, Jaguar Paw, jovem maia que é capturado junto com sua tribo pelos Incas para serem oferecidos como sacrifício aos Deuses, deixando sua mulher e filho para trás. Ao fugir inicia-se uma sangrenta caçada em que ele sofrerá intensas agressões físicas a fim de resgatar sua família. O mais interessante porém, é que todo esse percurso de violência percorrido por Jaguar Paw parece justificar a operação-assinatura estética de Gibson, o uso da câmera lenta, a violência gráfica...

Gibson filma no gerúndio: ele quer o movimento na dimensão do "movimentando", como se o martírio estivesse sempre em curso, nunca concluído, como a história da tartaruga de Arquimedes, que nunca chegará ao final da corrida. Dessa forma ele parece querer mostrar bem de perto as conseqüências desse martírio no corpo de seu protagonista (ou mesmo de seus algozes), com a violência sendo levada ao limite. Gibson investe na intensidade da dor como mecanismo para expectativa da ação, seja prolongando o martírio de Jaguar Paw até o final, seja violentando todos os outros personagens do filme até que ele se conclua.

Mais interessante porém é o domínio que Mel Gibson adquiriu ao longo do tempo de sua misé-en-scéne. Basta analisarmos a primeira cena do filme. Por um momento me vi dentro de alguma obra do tailandês Apichatpong Wheerasethakul (ou Joe como é chamado, diretor de Tropical Malady, Eternamente Sua e Sídromes e um Século) suas profundas imersões dentro de florestas e seu uso efusivo do verde. No caso de Apocalypto, a primeira cena se parece bastante com uma imerssão do tailandês e seu Síndromes e um Séculos, com a diferença de que daquele verde surgirá uma anta que será caçada até seu final violentamente trágico. Gibson articula seus componentes fílmicos de maneira brilhante, consciente de que tem nas mãos um material que pode lhe render imagens magníficas, seja dentro das florestas densas da América do século 16, seja nas impressionantes cenas dentro da cidade Inca. Detalhe importante de que assim como Joe, Gibson filma tudo em digital, e o resultado é sempre impressionante.

Curioso ainda perceber que Apocalypto é claramente um filme de gênero. Comparações à Mad Max e Duro de Matar não são atôa. Com um senso de velocidade impecável, Gibson consegue construir apartir de tantos clichês do gênero, um filme que não se parece com nada, mas que é claramente filho remixado dos filmes de ação hollywoodianos, temperados com o tema família e com a já tão comentada ultra-violência. Ou seja, Apocalypto é um filme para a família, mas cruelmente feito para deixar essa família com os olhos arregalados, ainda que essa instituição saia ilesa do cinema, com um belo sorriso no rosto.

Fica claro diante disso tudo que Gibson quis passar longe de um relato histórico e puramente documental sobre maias e incas. O cineasta gosta de trabalhar com gêneros. Seja no drama (O Homem sem Face), ou no épico de aventura (Coração Valente), seja no terror gore (A Paixão de Cristo), ou nesse último caso um filme de ação (Apocalypto). Assim ele se concentra em mostrar fora da ação, o modo de vida daquela civilização – o que me lembrou O Novo Mundo de Terrence Malick – como caçavam, como lutavam, como rezavam... e mesmo que aquilo não seja historicamente correto, me pareceu bastante crível. O que importa naquilo tudo é mesmo a ação e a forma com que Gibson irá registrar o corpo sendo perseguido e violentado. Apocalypto pode ainda nos trazer outras nuances sobre civilização, sobre essa sociedade contemporânea. Isso só ficará mais claro com futuras revisões. Na verdade o grande encantamento do filme é o de ele ser o filme de ação alucinante e tão bem arquitetado que é.
Rafael C. Parrode
Copyright Arca Mundo. Todos os direitos reservados

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Sem reconciliação


“Esta limitação me conduz a mim mesmo, onde não me escondo atrás de um ponto de vista objetivo que eu só represento, onde nem eu mesmo, nem a existência do outro, podem mais se tornar objeto para mim.” (Karl Jaspers)


A terra gira em torno do sol
E o sol gira em torno do meu umbigo.
Quem descobriu isso foi Galileu
Dentre diversas fórmulas matemáticas, esquálidas, loucas,
De metáforas...
Mas copernicamente falando,
Eu mesma descobri os parâmetros
Contas, expressões, retas, definições
E todos os palavrões que os matemáticos falam.
Entre arestas e ângulos, no prisma
O ápice do egocentrismo
E do cinismo.

Metais se esbarram nas ruas apertadas
Das cidades invisíveis; meus gigolôs bailam com suas botinas batidas
Em cada plano desse cartesiano:
Nódoas, tumores e protuberâncias...
Minhas pernas andam sem minha permissão
E os pensamentos estão tão desarticulados com a mímesis
Do mundo terreno
Que talvez eu nunca tenha sabido,
Nem através das artes, nem das ciências
O que é real e o que é imaginário.

Quem comanda esse absurdo?
E será que existe alguma semelhança entre os iguais?

Eu tomei três sustos essa noite:
Um gato morreu a tamancadas;
Nas ciências não encontro explicações;
Meu vizinho, meu igual, meu mesmo, meu semelhante
Sussurra letrinhas forjadas de amor profundo
E descarta a dor do outro pois isso não convém,
Repetindo o estribilho chorando...

Então eu canto a mim mesma
Uma cantiga velha de um compositor velho
Que já passou mas ainda não morreu.
E a terra continua girando em torno do sol,
Meus pensamentos giram em torno da lua
E não dou moral da história ao poema
Porque isso não me convém.


Maria Clara Dunck
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Eu Vim do Século Passado...




...E agora é tudo tão estranho, as relações interpessoais são relações de consumo, onde tudo é descartável. As pessoas se encontram, se tocam, se beijam e vão embora numa dança frenética e infinita. É como se tudo não passasse de encontros e desencontros. É como se a vida não passasse de pequenas viagens ao país de Alice.

Observando as pessoas na noite, todas lindas e perfumadas preparadas para a caça incondicional, com caras, bocas, sorrisos, percebo que o objetivo é único...Encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e ir embora. Na noite seguinte encontrar alguém, beijar alguém e transar com alguém que não se sabe quem e nem nunca se saberá porque não há tempo...As pessoas não se dão o tempo necessário...Beijam sem saber quem estão beijando, se entregam completamente aos prazeres momentâneos embalados a whisky e energético sem saber exatamente onde isso vai dar, e na verdade sabem...Vai dar em nada...Porque não é nada, não significa nada, não há consideração, não há cumplicidade, não há carinho...Não há nada, só o vazio de ir e encontrar alguém, beijar alguém, transar com alguém e de novo. E de novo....

É como um vício...Todos dependentes desse encontro às escuras...Todos dependentes de beijar um/uma desconhecida. Buscando, procurando compulsivamente algo que ninguém sabe exatamente o que é...

...Eu vim do século passado, e olho em volta e surpreendo-me com a inacessibilidade das relações e das pessoas. Ninguém está disponível nem para estar consigo mesmo.
Eu penso me enquadrar – em vão, e a sensação de vazio me leva a questionar este tipo de relação onde não sou nada e o outro não é nada também...

Caramba! Eu sou alguém! Eu penso, eu sinto, eu tenho idéias...Não concebo me confundir com uma massa humana, com pernas e pés e bundas e seios, que serve para alimentar, para saciar a fome e o vazio de um outro ser humano que está igualmente perdido em busca de respostas nessa loucura que é o mundo dos novos relacionamentos descartáveis. Onde tudo começa pelo sexo e termina com o gozo.

É isso! Tudo começa com o sexo e termina com o gozo. Quando o sol nasce, um novo dia uma nova preparação, uma nova conquista...Que começa com o sexo e termina com o gozo...E tudo de novo...E de novo e de novo...Numa roda frenética que não pára de girar, os dias vão passando, os meses, os anos...E quando percebemos... O que fizemos da nossa vida? O que construímos para nós? No dia seguinte estamos sós. A luz do sol mostra nossas imperfeições e realça o vazio interior. A cabeça gira...E mal nos reconhecemos quando nos olhamos no espelho. É possível? É possível ser diferente só por hoje?

Geração de zumbis que se enternece durante o dia encobrindo o abismo interno com trabalho, que se levanta à noite para esconder os buracos da alma com beijo na boca. Com a fantasia de que por 15 minutos podemos ser amados...O prazer, a luxúria...Fantasiados de amor por 15 minutos...E o vazio volta...Ok...’’Mais uma dose...É claro que eu to afim...A noite nunca tem fim’’...É, velho Barão... Barbies e Betty Boops...Mas e eles, são o quê? Caçadores vorazes, não percebem que o vazio não pode ser preenchido na noite?
Maria Cláudia Cabral
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