quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Ser Inteiro e Não pela Metade



Por que não namoramos nossos melhores amigos?


''...somos feitos de silêncio e sons,
tem certas coisas que eu não sei dizer''
(Lulu Santos)

Boa parte das pessoas passa a vida a procurar a metade da sua laranja, a tampa da sua panela e outras expressões que igualmente denotam que somos apenas parte de algo que se completa só com outro. A busca fica cada dia mais difícil, porque no momento em que procuramos no outro a complementação de nós mesmos, projetamos nele nossa outra metade.
Sim, a meu sentir – e não estou sozinha – as metades que devem se encontrar são nossas metades. Porque todos nós somos feitos de antagonismos e complementaridades. Somos sim e não, somos côncavo e convexo, somos razão e emoção, posto que a metade racional não existe sem seu antagônico-complementar: metade emocional. Ao encontro harmonioso destas nossas duas partes, chamo de 'Ser Inteiro'.
Ser inteiro pressupõe aceitar, com todos os paradoxos inerentes ao encontro das metades que nos complementam e que são parte de nós. Ser inteiro é integrar-se pelo auto-conhecimento e pelo amor-próprio. Ao ser inteiro, interajo com o outro, troco, compartilho, entrego-me. Ao ser inteiro, aceito o outro tal qual ele é, e não espero que seja um modelo idealizado por mim, não tento encaixá-lo a todo custo em algo que existe só porque criei.
A simples busca de nossa metade ideal, já é problema na certa, mas a confusão não pára por aí.
Pois bem, nesse ponto começa o maior dos paradoxos. Temos amigos do gênero oposto (ou do mesmo gênero), com os quais temos uma relação de entrega total, de aceitação plena. Com tais amigos somos inteiros, não tememos mostrar nosso lado sombra, nem sorrir, nem chorar. Não tememos ligar no meio da madrugada, só para contar a grande besteira que fizemos e ouvirmos ''eu te avisei!”. Tais amigos nos conhecem do avesso, nos protegem, nos acolhem, brigam conosco, nos aceitam como somos – com todos os nossos defeitinhos chatos.
Por alguma razão não os vemos com olhos de sedução. São como irmãos - é comum dizermos. Por que não nos apaixonamos por eles? Por que não os namoramos? Se são eles que nos ouvem quando mais precisamos, que nos acompanham – mesmo de longe – nos bons e nos maus momentos?
Nosso melhor amigo é nosso parceiro perfeito. Está conosco haja o que houver, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, nas baladas e nos sábados chuvosos em frente ao dvd. Não raras vezes, é nosso companheiro nas viagens, nas histórias – são nossa história. Somos inteiros com eles, eles são inteiros conosco. Gostamos de nossos amigos do jeitinho que eles são, sem tirar, nem pôr.
E me perguntarão ''Como poderia namorar meu amigo?''. Respondo, usando a resposta de um grande amigo ''E quem quer namorar inimigo?''
''Com você sou eu mesma, sinto-me inteira'' (Amiga ao amigo, 03 de Dez de 2006)
''Não me sinto à vontade para falar algumas coisas com meus amigos homens, com algumas amigas, eu falo'' (Amigo à amiga, 03 de Dez de 2006).
Maria Claudia Cabral.
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6 comentários:

Anónimo disse...

Me fez viajar agora ... refletir sobre muitas coisas .... e lógico sorrir que nem bobo para variar. rs
Bjs
Dinho

Anónimo disse...

Essa é uma das perguntas mais difíceis de responder, por que não podemos namorar os nossos amigos??
O artigo da Claudia aborda com bastante propriedade, ser inteiro nos nossos relacionamentos amorosos românticos não existe, dos nossos amigos não cobramos nada para sermos amigos, enquanto que namorada, companheira ou mulher, temos que nos encaixar no padrão criado pelo outro para o fim de sermos aceitos. Gostei muito do artigo e faz-nos refletir muito as nossas atitudes e os sentimentos mais intimos que temos pelos nossos amigos verdadeiros.

Anónimo disse...

acho que porque, inconscientemente, há o medo de estragar algo tão precioso. nem se cogita.

talvez o medo de palavras como "compromisso, fidelidade [e não 'lealdade'], cobrança, e pressão".

amizades não se sufocam, amizades não vivem o egoísmo e a possessividade ao extremo que costumam existir n'um namoro.

as amizades, já que houve a comparação "é como se fôssemos irmãos", se mantêm assim como são para que durem. um "incesto" estragaria tudo.

bem diziam n'um filme em 1997: "sexo é a maneira mais rápida de se estragar uma boa amizade". boto fé.

yo! ¬¬

Maria Clara Dunck disse...

Seu belíssimo texto me fez lembrar uns versos:


A falta em se partilhar uma inteireza além de nós que não vem,
Nos faz, inconscientemente, sobrepujar sobre os amigos,
A nossa bela prática do exercício de amar.

E como amamos conscientemente...


Amei o texto!

Anónimo disse...

Muito legal o texto!

Anónimo disse...

Legal!

Opinando sobre sua pergunta:
A amizade não vicia, o ser “amado” sim!

Como aceitar uma crítica de alguém que queremos que nos idolatre “incondicionalmente”?
A auto-estima vai lá embaixo!