terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A CONTRAMÃO DO MUNDO OU UM SENTIDO DO MUNDO

‘’Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração’’
(Chico Buarque)


Será? Tive de parar para pensar. Refletir sobre o que ele queria dizer com “não saber o que quer’’. Eu sei, por exemplo, que não é a razão da minha vida a estabilidade profissional que se obtém com concurso público, assim como estou certa de que casa própria não é meu sonho de infância. Não é que não queira, mas não é algo que está na minha lista de dez coisas que quero fazer antes de morrer. O leitor poderia me perguntar: em que mundo você vive?

Talvez eu esteja esquizofrênica, vendo coisas que não existem, mas percebo que, cada dia mais, a tecnologia está nos levando a viver já num mundo de duas dimensões. A chamada dimensão real, onde as coisas são palpáveis – também chamada de atual, pelo brilhante Pierre Lèvi – e a dimensão virtual, ou dimensão intangível, como costumo chamar, ou ciberespaço. Acho que não preciso explicar como a primeira funciona, todos nós acordamos e dormimos nela diariamente.

Quanto à dimensão intangível, essa que tem tomado conta por meio da tecnologia, é um mundo limitado apenas pelo acesso à rede mundial de computadores. Trata-se de um lócus sem fronteiras, onde o espaço público e o espaço privado se confundem, se mesclam. Onde somos o que quisermos ser, até nós mesmos. Onde encontramos personas e pessoas. Onde não as encontramos como no mundo real, e as tocamos de forma metafísica...E somos tocados por elas.
.

Transitamos nesse mundo à velocidade da luz, a depender da conexão. Tempo/espaço, portanto, são valores relativos. Einstein certamente gostaria de ver isso em funcionamento! Enquanto na dimensão atual um mês tem trinta dias, na dimensão virtual, três meses é uma eternidade. Tempo suficiente para enriquecer, empobrecer, conhecer pessoas, ser execrado ou idolatrado. Tempo suficiente para se encantar por alguém, para se decepcionar, para se afastar, para se reaproximar e até para romper a mais bela amizade. Tudo isso num diálogo consecutivo e simultâneo entre o virtual e o real. Isso é a loucura de viver em dois mundos.

Mais que isso, é o prenúncio da mudança dos tempos, da evolução do planeta. Ainda que em diversos espaços estejamos vivendo a idade das trevas, alguns de nós têm tido o privilégio de acessar a dimensão intangível. Onde não há que se ter, mas há que ser. O que se quiser ser, diga-se de passagem. Willian Gibson, um dos criadores do ciberpunk, subgênero da literatura de ficção científica, já falava no seu Neuromancer, que poderíamos alterar nossos corpos. Pois bem, tanto o podemos por meio dos avanços da medicina estética, no mundo real, quanto por meio das personas que criamos no ciberespaço. No mundo virtual não importa ser gorda ou ser magra, importa a forma como a persona se apresenta, como se sente e como o outro a vê com os olhos do espírito, da alma ou da mente – como queiram.

Mas...cuidado, desavisados! Viver em dois mundos tem seu preço. (o texto continua na próxima edição, aguardem ‘’cenas dos próximos capítulos’’)

“Posso dizer? Acho que você não sabe o que quer.’’ (FS, brasileiro, casado, três filhos, agente público concursado e uma bela casa em construção)

‘’Procuro uma mulher determinada que saiba o que quer’’ (anúncio no site de relacionamentos ParPerfeito).

Dicas do Texto:

Sobre Roda Vida
http://chicobuarque.uol.com.br/letras/rodaviva_67.htm
Sobre Pierre Lévi
http://www.facom.ufba.br/com022/levy.html
Sobre Cibercultura
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cibercultura
Sobre Willian Gibson
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Gibson
Sobre Ciberpunk
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk
Maria Claudia Cabral
Copyright Arca Mundo. Todos os direitos reservados.



7 comentários:

Anónimo disse...

Importante lembrar que “temos nosso próprio tempo”. O tempo necessário para internalizar o que vivenciamos varia de pessoa para pessoa, independente da velocidade que ocorre na dimensão intangível.

Quanto a 3 meses serem uma vida... depende: e o que fazemos com o tempo que se arrasta dentro de nós? Com aquela atitude que deveríamos ter, mas não temos por que ainda não “caiu a ficha”?


Sobre o anúncio no site de relacionamentos, será que alguém que investe energia em uma ação, investe em vão?

Não creio! Mesmo que seja somente para massagear o ego, essas mulheres sabem o que querem (i.e, querem massagear o ego delas!)

Uma análise do discurso desse anúncio do site de relacionamentos, poderia levar à seguinte interpretação: ’Procuro uma mulher determinada que saiba o que QUERO’, ou ainda ’Procuro uma mulher determinada que saiba que ME quer’

Anónimo disse...

Será essa a explicação para o Paradoxo contemporâneo?
O binômio Mundo real/Mundo intangível contempla essa realidade onde as pessoas a cada dia se tornam mais solitárias, embora se relacionem com 'amigos' do mundo todo, sem se levantar da cadeira.

Anónimo disse...

"Roda viva é, nesse sentido, o oposto de A banda. A princípio, foi samba pouco ouvido. Não lhe deram muita bola. É certo que nunca chegou a ser considerado um equívoco na carreira do seu autor. Mas, de início, foi considerado inferior à A banda. Quase todos acharam justo o terceiro lugar que lhe outorgaram no III Festival da TV Record. Agora, não. A força de comunicação desse samba - que se foi impondo, quase preguiçosamente, à sensibilidade geral - já fez dele um dos momentos indiscutíveis da música popular brasileira de todos os tempos."

e muito medo do que seria, hj em dia, "cyber-punk".

cenas do próximo capítulo... desde que a novela continue? :)

Anónimo disse...

Feliz 2007 no Mundo real/Mundo intangível!!!

Maria Cláudia Cabral|Aika disse...

''outro'',

A novela, pelo visto, já chegou ao fim, mas a vida não pára. Adorei o comentário. Obrigada, por compartilhar seu ponto de vista.

Maria Cláudia Cabral|Aika disse...

Rodrigo,

Solidão é um tema, por si só é um tema. Mas há tantos mundo neste vasto mundo, há tanto sobre o que pensar no encontro das dimensões... Sigamos, sigamos... Obrigada pelo comentário. Aguardo seu texto, ansiosa.

Anónimo disse...

Seu texto é muito agradável de ler e imaginar o que fazemos de nossa vida. Lembrou-me de "matrix" (acho que foi péssimo colocar esse comentário).
O que realmente queremos quando acordamos de manhã? Um corpo novo, dinheiro, ser lembrado ... ou apenas ter um ótimo dia sem acontecer nada que o estrague? Vivemos em um mundo de escolhas - um imenso labirinto, qual escolha aceitar seria a maior questão, e se essas escolhas é o que queremos para o resto de nossas vidas. Apesar de tudo, ainda vivemos no pior mundo - o da corrida do "dinheiro", da ambição e do status.
Um termo que poderia ter sido abordado, seria a "Cibernética" que procura entender o tratamento da informação no interior destes processos como codificação e decodificação, feedback, aprendizagem e etc. Ela vê esse mundo inteligente e muitas vezes autônomo como uma consequência do que plantamos. É um círculo causal. O que faço sobre o outro é o retorno do que o outro faz pra mim. Vivemos num mundo sistêmico cheio de redes.
Os meios de comunicação vieram para nos aproximar, mas o efeito está sendo basicamente o contrário - ele nos isola. A solução não pode ser só a de aceitação. Temos que entrar nos vários mundos mas com a idéia de modificar.