quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Mostra SP de Cinema - Sexto dia: Uma estória de coincidências, e um peso-pena entre dois pesos-pesados!

O Sol

Em Arca Russa, Alexander Sokuróv, utilizando-se de um suposto único plano seqüência, sem qualquer corte, percorreu toda a história russa pelos corredores do belíssimo museu Hermitage de São Petersburgo. Um elogio ao cinema, um filme soberbo que abre toda a arca da história russa até os dias atuais, num exercício ousado e profundo de imersão e poesia. E foi num desses elogios ao filme, feito à nossa editora Camila, quando ainda desenhávamos os primeiros esboços dessa pequena revista eletrônica que mal sabíamos como chamar, que ela começou a tomar forma. Havia antes, como todos sabem, a idéia de se homenagear um pasquim de pensamentos e idéias livres, que circulou na época da ditadura militar, chamado O Sol, e era sempre dele que partíamos para a busca de um nome para o nosso blog. Eis que surge o filme Arca Russa e dele, Arca Mundo – afinal, também podemos encher arcas de pensamentos, idéias livres e independentes nesse mundo cada vez mais dependente – nome que se encaixou com perfeição ao nosso pequeno projeto desse pasquim eletrônico.
Não menos que por uma coincidência do destino, vou ver o novo filme do mesmo Alexander Sokuróv e ele se chama O Sol. Engraçado como essas pequenas coisas da vida a fazem parecer mais mágica. E Sokuróv parece aqui, captar a mágica dos pequenos momentos do Sol, como era chamado o Imperador japonês Hiroito, descendente real de outro grande imperador e também chamado pelo povo de filho do sol. Hiroito foi um ditador que, na sua má acessoria militar, utilizando-se do patriotismo extremado de seu povo, entrou em desvantagem na Segunda Guerra Mundial, culminando na devastação de parte do Japão pelas bombas atômicas e seu fim como monarca real, após ser deposto pelos americanos assim que tomaram o país.
Interpretado por um maravilhoso Issey Ogata, o Imperador é registrado por Sokuróv, com sua câmera flutuante e suas fusões rápidas, como um homem que, durante a vida toda, havia sido tratado como Deus: nunca sequer abriu uma porta, pois havia sempre quem abrisse pra ele. Um homem extremamente infantilizado, dono de um terrível mau hálito e grave problema de dicção. E o filme consegue - no que havia sido uma tentativa fracassada de Sokuróv em Taurus, ao retratar os últimos dias de Lênin, em que ele acaba caindo na caricatura fácil do ditador russo – com muita sensibilidade, antes de qualquer adendo estético, injetar intensa humanidade nessa figura impressionante que foi Hiroito. Filmando seus últimos momentos até a tomada de poder pelos EUA, cada cena se sustenta no cotidiano banal do Imperador, até o seu final deslumbrante que o coloca em contato gradual com o mundo em si e na possibilidade de tocá-lo com as próprias mãos.
Sokuróv irá repetir certos cacoetes seus e um deles será sua câmera flutuante que, em certas horas, parece desproposital. Mas aqui ele parece querer investir na edição, num filme meticulosamente montado. Ainda que cansativo a certa hora, O Sol é um filme e tanto. Uma obra de um cineasta que parecia perdido em seu filme anterior, mas retoma o vigor aqui.

Cotação: * * *

Time

Não bastasse a antipatia que tenho pelo trabalho do diretor Kim Ki-Duk, ainda programei seu novo filme entre dois dos mais belos da Mostra e do cinema neste ano: Síndromes e um Século e Juventude em Marcha. Coitado. Kim Ki-Duk é um cineasta coreano que fez ao menos um bom filme, A Ilha, em que ele parecia ainda não assombrado pelo fantasma da pretensão, e em seguida, emplacou um engodo atrás de outro. Pra se ter uma idéia de sua obra de uma maneira geral, basta analisar o nome de um de seus filmes mais prolixos: Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera. Ora, se já não bastasse cada nome das quatro estações do ano, em uma espécie de metáfora pro seu filme, ele adiciona “e... Primavera”. E essa é a diese de quão pobre de sentidos e possibilidades é o cinema de Kim Ki-Duk.
Ele como sempre, escolhe filmar temas edificantes. Em “Primavera...” o tema era a existência, em Casa Vazia, a solidão e agora em Time, o tempo (e o título não poderia ser mais óbvio). Mas em seus filmes anteriores, Ki-Duk ainda investia nas suas imagens pseudo-poéticas pra dar um certo lirismo de boutique aos seus filmes. Nesse Time, o rigor com o cinema, é tão insípido quanto seus personagens volúveis e fúteis e todo aquele papo de auto-ajuda que o cinema dele tem aos montes. Por isso dizem: Ki-Duk é o Paulo Coelho do cinema... e deve ser mesmo.
Mas vamos à trama, que não poderia ser mais óbvia: Garota fica enciumada ao ver namorado flertar com outra mulher e resolve fazer cirurgia plástica para mudar seu rosto e fazer com que ele volte a se apaixonar por ela, agora outra. Ele atordoado, sem saber quem é a mulher que ama, também faz a bendita cirurgia e muda o rosto. Ela então, diante daquela insanidade completa, enlouquece. Ora, quem não enlouquece? Ki-Duk tem o talento de um aluno da oitava série que escreve as redações sobre “temas” que a professora pediu. E o pior que todo mundo acha o texto do mané lindo.
Vendo essa infinidade de filmes aqui na Mostra, ficou ainda mais difícil aturar esse cinema pseudo - tudo que o Kim Ki-Duk faz. Quem já viu Tarkovsky sabe do que estou falando.

Cotação: ●

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