terça-feira, 7 de novembro de 2006

Apenas mais uma tarde de calor

Vou fugir um pouco da minha editoria. Não sei ao certo o motivo. Só sei que precisava escrever algumas linhas sobre isso e publicá-las no Arca Mundo. Tudo começou num final de tarde qualquer. Final de mais um dia insuportável de trabalho. Escutando a insuportável Voz do Brasil, no meio de um trânsito também insuportável. Seria apenas mais uma parada em um dos infinitos sinaleiros de Goiânia se eu não visse a três carros na minha frente uma movimentação de estudantes recém passados no vestibular.
Há três anos atrás era eu quem estava ali. Também pedindo esmolas pra pagar a farra de um dos dias mais felizes da minha vida. Ao contrário dos pedintes por necessidade, fui recebido com muita cortesia por todos que eu abordava. Mesmo se não rolasse grana, sempre eu saía recebendo um sorriso, ou um brinco, ou uma dose de pinga. Enfim, tudo era farra e tudo era válido.
Mas voltando ao meu final de dia insuportável, quando eu vi a movimentação, tratei de separar algumas moedas para dar pra primeira pessoa que aparecesse na minha janela. Eu já havia sentido a mesma felicidade anos atrás. Era a minha hora de retribuir. Via a menina se aproximar cada vez mais do meu carro. Eu com as mãos estendidas na janela e com um sorriso no rosto. Ao chegar no carro da minha frente, a menina virou e voltou pra calçada.
Olhei pro semáforo pra ver se ele tinha esverdeado. Não tinha. Demorou mais algum bom tempo pro sinal abrir. E ninguém veio receber o meu dinheiro. Fiquei tão transtornado que apaguei o carro na hora de sair. Obviamente recebi uma chuva de buzinas. Fingi que não ouvi e segui em frente. Não queria admitir, mas aquilo me abalou mais do que eu imaginaria.
Pra começar, não haveria situação melhor pra coroar um dia frustrante. Tentei imaginar mil motivos pra justificar ninguém ter vindo apanhar meu dinheiro. Mas o único que eu tinha em mente foi a de que eu era um sujeito tão decepcionante que nem a minha grana alguém queria.
- Pra que perder meu tempo ali naquele carro popular prata ocupado por um cara tão comum? – Foi o que eu pensei que tinha passado na cabeça da menina quando ela deu meia-volta e não passou por mim. Foi aquele o dia em que eu mais me senti medíocre em toda a minha vida. E olha que ser medíocre não é ruim. É apenas estar na média das outras pessoas.
O que mais me doeu foi lembrar que há três anos atrás era eu quem estava ali. Com idéias mirabolantes. Planos para fazer diferença nesse mundo e, justamente, não estar entre a multidão de homens voltando do trabalho após mais um dia frustrante, a bordo de seus carros populares. E o problema não é o carro. Provavelmente eu estaria mais feliz se voltasse de bicicleta após uma jornada de trabalho compensadora.
Após esse fato eu passei a questionar os rumos da minha vida. Lembrei-me que o primeiro conto que eu escrevi, “A Renda Preta”, tratava-se justamente de um homem mediano que perdeu toda a vida esperando alguma coisa que nunca chegou. O temor de que aquele homem seria meu alter-ego atormentou-me após esse fato. Devo admitir que parei no primeiro boteco que eu vi e pedi uma cerveja. Também devo admitir que não a bebi. Tudo o que eu precisava era ficar lúcido para não esquecer que eu não estava feliz.
Aos vinte anos, percebi que estava tendo preocupações de gente um pouco mais experiente. Estava mais interessado com o preço do gás, que com a comida que eu iria comer. Mais preocupado com o preço da gasolina do que com a felicidade de sair para encontrar as pessoas que eu gosto. Tudo o que eu sempre mais tive medo em toda a minha vida.
Não quero falar o final dessa história porque ela ainda não chegou ao final. Mas posso adiantar que tomei algumas providências pra que ela não seja igual à do personagem que eu criei. Não sei se surtirá efeito. Porém, o próprio fato de estar escrevendo sobre algo tão íntimo para ser publicado já é um grande passo. Tal atitude seria impensável há alguns meses atrás. Além disso, passar tardes tão agradáveis como a de hoje, acompanhado de pessoas que eu gosto demais já é um grande passo. Já havia alguns anos que as minhas tardes não eram mais minhas. Sem falar que pra essas pessoas certamente eu não sou apenas mais um cara medíocre no mundo. Para elas eu fiz a diferença.
Paulo Henrique dos Santos.
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2 comentários:

Anónimo disse...

Com certeza. Como eu disse, já tomei algumas atitudes. Só não sei se somente elas bastam ou se elas farão efeito. Só me resta aguardar. Muito legal saber que outras pessoas compreendem isso. E parabéns pelo Blog.
PH

Maria Clara Dunck disse...

Fez um lindo e instigante texto! Lindo porque remonta, serenamente, as banalidades do nosso cotidiano com um olhar pessoal e sensível. Instigante porque não deixa que a visão do próximo se torne completamente alheia a nós: todos paramos, enquanto líamos, para adentrar em nosso próprio mundo e refletir a cerca de nossos problemas, responsabilidades e temores. Tornar-se o que sempre tememos ser pode parecer clichê de músicas, filmes, histórias em quadrinhos... Mas ter esse olhar em situações banais é consciência, sensibilidade e poesia. Parabéns.