"Antes da minha prisão, a viagem não teria significado nada para mim’’.
Sandman
Antes de levar essa editoria adiante, gostaria de deixar algo bem claro. Pra isso, vou contar uma historinha breve. A Excelentíssima Senhora Camila Pessoa, editora e idealizadora desse tal Arca Mundo, certo dia me disse:
- César, eu estou fazendo um Blog, estou muito animada com ele e queria que você escrevesse sobre política pra mim, tudo bem?
Eu respondi:
- Ué Camila, eu posso escrever no seu Blog, é uma boa idéia mesmo, mas porque você não faz o seguinte: passa a editoria de política pra outra pessoa, porque não agüento mais falar sobre isso, e eu escrevo sobre quadrinhos?
Ao que ela respondeu:
- Ah nem César, você quer escrever sobre quadrinhos, como você vai arrumar assunto pra isso? Falar da Turma da Mônica toda semana?
Pois é. E aqui estou eu com minha editoria de quadrinhos. Só quero aproveitar a deixa da Camila pra esclarecer algumas coisas. Quadrinhos não é coisa de criança. Melhor dizendo, não é SÓ coisa de criança. Como todo e qualquer veículo de comunicação, como toda linguagem e forma de expressão, os quadrinhos (ou comics, ou banda desenhada, ou hq, como preferir) se colocam como uma possibilidade imensa de construção de realidade e criação. É difícil seguir contra uma cultura tão pasteurizada como a nossa, que não percebe a distinção entre forma e conteúdo; que tende a abstrair a construção histórica do nascimento, consolidação e exploração comercial de determinados veículos de expressão como se fosse a sua própria essência. É difícil perceber que a literatura, para a grande maioria das pessoas, não vai além de O Senhor dos Anéis, o Código da Vinci ou, mais recentemente, o Caçador de Pipas. Igualmente, é duro abstrair que o cinema é tão visceralmente atrelado, no imaginário coletivo, aos mecanismos de Hollywood, engessado em um padrão de codificação lingüística caduco e pouco atrativo, e que a maioria desconhece a quantidade de produções feitas no mundo todo fora do eixo do cinema industrial. Coisa ainda pior ocorre na música. Sempre me deparo com tribos e grupos que ouvem determinado estilo de música e, de forma quase irracional, excluem outros vorazmente, apenas para se afirmarem. Assim, bangers, indies e grungeiros não podem ouvir música baiana, brega, forró, pagode ou sertanejo, sob a pena de serem tachados de posers. Vivemos em um mundo que limita.
A forma dos quadrinhos é uma coisa, o conteúdo é outra. Se os comics se afirmaram, enquanto cultura de massa, sobre a exploração de personagens animais antropomorfizadas (Gato Félix e Pato Donald são ótimos exemplos) e super-heróis, isso não quer dizer que devam ser, necessariamente, escritos nesses moldes. Muito pelo contrário. Há uma vastidão enorme de produção quadrinizada profissional e amadora em todo o mundo - embora eu ache essa distinção absurda – nas mais diversas linguagens, sobre uma variação temática quase ilimitada e, a cada dia, mais autoconsciente e inteirada de seu papel, seu ‘’fazer-se’’ e seu lugar, que se amplia a passos largos. Aos poucos, os quadrinhos são aceitos no meio acadêmico (Humberto Eco tem grande contribuição nisso) e afirmados como produção séria, especialmente após Art Spiegelman ganhar o prêmio Pulitzer com seu MAUS e Joe Sacco se tornar uma elogiada referência com seu jornalismo em quadrinhos, produzindo obras monumentais como Palestina – Uma Nação Ocupada e Área de Segurança Gorazde. O que esses dois autores conseguiram em termos de profundidade e sensibilidade na representação dos horrores do Holocausto, da Guerra da Palestina e da Guerra da Bósnia é algo impressionante e digno de menção, que vale a pena ser lido.
Entendamos por quadrinhos toda e qualquer forma de representação baseada na exposição seqüencial de desenhos ligados por uma lógica discursiva. Os quadros componentes da história podem ser puramente pictóricos ou apresentar também elementos textuais que representam falas, pensamentos e narrativa em off. Dentro desses padrões, o único limite é a capacidade criativa do autor.
Se eu gosto de super heróis? Claro, alguns. O que eu tenho contra a Turma da Mônica? Nada. Sou um grande fã. Qual minha implicância com O Senhor dos Anéis e O Código da Vinci? Absolutamente nenhuma. São leituras muito agradáveis. Se eu tenho cisma com Hollywood? De jeito nenhum. Adoro me deleitar com os efeitos especiais de última geração e aquelas explosões fabulosas dos filmes de ação. Se eu sou poser? Huumm.. nos termos apresentados, sou sim, absolutamente. A questão não é a crítica pela crítica. Somente acho que não podemos ver o mundo, limitados pelo cabresto. Se não gosta de quadrinhos, tudo bem. Mas tem uma coisinha: se quiser criticar, argumente. Se quiser argumentar, conheça. Se quiser conhecer, leia. Em outros termos: DEIXEM DE SER PRECONCEITUOSOS! IÉ!
César Henrique Guazelli.
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2 comentários:
É César, me fez querer saber mais sobre quadrinhos... eu sou daquelas que só conhece Turma da Mônica e é grande fã do Chico Bento! Mas o interessante foi ver que quando se prontificou a falar sobre quadrinhos, soube agregar as artes e as comunicações. Falou sobre música, litertatura etc. E acho que é essa uma grande idéia dos quadrinhos, sua contribuição e sua importância aos meios dos quais eles também fazem parte, mesmo que ainda não muito conhecidos ou reconhecidos. Ficou ótimo.
Amei seu texto sobre quadrinhos. Gostaria de saber ainda mais...
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