terça-feira, 31 de outubro de 2006

Editorial n° 02: Uma Arca de Metades


Como todo acontecimento na vida tem que ter um pontapé inicial, a Arca Mundo deu seus primeiros passos. Nossa edição de estréia nos orgulhou muito, nos mostrou o caminho que devemos seguir daqui pra frente e o quão divertido e rigoroso será ele! O mais difícil foi feito. A partir de agora, passaremos todos a outra fase, a de aperfeiçoamento e descobertas.
Buscaremos, aos poucos, uma identidade visual para a Arca e para nossos próprios textos.
Alcançaremos juntos e, ao mesmo tempo de maneira individual, nossas metades. Algo que nos complete e nos deforme, que seja rígido e esculachado, pensado e espontâneo, adorado e repudiado, lembrado e esquecido, poético e banal.
Na segunda edição,um dos nossos focos é o comportamento humano: temos um ensaio sobre a guerra, baseado no Mal Estar na Civilização de Freud, com a participação de Carollyne Almeida, que veio nos prestigiar. Maria Claudia Cabral nos fala sobre a dificuldade de relacionamento entre homens e mulheres nos dias atuais. Paulo Henrique dos Santos nos conta um pouco dos cines pornôs da cidade. E por falar em pornografia, César Guazelli estréia na Arca Mundo com o pé direito e novidades pornográficas do mundo dos quadinhos! Temos ainda, uma reportagem sobre as novas do Shopping Bougainville e, para quem estava se deliciando com a cobertura da Mostra de Cinema de São Paulo, ainda há mais textos por vir do diário de nosso correspondente cinéfilo, que já está de volta, com muita coisa pra contar!
Aos nossos leitores: sintam-se à vontade para fazer parte dessa mistura, para ser nossa outra metade, para comentar, criticar e sugerir. A evolução dessa Arca, com certeza, será muito prazerosa de se acompanhar!
“Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento. Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo. “ Oswaldo Montenegro
Camila Pessoa
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Encontros e Desencontros


''Eu conheço tantos caras legais que me pedem para apresentar uma amiga legal para namorar, e tantas amigas que me pedem para apresentar um cara legal para namorar, por que essas pessoas não estão conseguindo se encontrar?''

Já há algum tempo ouço a queixa de que as pessoas não se encontram. Se há tantos homens em busca de um relacionamento bacana - e creio que há - e se há tantas mulheres sozinhas buscando seu par, por que eles não se encontram?

Uma das verdades possíveis é que homens e mulheres mudaram muito nas últimas décadas e, embora supostamente saibam quem são, ainda não sabem o que querem. Ficam espremidos entre a programação secular dos papéis aprendidos e reforçados por gerações e as conquistas alcançadas com a revolução sexual.

Querem a independência, leveza e auto-suficiência construídas pela carreira bem sucedida, mas sentem falta - especialmente os solteiros - do par-perfeito, da alma-gêmea, do modelo socialmente estabelecido da família feliz de fotografia (pai, mãe, 2 filhos – um menino e uma menina – dois carros na garagem, casa própria e apartamento na praia).

Chegam a ficar escravos desse holograma e a viver em função da busca incessante pela realização do modelo. A certa altura não importa quem seja o 'par-perfeito', importa que com ele formará a esperada família feliz.

Tal busca começa de mansinho, no final da década dos vinte anos. O tempo vai passando... ao entrar na era balzaquiana, a cobrança vai ficando mais premente e ao aproximar-se dos quarenta vira uma verdadeira caça ao tesouro, em que não importa se um gosta de praia e o outro de montanha, o importante é ser um par. O importante é constituir família. Se assim não é, um discreto sabor amargo surge na boca e a sensação de não-pertencimento toma conta, invade.

Por outro lado, outros disponíveis 'no mercado' – notadamente aqueles que já foram casados – oscilam tal qual um pêndulo entre a serenidade da vida sozinho e a angústia da solidão. Ora querem alguém, ora querem a auto-suficiência. Desejam um colo aconchegante numa noite chuvosa, mas não estão dispostos a negociar espaços, compartilhar conquistas. Construíram uma imagem idealizada de parceiro e vão, por tentativa e erro, experimentando as pessoas que encontram, verificando se encaixam no modelo.

Daí surgem as intermináveis listas de requisitos 'básicos', tais como: 'dormir do lado esquerdo da cama'; ' não gostar de Roberto Carlos'; ou idealizam o tipo de relação, querem, às vezes, um amor tatuagem. Enfim, esses requisitos 'imprescindíveis' para a felicidade a dois. Se não encaixa, se não atende aos requisitos 'básicos', é o fim daquilo que nem começou.

Alguém pode me dizer quem quer estar agarrado à pele de alguém nos dias de hoje, sem vida própria, totalmente parasita de outro alguém, sendo levado? Sem vontade própria, sem desejos, sem sonhos, sem caminho? Enfim...

''Você já ouviu Tatuagem, do Chico? Quero uma tatuagem como aquelas para mim.'' (Um homem, 28 de outubro de 2006)
''Eu não sou como tatuagem.'' (Uma mulher, 28 de outubro de 2006)
Maria Claudia Cabral
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Mais uma do Bruxo



O inglês Alan Moore, um dos mais virtuosos autores de quadrinhos de todos os tempos, é conhecido pelo seu visual cavernoso, hábitos estranhos e uma capacidade incrível de produzir obras primas. Entre seus trabalhos estão: Watchmen – talvez o melhor quadrinho já feito sobre super-heróis até hoje - V de Vingança - adaptado para o cinema pelos irmãos Wachowski contra a sua vontade e a fase áurea da série O Monstro do Pântano, em que aparece pela primeira vez o personagem John Constantine. A mais nova empreitada do autor é Lost Girls, obra polêmica ilustrada por sua mulher, Melinda Gebbie.
Lost Girls narra o encontro de três personagens célebres da literatura infantil às vésperas da Primeira Guerra Mundial para contarem suas aventurais sexuais da juventude. São elas Wendy de Peter Pan, Dorothy de O Mágico de Oz e Alice de Alice no País das Maravilhas. Daí, dá pra imaginar no vespeiro em que Moore se meteu. O Great Ormond Street Hospital, detentor dos direitos autorais de Peter Pan, acusou o autor de uso indevido da imagem de Wendy, o que resultou na proibição da obra no Reino Unido. Os grupos de direita e organizações conservadoras também torcem o nariz para o autor.
Nos EUA, Lost Girls foi publicado pela editora Top Shelf em duas reimpressões de 10.000 cópias, que se esgotaram rapidamente. No Reino Unido, a editora conseguiu permissão para publicar Lost Girls, mas, para isso, teve que negociar com o Ormond Hospital argumentando que uma batalha judicial seria danosa para as duas partes. A Top Shelf também pagou um valor não revelado para a instituição para a publicação da obra no Reino Unido, conforme determinação do parlamento britânico.No Brasil, a editora Devir adquiriu os direitos de publicação de Lost Girls, que deverá aparecer por aqui em 2007 em três edições: uma em março, uma em junho e uma em setembro.
Com Lost Girls, Moore mostra mais uma vez sua capacidade (e prazer) em incomodar os conservadores e a grande indústria. Criar pornografia (o autor faz questão de chamar Lost Girls de pornográfica) com ícones do imaginário infantil é uma manobra arriscada. Ao fazê-lo, Moore teve a consciência de sua influência e prestígio no mundo dos quadrinhos, o que por si só já garante a difusão da obra para além do cenário underground. Além isso, fazer um trabalho erótico tendo como ilustradora a própria esposa é, no mínimo, excêntrico. Agora é só esperar.

Para quem estiver com pressa, aqui vai o torrent de Lost Girls:
http://tp.searching.com/details/106178/Lost+Girls(Adult).torrent?id=106178&nothing=Lost+Girls(Adult).torrent
César Henrique Guazelli
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O Cinema que de santo só tem o nome


“Foi uma alegria a notícia do primeiro cinema de Goiânia, que se chamou Santa Maria. Feito em 1939 às pressas e com pouco recurso, constou o cinema de sala enorme, tosca, sem declive algum. Quanto mais atrás se sentava, maior o sofrimento. Parece que para a aquisição das cadeiras, o critério adotado foi o ‘vale tudo’, porque havia cadeiras de tábuas, de palhinhas, de pés lisos, pés retorcidos, encosto alto, encosto mais baixo, de todo jeito enfim. Essas cadeiras eram soltas, independentes, sem ligação que as prendesse umas às outras. E isso, que pode parecer um defeito, para nós foi um benefício. É que podíamos afastá-las caso em nossa frente se sentasse uma pessoa avantajada. E nos dias de chuva é que a coisa funcionava. As goteiras eram muitas e estar dentro do cinema era quase o mesmo que estar do lado de fora. Cada qual procurava então, arrastar sua cadeira para os lugares mais secos e ninguém ouvia bulhufas do filme, porque o barulhão do arrasta pé não deixava”

Retirado das memórias datilografadas de Marilda de Godói, 82 anos, pesquisadora, membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás e moradora do Centro de Goiânia desde os 11 anos.


É uma tarde chuvosa de outubro. Estou dentro do carro procurando alguma coisa inexistente. Na verdade, quero tempo para criar coragem e entrar no cinema. Mas todo esse receio para se entrar numa simples sala de cinema? Não é qualquer um. Trata-se do Cine Santa Maria, o mais antigo cinema de Goiânia e há cerca de 15 anos, um dos cinemas pornôs mais famosos da cidade. Infelizmente, a coragem não foi suficiente. Mesmo sabendo que a matéria deveria ser entregue em menos de uma semana.
Um dia se passa e estou eu novamente no mesmo lugar, estacionado a poucos metros do estabelecimento. Dessa vez estou acompanhado de mais dois colegas de jornalismo que me abstenho de citar os nomes. Um deles me grita lá de fora dizendo para sair do carro. Não há motivos para tanto nervosismo. Afinal, que mal há em entrar num cinema cujos filmes exibidos não são os que normalmente estão em cartaz nos cinemas do shopping? Se encontrasse com alguém ali eu poderia muito bem me passar por intelectual e dizer que estava fazendo uma pesquisa etnográfica. Mas pensando bem, a pessoa que também estivesse ali estaria mais constrangida que eu.
Saio do carro e vou andando rumo à entrada. Por pouco não passo reto. Se não fosse um puxão dado na hora certa, essa pauta já estaria caída a algum tempo. Na recepção há um pequeno número de funcionários. Um na bilheteria e três na roleta. Procurei não pensar no que os três imaginaram de nós. Fingi dar uma olhada na programação e escolhi um dos três filmes que estavam anunciados no momento. Cometo minha primeira gafe. Num cinema pornô, você não compra as entradas individuais. Você compra uma espécie de passaporte que te dá direito a assistir a todos os filmes. Corrigido o erro e alguns sorrisos sem graça depois, estamos nós passando pela catraca que, pra piorar a situação, trava, fazendo com que essa, que deveria ser uma travessia rápida, dure alguns minutos e prolongue o constrangimento.
Resolvido o problema com a roleta, caminhamos rumo à sala. No hall de entrada vejo um freezer de cerveja no local onde deveriam ser vendidas pipocas e jujubas. Pelo menos uma coisa o cinema pornô tem de melhor em relação ao cinema tradicional: vendem-se cervejas. Igual aos cinemas europeus. Preferi não tomar nenhuma, apesar de que talvez o álcool pudesse aliviar um pouco a tensão do ambiente.
Já estávamos dentro da sala. Ela é um pouco mais clara do que nos cinemas comerciais. O som é bem razoável. Ouvem-se os gemidos dos atores com clareza. Algumas modificações foram feitas da época em que ele era freqüentado por Marilda de Godói, até atualmente. No lugar das cadeiras móveis foram colocadas poltronas acolchoadas e imóveis. Sentar nelas? Não, obrigado. Estou bem em pé.
O cinema não estava muito freqüentado. Havia um grupo de travestis que circulava pela sala animadamente. Outras estavam acompanhadas nas cadeiras. Infelizmente, de algumas delas não pudemos ver o rosto. Também em pé, mas escorados nas paredes, havia homens de todos os tipos. Alguns bem caricatos. Outros que certamente estavam ali clandestinamente. Havia também vários que ainda estavam com o uniforme de trabalho. Por motivos óbvios, não encontramos nenhuma mulher lá dentro.
Uma coisa me chamou a atenção. Se o local era com certeza um ambiente freqüentado por homossexuais, por que os filmes exibidos eram heterossexuais? Até os cartazes na entrada comprovavam que toda a programação do dia era hetero. Não consigo acreditar em nenhuma outra explicação que não seja a de que até os cinemas pornôs ainda são moralistas. Infelizmente.
O contato entre as pessoas é muito rápido. Não mais que algumas poucas palavras. Talvez nenhuma palavra. Os que se entendiam iam direto para algum lugar mais reservado para se entenderem ainda melhor. A sala cheira a sexo. O nível de insalubridade é muito grande. Não sei como um ambiente daqueles conseguiu o alvará da Vigilância Sanitária.
Alguns minutos depois saímos da sala. Cheguei à conclusão que tudo o que precisaria para escrever esse relato já tinha obtido. Além disso, alguns olhares cobiçosos começaram a se direcionar ao nosso rumo. É melhor evitar problemas. Afinal, nós que estávamos invadindo o local e ninguém sabia que nosso objetivo ali era buscar informações para uma matéria jornalística. Nem tão jornalística, na verdade.
Enfim, após essa visita ao Cine Santa Maria, posso ter certeza que o cinema freqüentado pelos pioneiros de Goiânia já não existe mais. Assim como aconteceu com todo o Centro, a degradação já chegou às salas cinematográficas mais antigas há algum tempo. Assim como o Santa Maria, existem pelo menos mais dois outros cinemas que se tornaram pornôs. Os que não viraram pornôs, viraram igrejas. Então, para quem quiser assistir um filme mais “família”, é melhor procurar o shopping mais próximo.

Cine Santa Maria
Endereço: Rua 24, quase esquina com a Anhanguera
Horários: das 13 às 20 horas
Preço – R$: 6,00
Classificação etária de todos os filmes: 18 anos
Paulo Henrique dos Santos
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Por que a guerra?




Imagine all the people living life in peace.
John Lennon

“Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?” (Por que a guerra?, Einstein, p.193)

A agressividade é algo inerente ao homem e dela provém, inclusive, a origem de nossa civilização, uma vez que a mesma, com suas leis, regras e imposições, surgiu para conter os impulsos agressivos do homem e permitir que fosse possível a convivência em comunidades.

O ser humano é naturalmente egoísta, daí sua agressividade. Ele é incapaz de ser completamente altruísta, de pensar em irmandade e seguir o mais notório mandamento cristão, “Amar ao próximo como a si mesmo”. Na verdade, o mais correto, segundo Sigmund Freud, seria “Amar ao próximo como ele me ama”. O amor completo e gratuito ao próximo é algo impossível, utopia, pois o ser humano só é capaz de amar, se ele encontra no próximo características de si mesmo, ou seja, se ele se vê ou vê seus ideais de vida no próximo. “Ela merecerá meu amor, se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu (self)” (O mal-estar na civilização, Freud, p.114)

Se o homem fosse capaz de amar incondicionalmente, não haveria agressividade e portanto, nunca teria havido guerra. A forma encontrada pelo ser humano de conter a agressividade foi a criação de leis que regem e determinam a vida e impedem que todas as pulsões (Isso, Princípio de Prazer, Pulsão de Morte) sejam exteriorizadas.

O Isso é o repositório de todas as pulsões, onde ficam os desejos, a libido, o impulso de agir, de buscar prazer incessantemente, sem limites. O Supereu se desenvolve do Isso e domina-o, trata-se das inibições das pulsões. É o repositório das leis, a ordem máxima interiorizada e que não é a mesma para todos os indivíduos.

Através do Supereu a agressividade do homem é recalcada e vai sendo acumulada até certo ponto, quando o mesmo encontra alguma justificativa para exteriorizar essa agressividade. Podemos dizer, portanto, que a guerra é nada mais que uma válvula de escape de toda agressividade recalcada. Muitos homens justificam sua participação em guerras porque foram seduzidos por alguém ou alguma ideologia. Só que para ser seduzido é preciso se deixar seduzir, ou seja, toda justificativa não passa de uma desculpa banal.

Não seria absurdo afirmar, portanto, que a guerra é uma busca, mesmo que inconsciente, pelo prazer. Segundo Freud, Princípio de Prazer é uma busca incessante pela satisfação sem limites e também uma forma de evitar o desprazer, sofrimento. Frente ao Princípio de Prazer, temos o Principio de Realidade, que nada mais é que o Princípio de Prazer adaptado ao mundo real. “Um homem pense ser ele próprio feliz, simplesmente porque escapou à infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento, e que, em geral, a tarefa de evitar o sofrimento coloque a de obter prazer em segundo plano.” (O mal-estar na civilização, Freud, p.85)

O homem só consegue distinguir o prazer porque já experimentou o sofrimento (contraste), se a dor não existisse, não seria possível a alegria (satisfação) na sua ausência. Portanto, a guerra é uma busca de prazer, pois sem a guerra (sofrimento) não haveria paz (satisfação). “Nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos” (Goethe) .

Outra possível causa da guerra, é a divisão da humanidade em grupos, nações, crenças, castas etc. Na maior parte das vezes, para conseguir unir um grupo, é preciso que se estabeleça, em comum, ódio a um outro grupo. Podemos citar vários exemplos, Hitler contra judeus, negros e homossexuais; atualmente, a briga entre Ocidente e Oriente, envolvendo o terrorismo e a idéia maniqueísta distorcida do mal contra o bem; os conflitos entre torcidas de futebol; e o próprio sentimento nacionalista exagerado, que coloca culturas e povos em confronto.

Se não houvesse uma divisão, se todos nos enxergássemos como homens, humanidade, irmandade e não como grupos que competem entre si, aí sim poderíamos eliminar a guerra da sociedade. Se nos amássemos incondicionalmente, talvez poderíamos controlar nossa pulsão agressiva e dar um verdadeiro sentido à noção de civilização. Contudo, isso se mostra utópico, pois o egoísmo humano nunca o permitirá “amar ao próximo como a si mesmo” e como a guerra sempre fez parte da história do homem desde o princípio, sem que fossem necessárias maiores justificativas, ela sempre se fará presente, até que consigamos pôr um fim a nós mesmos.
Camila Pessoa e Carollyne Almeida
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A volta por cima do gigante decadente


Investidores traçam perspectivas otimistas para a reabertura do Shopping Bougainville

A reabertura do Shopping Bougainville ao público, que estava prevista para o dia 24 de outubro, foi mais uma vez adiada. A nova data é 22 de novembro. O shopping será inaugurado oficialmente dia 21 de novembro com um evento restrito aos lojistas, funcionários e convidados. A mudança de data ocorreu por causa do atraso nas obras do espaço onde ficará uma das principais lojas, a Renner, e também devido à demora na entrega dos equipamentos para as cinco salas de cinema.
A decisão para a mudança de data ocorreu pelo consenso entre os lojistas e a direção do Bougainville, que acreditam em um impacto maior da abertura em uma única etapa. A inauguração parcial do shopping, de acordo com o superintendente do empreendimento, Walbis Suel, não exerceria o mesmo poder de atração junto ao público. Com o atraso na reabertura, também será possível a inauguração do shopping já com a decoração de Natal - em que estão sendo gastos cerca de 250 mil reais - e promoções de final de ano.
Dos 110 espaços reservados às lojas, 99 já foram locados. Os outros 11 ainda disponíveis são vistos pela direção do Bougainville como reservas estratégicas, que serão preenchidas conforme a demanda e as exigências dos consumidores. Além de lojas de Goiânia, também haverá estabelecimentos de Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo.
Durante o período de reforma, apenas a estrutura de concreto do prédio foi mantida. O interior foi totalmente modificado, incluindo a parte elétrica, telefônica, hidráulica, escadas rolantes e elevadores. O piso e decoração também foram alterados visando atender ao público alvo do empreendimento: as classes A e B. O azulejo, por exemplo, é todo em granito São Paulo e agora o Shopping tem três entradas e saídas de carros, sendo a principal toda coberta para embarque e desembarque dos clientes.
O Shopping Bougainville foi arrematado da massa falida da Encol em leilão pelo valor de R$14,78 milhões de reais por um conjunto de investidores formado pelo Grupo Orca, detentor de 40% das ações, Lacerda Par, com 20% das ações e um grupo formado por Merzian Construtora, Pinauto Veículos, Linknet e Agropecuária Stival, que juntos têm 40% das ações. Os empreendedores investiram um total de 40 milhões de reais enquanto os lojistas desembolsaram cerca de 15 milhões na montagem de seus estabelecimentos.
Inicialmente, a compra efetuada pelos investidores correspondeu a 70% das ações. Os outros 30% pertenciam ao Fundo de Previdência dos Funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef). Para garantir o controle total sobre o empreendimento, os sócios compraram o restante do shopping, garantindo a posse de 100% das ações.
Estima-se que, após sua reabertura, o Bougainville receba cerca de 600 mil pessoas por mês, valor que deve aumentar consideravelmente em datas como o Natal, Dia das Mães e Dia dos Namorados. O shopping deverá gerar aproximadamente 3,6 mil empregos, sendo 1,1 mil diretos. Este número poderá aumentar de acordo com o crescimento do volume de vendas e a consolidação do novo empreendimento.
Antes do fechamento para reformas, o Shopping Bougainville, inaugurado em 1990, passou por um longo período de crise, agravado com a abertura do Goiânia Shopping, em 1995 e a falência da Encol, em 1999. Durante esses anos, não conseguiu manter o volume de vendas necessário à sua manutenção e satisfação de seu público alvo, as classes A, B e C, e acabou se tornando ponto de encontro do público alternativo, especialmente jovens, atraídos pelo cinema e café Lumiére e pelo pequeno movimento.
Em 2001, foi arrendado pela Lagoa Verde, empresa especializada em revitalizar empreendimentos, já então com apenas 54% da área reservada para lojas locada. A empresa não obteve os resultados esperados e no dia 20 de dezembro de 2004 o Bougainville foi a leilão com o valor inicial de R$ 10,5 milhões. Não houve negociação, pois o grupo de investidores achou o valor inviável frente à relação custo-beneficio. O shopping passou então por um ano de crise aguda até ser arrematado dia 15 de dezembro de 2005, quando foi fechado para reformas.


César Henrique Guazelli
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sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Terceiro Dia, ou, como o cansaço pode destruir um filme! (25/10/06)

O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias

Impressionante como a Mostra nos proporciona olhares tão distintos e ao mesmo tempo tão próximos a cada filme. Se o universo infantil havia sido registrado de maneira sublime pelas lentes de um cinema italiano forte e cheio de personalidade com Anche Libero Va Bene, desta vez é em um filme nacional que esse olhar irá se expandir e se complementar de maneira encantadora e surpreendente no belíssimo O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, dirigido por Cao Hamburguer (de Castelo Rá-Tim-Bum).
Me intrigou bastante perceber que, em meio a tantas tentativas (frustrantes) de se falar de um período tão conturbado da história do Brasil como a Ditadura - Sonhos e Desejos, Zuzu Angel, Cabra-Cega, O Que é Isso Companheiro - que um filme com um olhar basicamente infantil, seja de longe, o mais forte e bonito deles. Hamburger impressiona no registro impecável de sua câmera, ao recriar o ano de 1970, em que o pequeno Mauro é deixado pelos pais (fugitivos do governo militar) na casa do avô, que subitamente morre, antes mesmo de sua chegada, e é acolhido pela comunidade judaica de um bairro de São Paulo. O diretor em momento algum impõe qualquer reação ao seu protagonista. Ele conhece como poucos esse universo, e por isso capta de maneira sublime os pequenos acontecimentos do cotidiano daquele bairro, dos costumes daquela gente tão estranha aos olhos do garoto, e principalmente, da transformação que Mauro irá sofrer ao longo desse ano.
Hamburger demonstra imenso domínio da misé-en-scene, seja na composição dos quadros, na belíssima utilização dos reflexos em espelhos, janelas e TVs, até na simples e muito inteligente reconstituição de época que dá ainda mais credibilidade ao filme. Mas ele ainda vai além ao reconstruir a identidade daquela criança lidando com ausência dos pais, descobrindo o mundo à sua volta, um mundo novo, nunca antes desbravado.
"O Ano..." é junto com O Céu de Suely, o filme nacional de 2006, impecável no seu registro, na sua composição, no seu olhar aguçado e livre de amarras. Radiografando todo aquele ambiente brilhantemente; do apartamento do avô, ao bar em que todos se reúnem para assistir aos jogos da Copa, todo aquele espaço recebe enorme atenção do cineasta, sempre o registrando a fim de, cada vez mais, investigar seus personagens e nos brindar com momentos incríveis de puro cinema.
Foi sem dúvida até aqui, o mais aplaudido dentre os filmes que vi nesta mostra, pois na sua simplicidade e sensibilidade, parece conseguir dialogar com o público da maneira mais humana e próxima possível, nos colocando ao lado de sentimentos que em momento algum parecem forçados ou impostos. Gratificante, sincero e extremamente dono de si. São esses alguns dos adjetivos que encontro agora para falar desse filme inesquecível que é O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias.
Estréia dia 2 de novembro!
Cotação: * * * *


Fica Comigo

Filme do cingalês Eric Khoo, Fica Comigo abre com os dizeres: “inspirado na vida e autobiografia de Theresa Chan”. Esse é um dado imensamente importante pra se entender o quão ambicioso é este filme. A primeira cena mostra alguém (que não sabemos a princípio quem seja) escrevendo um texto sobre amor e perda. E em seguida, Khoo abre as portas de seu filme para que seus personagens comecem a vagar silenciosamente pela tela. Duas garotas apaixonadas que trocam mensagens de amor pelo celular e pela internet, um segurança que persegue pelo monitor de TV do prédio em que trabalha, todos os passos da bela mulher por quem se apaixonara, e um velho, excelente cozinheiro, que acompanha a esposa em estado terminal em um Hospital.
É depois de apresentar cada um de seus personagens fictícios, que Khoo dá seu tiro de misericórdia e revela a pessoa por trás da máquina de escrever. Ela é Theresa Chan, ela mesma em quem o filme se inspira, cega e surda, às voltas com a conclusão de sua autobiografia. Numa assombrosa fusão entre ficção e realidade, o diretor aos poucos irá fazer cruzar os caminhos de todas aquelas pessoas.
Chan é sem dúvida um exemplo de vida e superação, e Khoo não impõe a ela um texto ou qualquer coisa formatada. Ele simplesmente registra seu dia-a-dia como professora em uma escola para crianças cegas, suas idas ao supermercado com uma das várias pessoas que a ajudam, e os momentos em que escreve seu livro em casa.
Nesse sentido (da narrativa fragmentada em que vários personagens aparentemente desconexos irão por algum motivo se encontrar), Khoo se assemelha ao que faz Iñarritu com seus Amores Brutos, 21 Gramas e Babel, mas há uma imensa diferença na distribuição das peças nesse jogo de cinema de cada diretor. Enquanto Iñarritu impõe o absurdo pra fazer com que seus personagens se encontrem, Khoo lhes coloca apenas diante pequenos dramas do cotidiano, o que carrega ainda mais seu filme de humanidade e força.
Apesar de algumas conclusões da trama não serem plenamente satisfatórias, Fica Comigo impressiona por misturar de maneira, acredito eu, inédita, ficção e realidade de uma forma incrível. Da metade pra frente, Theresa Chan passa a ser o centro do filme, dona de todo ele. E seu exemplo de vida, em momento algum servirá como pretexto moralista para julgar os personagens fictícios da trama, o que poderia transformar o filme em uma obra de auto-ajuda. Ao final, já arrebatado pela força de Fica Comigo, uma mulher ao meu lado comenta que, ainda bem existem mostras como essa para nos colocar frente a frente a essas raridades. Verdade!
Cotação: * * * *

Fora do Jogo

O cineasta Jafar Panahi (de O Balão Branco, O Círculo e O Espelho), aproveita o jogo que classificaria a seleção do Irã para a Copa da Alemanha, e ao modo do já consolidado realismo iraniano, contará a estória de uma garota que se veste de homem para tentar ver o decisivo jogo da classificação da seleção no estádio, onde só é permitida a entrada de homens. Como o título já diz, a menina ficará de fora junto com mais outras 5 garotas que, da mesma maneira foram descobertas de seus disfarces e são mantidas presas pelos policiais até que o jogo termine e elas seja encaminhadas para a delegacia.
Panahi usa não-atores, e todos eles conseguem imprimir grande verdade ao filme. Aos poucos, o Fora do Jogo irá, com muito bom-humor, explorar a situação da mulher iraniana dentro daquela sociedade machista. O cineasta, assim como seu mestre Abbas Kiarostami, parece ter grande interesse nessa análise do papel da mulher no Oriente Médio, e por isso ele o faz com grande sensibilidade e categoria. Mas não podemos esquecer que Kiarostami já havia falado sobre o assunto de forma profunda e sublime com o seu formidável Dez.
Confesso que o cansaço brutal desse terceiro dia de Mostra não ajudou muito na minha relação com o filme. É ainda assim, uma obra importante, de um cineasta que se, em seus primeiros filmes parecia andar na sombra de seu mestre (Kiarostami), prova nesse novo trabalho que é capaz, muito bem, de andar com as próprias pernas.
Cotação: * * *

Honra de Cavalaria

Honra de Cavalaria foi o responsável pelo meu primeiro surto físico/emocional deste Festival. Como bem disse Albert Serra na apresentação de seu filme, esta é uma obra que exige acima de tudo, paciência, o que, convenhamos, após uma avalanche de 12 filmes, todos eles de digestão nada fácil, não era tarefa das mais fáceis.
Portanto não me acho digno de dizer se o filme é bom ou ruim. Seguindo duas figuras famosas da literatura, Dom Quixote e Sancho Pança, o filme de Serra em momento algum parece estar interessado em suas aventuras. É cinema contemplativo ao extremo, de tempo, luz, som e espaço. Os diálogos são raros, e quando aparecem, são exaltações de Quixote à natureza, à vida, a Deus. Nada mais que isso. É impressionante por filmar o escuro - com pouca ou nenhuma luz, fato que pode irritar às vezes - na sua relação íntima com o tempo, no trabalho impecável de som.
Mas é, sem dúvida, um filme extremamente consciente de si, mesmo que em sua maior parte, essa consciência vá contra o filme.
Não pretendo divagar tanto sobre ele. É uma obra que pede revisões com certa calma, mesmo que ainda saiba que elas serão duras, assim como o filme é! É chato, penoso, mas repleto de boa qualidade. Experiência árida. Mas me fez pensar, que se Cervantes, ao invés de escrever, filmasse seu clássico Dom Quixote, ele seria algo parecido com esse aqui.
Cotação: * *
Rafael C. Parrode
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quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Diário da Mostra SP de Cinema - Dia 2: 24/10/06


Dois Italianos e dois brasileiros:

Anche Libero Va Bene

Muito da aceitação de um filme vem da bagagem emocional que cada espectador carrega consigo. E acho que grande parte do meu carinho pelo filme do diretor estreante Kim Rossi Stuart, chamado Anche Libero Va Bene, vem dessa identificação, mesmo que vaga, de alguns momentos da minha infância.
Anche Libero Va Bene se apóia na já batida dinâmica da família disfuncional, em que um pai com seu casal de filhos, tem que lidar com os problemas do cotidiano, após ser abandonado pela esposa. Se engana, porém, quem pensa que o filme gira em torno da figura do pai, e mesmo se, a princípio, a dinâmica daquela família dá o tom do filme, seu grande protagonista é o filho caçula, interpretado com uma violência emocional impressionante pelo pequeno ator Alessandro Morace.
Stuart que, além de dirigir, interpreta o pai, demonstra uma impecável cumplicidade com os atores, e principalmente, filma aquela relação familiar com muita paixão, sem cair em estereótipos ou modelos de comportamento. Cada personagem reage aos acontecimentos de maneira muito peculiar, sem qualquer moralismo ou convenção que os transforme em anjos ou demônios.
Com o retorno da mãe visivelmente fragilizada e perturbada, toda a dinâmica diária a que a família se acostumara, acaba se transformando drasticamente. Mas é nesse momento que Stuart volta sua câmera ao caçula da casa, registrando de maneira delicada seu universo e como, ao longo do tempo, ele irá se fechar em um mundo particular. Mundo esse, que tenta ao máximo excluir todos os problemas que sua família enfrenta e que ele parece carregar em suas costas sozinho, mesmo sabendo, como muito bem diz o título do filme, que ele é o líbero da casa. Líbero aqui, é o jogador de futebol que distribui a bola, que arma o jogo e dá sustentação ao time. Aqui no Brasil, traduziram o título para Estamos Bem Mesmo Sem Você, título esse que deturpa de certa forma toda a construção dramática do filme, pois ninguém ali consegue lidar bem com a ausência.
A certa altura do filme, derramei a primeira lágrima da Mostra, pois, mesmo Stuart fugindo ao máximo do drama fácil e gratuito, tudo ali parece convencer plenamente, e em se tratando de uma estória tão melancólica e emotiva, não há como fugir desse tipo de reação. Saí então do filme com aquele baita sorriso no rosto, não por ele ter um final feliz ou coisa do tipo, mas por ter visto um filme em que a catarse parece vir com calma, sem imposição, de maneira iluminada, sensível, e muito, muito gratificante.
Cotação:****

O Céu de Suely

Karim Ainouz, na apresentação de seu segundo longa hoje, disse que, pra se fazer um filme, deve-se estar apaixonado pela estória que irá contar, e que, no caso de O Céu de Suely, foi ainda mais apaixonante, pois foi uma viagem à sua infância no Ceará, às lembranças de sua mãe e de suas tias que nunca saíram de sua pequena cidade natal no agreste nordestino. Ela disse, ainda, que esse filme era sobre o que poderia ter acontecido se alguma delas assim tivesse feito, e que o cinema é fascinante, porque permite esse tipo de suposição. Disse também que, diferentemente de Madame Satã, um filme basicamente noturno e boêmio, o Céu de Suely é um filme de luz, de céu, de dia.
Toda essa introdução feita Ainouz numa sessão lotada, aumentou ainda mais o poder do filme sobre mim. O Céu de Suely gira em torno de sonhos, de pessoas comuns, banais que não se sentem confortáveis no mundo em que vivem, desiludidas nesse país que pouco olha para seu povo. Karim, desde Madame Satã demosntra completo domínio da imagem, potencializado ainda mais pela fotografia impressionante de Walter Carvalho e pela competência de todo o elenco. Mas o mais marcante é como ele imprime seu olhar aguçado, lírico e livre de moralismos ao contar a estória de Hermilla (interpretada por Hermilla Guedes, que dá seu nome à personagem em uma interpretação assustadoramente bonita). Ela volta à cidade natal de Iguatu com o filho bebê a fim de recomeçar a vida ao lado do namorado, que chegará logo depois com uma gravadora de Cds para serem pirateados e vendidos em uma banca no centro da cidade. Com o tempo, Hermilla percebe que está sozinha novamente, que o pai de seu filho sumiu, e que todo o futuro que ela havia sonhado havia se desfacelado. Ela agora vende rifas de whisky e lava carros num posto de gasolina para juntar algum dinheiro e se mudar para a cidade mais longe que um ônibus puder levá-la. A passagem não é nada barata e é ai que Hermilla resolve rifar "uma noite no paraíso" com Suely (seu novo nome) com o objetivo de conseguir todo o dinheiro de que precisa para se mudar.
O filme é dono de ao menos três sequências memoráveis, como aquela em que Hermilla e João, um antigo namorado, vão de moto ao motel tendo o crepúsculo como moldura de suas fraquezas e sentimentos; ou aquela em que sua avó lhe exige que peça desculpas; mas principalmente na cena final do filme que não pretendo contar pra não estragar o impacto que ela traz. Impressionante também como a câmera captura Iguatu, cidade perdida no sertão cearense, cortada por uma linha de ferro, repleta de luzes e sons de carros e de músicas bregas tocadas em volume máximo, das pipas presas nos fios do poste, das casa rústicas e pobres.
O Céu de Suely é, sem dúvida, o melhor filme nacional que vejo em anos, porque é cinema pensando o Brasil em carne e osso, sem firulas, sem deturpações. É um filme sobre gente comum, sobre o ordinário (no bom sentido da palavra), sobre sonhos, sobre gente. Imperdível!
Cotação: ****

Sonhos de Peixe

Fascinante como um filme tão brasileiro, na sua maneira próxima e íntima de se capturar o dia-a-dia de uma vila de pescadores, venha de um russo. Kirill Mikhanovsky demonstra um impressionante domínio no registrar dos corpos e das vozes de seus personagens, em sua maioria interpretados por não-atores - o que imprime um realismo incrível a tudo - em contraponto com as sequências quase surreais dos pescadores no fundo do mar. O filme busca com delicadeza um olhar quase documental sobre os moradores da vila, sua relação com aquele espaço, com o mar. A princípio nos aproxima muito de todos aqueles personagens e em seguida nos coloca frente a frente com seus dilemas e impasses. Sonhos de Peixe é um filme que, se não tem o lirismo de O Céu de Suely, carrega toda a sua força no seu registro impecável do cotidiano. Algo semelhante a Barravento de Glauber Rocha. Mikhanovsky tem bastante interesse também em investigar o fascínio do brasileiro ante o poder da TV. Todos ali na vila não perdem um só capítulo da novela "O Beijo do Pecado" e será a televisão, o aparelho que criará o grande climax do filme. Sonhos de Peixe é, assim como o de Karim Ainouz, um filme que olha diretamente para o povo, sem interferências; e por isso mesmo é político: registra uma realidade que pouca gente está acostumado a ver e diante dela, nos faz pensar nesse país desigual em que vivemos. Esses dois filmes nacionais de hoje deveriam chegar o quanto antes, nas casas da elite, da classe média, dos políticos brasileiros, pra revelar um Brasil que essas pessoas só conhecem pelas lentes distanciadas de um Globo-Repórter ou qualquer outro programa feito, menos para abrir os olhos para revelar um Brasil de abismos, do que para fazer-nos pegar no sono dos justos.
Cotação:***

O Crocodilo

Quem pensa que um filme sobre Berlusconni será útil apenas para os italianos, se engana profundamente. Queria muito poder transmitir em TV aberta, nessa época de eleições, esse maravilhoso filme de Nanni Moretti, no horário nobre, no horário da novela, ou mesmo no lugar desses debates imbróglios que temos visto ultimamente.
Mas o que mais impressiona neste filme de Moretti é a união perfeita entre cinema e política, pois a todo o tempo ele destila sua paixão pela sétima arte, pela dura odisséia que é fazer um filme, quanto mais um filme político, de denúncia. O Crocodilo podia muito bem estar dentro da Retrospectiva do Cinema Político Italiano que a Mostra trouxe este ano.
O cineasta equilibra comédia com metaliguagem, num filme que em momento algum quer fazer a denúncia pela denúncia simplesmente. Moretti quer, através de uma obra complexa e rica como essa, questionar os limites do poder, da farsa; ao mesmo tempo que aposta numa narrativa absolutamente intimista de um produtor de filmes "B" em completo estado de falência profissional e emocional.
Há muitas cenas sublimes em O Crocodilo, todas donas de uma riqueza visual tão deslumbrante que é impossível não embarcar nessa viagem cerebral de Moretti. Um exemplo é aquela em que Bonomo, dormindo em um dos cenários construídos para seu novo filme “O Crocodilo”, acorda com o estúdio sendo destruído por uma garra de um trator que poderia muito bem ser a boca de um grande crocodilo. O fato é que o cineasta, antes de qualquer coisa, foca seu filme na instituição do cinema e na briga de Bonomo, um produtor de direita, que vê no roteiro da novata Teresa (um roteiro sobre Berlusconi claramente de esquerda) a única chance de salvar seu estúdio, e será esse projeto, sua redenção. Sua luta pra conseguir filmá-lo é mostrada com doçura e ao mesmo tempo com doses cavalares de uma ironia fina e ácida. A relação que Bonomo tem com a mulher e os filhos é registrada com a mesma força intimista de outro belo filme seu, O Quarto do Filho.
O Crocodilo é, sem dúvida, um filme que eu gostaria que alguém aqui no Brasil tivesse peito e a inteligência de fazer. Não importa, pois apesar de tocar em um ponto específico da história recente da Itália, assim como toda obra de arte, fala de uma maneira universal. Segundo dia de festival, segunda obra-prima até aqui.
Cotação: *****
Rafael C. Parrode
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Diário da Mostra SP de Cinema: 1º Dia: 23/10/06

Uma das coisa mais bacanas dentro da Mostra é que, antes de cada filme, há uma pequena apresentação, em alguns casos, do próprio diretor ou de alguém ligado à produção do filme. Com isso, a aderência, o contato com a obra em questão acaba sendo mais fácil, porque acabamos ouvindo de pessoas de dentro da produção sobre o próprio filme. Foi assim com Diários de Perlov, em que a esposa do diretor falecido ano passado, Nora Perlov nos deu depoimento emocionante sobre a obra, e que, infelizmente só tive a chance de ver os dois primeiros episódios; e também com Proibido Proibir, em que Jorge Durán contou como foi a experiência de filmar os jovens brasileiros. Foi um dia marcado pela correria entre uma sala e outra, nos horários sempre colados e que exigiam que eu subisse ladeiras acima e abaixo a fim de chegar a tempo às sessões. Ainda assim, foi um dia gratificante por me colocar em contato com filmes tão diferentes, mas que vistos de uma só vez acabam por criar um vínculo interessante.

Diários de Perlov 1 e 2

Foi com esse filme que comecei o primeiro dia da Mostra, vendo as duas primeiras partes de um diário filmado, composto por seis episódios de uma hora cada, realizados pelo cineasta David Perlov, que morreu ano passado. Perlov, professor de cinema de uma universidade de Tel-Aviv, estava desapontado com os rumos que o cinema da década de 70 estava tomando, se tornando muito mais produto de publicidade e de ideologias baratas, do que uma expressão artística. Com isso, resolveu filmar o seu cotidiano e de sua família, bem como de tudo o que acontecia a sua volta. Nasceu assim Diários de Perlov,filme em que o cineasta registra, do período de 1970 até meados de 90, as banalidades do dia-a-dia, do cotidiano, do olhar a janela, do olhar as pessoas e seus rostos, do olhar a vida em sua plenitude.
Perlov consegue momentos de grande força, como quando filma as mulheres no muro das lamentações em alvoroço com o estouro da guerra do Yon-Kipur; quando filma Nora sua esposa em seus momentos de intimidade; quando visita um cemitério que se divide entre suicidas, velhos e vítimas de guerra; do seu reencontro com o passado na cidade de São Paulo (o diretor nasceu aqui) ou quando, no segundo ato, ele e sua câmara captam momento de grande força: sua filha voltando de viagem desiludida com o namorado. Diários de Perlov abriu de uma maneira quase surreal a minha chegada a esta Mostra que, em apenas um dia, se mostrou surpreendente, funcionando quase como um prólogo a esta maratona incessante de filmes que estou vivendo. Isso porque, antes de tudo, o filme é sobre a paixão de se filmar, de se documentar via imagens as coisas mais simples, e por isso mesmo, mais carregadas de mistério e fascinação.
Cotação:****


Mary

É difícil falar sobre esse novo filme de Abel Ferrara. Primeiro, porque é o mais complexo de seus trabalhos e por isso merece muitas revisões. Segundo, porque é um Ferrara que parece estar mais ligado ao cinema dito de arte do que ao de gênero que ele se consagrou fazendo, como o policial, a ficção científica e os filmes de ação.
Entretanto, é um Ferrara no pleno domínio da linguagem cinematográfica. Ele consegue criar cenas que simplesmente seriam impossíveis de se colocar no papel, numa consciência impressionante da misé en scene.
Muita gente andou criticando o filme por não ser tanto sobre Marie (Juliette Binoche), que após interpretar Maria Madalena em um filme sobre a vida de Cristo, resolve largar tudo pra se encontrar com a fé e com Deus, mudando-se para Jerusalém. Não é de graça que Ferrara abre seu filme com a cena em que Jesus ressuscita e pede a Maria que avise a seus discípulos, no filme dentro do filme que é "In My Blood", dirigido por Tony Childress (interpretado por Mathew Modine que hora parece um alter ego de Ferrara e outra uma caricatura de Mel Gibson). Mas o filme na verdade tem três protagonistas e é em torno deles que a trama irá girar. Portanto, além de ser um filme de Marie, é também um filme de Tony e do apresentador de TV Theodore (o sempre estupendo Forest Whitaker) e seus questionamentos sobre fé, raça, sexo e Deus. Na verdade, pra mim, Ferrara disse muito sobre o papel da mulher na sociedade (e isso pouca gente percebeu) e sobre essa busca incessante pela verdade sobre Cristo, quando nos esquecemos dos reais ensinamentos do "mestre" que é simplesmente amar o seu próximo. É claro que Ferrara não cai nas facilidades desses temas tão batidos e vai muito além, porque mesmo buscando a redenção e a fé, cada personagem ainda enfrenta momentos de grande violência, dúvida, sempre emoldurados pelas imagens impecáveis que se fundem umas às outras através de sua montagem maravilhosa.
Ferrara também nunca se esquece de falar de Nova York, o que me lembrou bastante em alguns momentos, de outro filme brilhante seu, X-Rmas (Gangues do Gueto). Mas e a trama? Theodor é um apresentador que está fazendo uma série de programas sobre Cristo. Quem foi ele? Quem foram seus verdadeiros discípulos? E quem e por quê mataram-no? São essas algumas das perguntas do apresentador que são respondidas por teólogos e estudiosos de verdade. Theodor é um homem como qualquer outro, trai a mulher, tem suas dúvidas, seus impasses. De outro lado está Tony, diretor megalomaníaco, que vem sofrendo críticas a seu filme por mostrar um Cristo bem diferente do que as escrituras diziam. E por último Marie, atriz famosa que larga tudo pra se entregar aos ensinamentos de Cristo. Ferrara entrelaça a vida desses três personagens os colocando frente a frente com suas dúvidas e fraquezas, e por isso, o filme é muito menos sobre Deus, Cristo e religião do que sobre seres humanos, que erram, se redimem e erram novamente. É um filme denso, forte, que acumula seu poder nas suas imagens impressionantes. A primeira obra-prima do festival.
Cotação:*****

Proibido Proibir

O cinema nacional andava carente de filmes que falassem diretamente com o universo dos jovens, sem aquele olhar deturpado global de Malhação. Jorge Durán então, reúne sua turma de alunos e ex-alunos de cursos de cinema ministrados por ele, pra falar sobre uma fase decisiva na vida dos jovens: a universidade. Não é sem razão, que ele centra seu filme em 3 personagens, Paulo (Caio Blat inspirado), amigo de León (Alexandre Rodrigues), que namora com Letícia (a sempre graciosa Maria Flôr). Paulo faz medicina, o que dá ao filme um tom mais humano, mais carnal. León faz jornalismo, é negro (e o melhor da sala) e me parece ser o personagem mais frágil e unidimensional da trama, pois será ele quem vai lidar com o elemento "denúncia" do filme. Letícia, por sua vez, é o olhar estético que Durán imprime em seu filme. Ela faz arquitetura, e será pelos olhos dela que veremos os personagens se relacionarem com o espaço a sua volta. Ela é, sem dúvida, o link estético que Durán precisava pra fazer um filme que lidasse com a imagem de uma maneira menos óbvia, investigando os espaços, a arquitetura decadente do Rio e conseqüentemente, seus personagens e suas ações. É um filme que carrega alguns problemas consigo, em parte pelo elenco secundário e também pelo terço final, que desvia o filme de sua seara humana pra fazer uma denúncia que já estava sendo feita ao longo de todo o filme, com mais sutileza. Nada porém que soe gratuito. Proibido Proibir é um filme acima da média por lidar de maneira mais próxima com o jovem, sem ser burlesco, caricato.
Cotação:***

O Violino

Filme mexicano, com forte tom político. Segue a vida de três gerações de uma família de camponeses (avô, pai e filho), músicos, num momento complicado da história recente do México em que o exército, à procura de guerrilheiros rebeldes, expulsa camponeses de seus vilarejos e os assassina, à procura de informação sobre a guerrilha. É dessa forma que Genaro, que ganha a vida tocando violão em bares junto com seu pai Plutarco - que mesmo com uma só mão, toca seu violino enquanto Lúcio seu neto, recebe o dinheiro das pessoas que estão em volta - tem sua mulher e filha capturadas pelo exército e levadas para casas de prostituição na cidade. A princípio, o filme parece carregar alto tom maniqueísta, distinguindo de maneira fácil e óbvia, os bons dos maus. É essa, por exemplo, a diese de uma das cenas mais bonitas do filme, quando Plutarco, sem saber o que responder ao neto sobre sua mãe, conta uma estória sobre os homens bons e os homens gananciosos, quando Deus mandou que os homens de bem lutassem contra os invejosos e maus, a fim de recobrar a paz na terra. A câmera, que a princípio está fixa em avô e neto, se afasta e num movimento lento, enquanto a estória é contada pelo velho, vai passando pela fogueira e subindo em um tronco de árvore até se fixar na lua.
Filmado em um preto-e-branco granulado, mas que às vezes parece colorir todas aquelas paisagens, o filme ganha força na figura serena do velho Plutarco, homem sábio, artista, de rosto marcado e de olhares profundos. Interpretado belíssimamente por Don Angel Tavira, prêmio de melhor ator em Cannes na mostra Un Certain Regard. É um filme irregular na sua composição, mas que carrega sua força nos personagens que parecem vindos do neo-realismo italiano. E se antes, o diretor Francisco Vargas parecia tratar tudo de maneira maniqueísta, ele se redime quando Plutarco, a fim de buscar sua nora e neta, conhece o comandante do exército e passa a ensiná-lo a tocar violino. O comandante que, a princípio, era um tirano, parece amolecer diante daquele homem tão sábio e cheio de vida que é Plutarco, e se mostra humano ao menos em uma cena do filme. O Violino fecha, assim, esse promissor primeiro dia da Mostra de maneira doce e dura ao mesmo tempo, numa obra que, se está longe de ser uma obra completa, é ainda assim um filme e tanto.
Cotação: ***
Rafael C. Parrode
Copyrigth Arca Mundo.Todos os direitos reservados.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Editorial nº 01: Sejam subversivos!!!!


A Idéia é exatamente essa: subverter! Mas subverter o quê? É com um orgulho de Dr. Frankestein que colocamos no ar hoje a primeira edição da Arca Mundo! Juntando idéias aqui, pedaços ali, sonhos acolá, estamos aqui reunidos para responder a perguntas que foram lançadas num dia de Sol (como conta a Maraísa em sua crônica) por pessoas que viveram a juventude fervorosa da década de sessenta, perguntas sobre nós mesmos: e a juventude de agora? Quais são seus sonhos e suas atitudes para torná-los reais? Como buscar uma comunicação livre nos dias de hoje?
Não é que não tenhamos sonhos como os jovens de outrora, mas não podemos nos prender ao passado, tentando repetir o que já foi feito e deixar de construir algo nosso. Já dizia Elis Regina: “No presente, a mente, o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que já não nos serve mais!” Claro, continuo a ter vontade de ter vivido naquela época, para experimentar o torpor dos festivais, dos Pasquins, dos ideais... mas agora é a nossa vez de mostrar os nossos sonhos! Ainda que sejam sonhos individuais, sonhos sem um inimigo comum, mas são sonhos e valem a pena!!!
Começamos pela necessidade de nos comunicar. É frustrante hoje, estudar comunicação, entender a comunicação, fazer comunicação nos moldes que nos são impostos; com textos em fôrma, com influências políticas e financeiras, com censuras disfarçadas de liberdades. Se na década de sessenta, a forma de se libertar era através dos impressos, hoje isso é quase impossível. Exatamente por isso, buscamos a internet, um meio de comunicação emergente, promissor, barato e que nos possibilita independência. Não é tão democrático assim, porque nem todos tem acesso, mas para nós, já é um começo!
A Arca Mundo surge pra isso: para atender ao direito de uma comunicação de dupla direção – que vai de nós para os leitores e pode voltar - para nos saciar o desejo de comunicar da maneira que nos der vontade, que nos for mais conveniente, que mais nos satisfizer. Não é muito pra entender, tentar entender tudo é uma falha... é para informar e se degustar.
A partir de hoje, em edições semanais, teremos textos dos mais diversos tipos e dos mais diversos assuntos. Nossa ilustre redação será composta por estudantes de jornalismo e por outros comunicadores. Sejam todos bem vindos a essa Arca de misturas: Paulo Henrique dos Santos, Maraísa Lima, Rafael C. Parrode, Maria Claudia Cabral, César Henrique Guazelli, Eula Lobo, Alysson Assunção e eu, Camila Pessoa; escrevendo sobre suas áreas preferidas, respectivamente: Cultura Pop; Crônicas, Cinema, Comportamento, Quadrinhos, Meio Ambiente, Política, Atualidades e sobre o que mais nos der na telha!!
Nessa primeira edição, dentre outras coisas, falamos sobre eleições, sobre literatura B, sobre o nosso nascimento e, já começamos com o pé direito: excepcionalmente, teremos uma cobertura diária do Festival Internacional de Cinema de São Paulo, feita pelo nosso “correspondente” cinéfilo, Rafael Parrode, direto das salas de cinema do festival!!!!
Termino aqui esse texto com a alegria de alguém que só precisava de um estímulo para se encontrar no jornalismo e de um acontecimento como a Arca Mundo para se realizar como pessoa!!! Declaro abertamente o meu amor por toda essa redação, que colaborou para que isso fosse possível! E aos nossos leitores, espero que gostem, e que se deliciem tanto quanto nós!


Camila Pessoa
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segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Uma Cidade Chamada ''Fin-Gi-Dô''


Fui surpreendida semana passada por um convite irresistível: escrever para Arca Mundo. Quem me conhece sabe o quanto gosto de escrever. Sou advogada por acaso, jornalista por osmose, e agora estou tentando me tornar antropóloga – que os deuses digam 'amém'. O ser humano e as construções culturais, as interações com a sociedade em que vive e o comportamento diante de outros da sua espécie sempre me interessaram.

Pensando nesse interesse resolvi fazer minha primeira participação no ciberespaço midiático e contar a história de uma cidade, muito, muito longe daqui – num reino muito distante. A cidade chama-se ''Fin-Gi-Dô''. Como toda boa história, entra por uma porta e sai pela outra, e quem quiser que conte outra.

Era uma vez uma cidade chamada ''Fin-Gi-Dô'', lá viviam milhares de pessoas felizes – chamados fin-gi-dores. As crianças fin-gi-doras estudavam em boas escolas. Os professores fin-gi-dores davam aulas interessantes, sobre assuntos importantes. As mães fin-gi-doras eram esposas felizes, naquela cidade. E os pais de família fin-gi-dores, trabalhavam em Fin-Gi-Dô para manter o padrão de vida elevado de suas esposas e filhos fin-gi-dores.

Todos eram muito felizes naquela bela cidade. Não havia pobres, nem mendigos fin-gi-dores. O prefeito da cidade cuidara para que só fin-gi-dores permanecessem ali. Se por acaso algum fin-gi-dor se desviasse da boa conduta por necessidade ou por insatisfação com a ''boa conduta'' fin-gi-dora, era logo 'eliminado' pela polícia fin-gi-dora, que tinha a suprema missão de dar segurança aos cidadãos de bem de Fin-gi-dô. Não era certo incomodar os cidadãos de bem de Fin-gi-dô, afinal eram eles pais e mães de família que foram às melhores escolas fin-gi-doras.

Os adolescentes fin-gi-dores não usam drogas e cantam hinos de louvor na missa fin-gi-dora de domingo. Sim, em Fin-Gi-Dô são todos muito religiosos. Frequentam a missa todos os domingos, afinal onde iriam os fin-gi-dores encontrar seus vizinhos e amigos? Depois da missa, é hora do almoço da família fin-gi-dora. E, como em todos os lugares do reino, o assunto é a política local.

Na cidade fin-gi-dora, a maioria vai votar naqueles que, como eles, fingem que não cometem erros, naqueles que fingem que são honestos, porque seria uma absurdo votar num governo que expõem a corrupção e que corta na própria carne os membros podres, os desviados, os corruptos fin-gi-dores.
''Como vou votar sabendo que há corrupção no governo, mesmo que eles estejam apurando os fatos?Prefiro votar no outro partido, porque na época deles, pelo menos a gente não ficava sabendo''.(dito por uma advogada, sobre as eleições 2006 no Brasil).
Maria Claudia Cabral
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Alternâncias e Permanências


A eleição para Presidente da República pode estar mais decidida do que poderíamos pensar, e longe de uma virada nas urnas. A pesquisa IBOPE divulgada no último dia 20 no Jornal Nacional indicou que Lula tem 24 pontos de vantagem sobre Geraldo Alckmin. Lula obteve 62% dos votos válidos, e Alckmin totalizou 38%. De fato, as pesquisas devem estar refletindo o que foi mostrado pelos candidatos no debate promovido pelo SBT semana passada. O único aspecto relevante do debate foi o esforço de Geraldo Alckmin para se mostrar um candidato diferente de Lula, e não foi bem sucedido.
Lula cresceu porque os eleitores não enxergam grandes diferenças entre um candidato e outro e, por via das dúvidas, tendem a votar no candidato que já ocupa a Presidência, como sugere um dos refrões da campanha de Lula. A queda nas intenções de voto de Alckmin mostra que esses eleitores já optaram pelo candidato do PSDB, mas agora se voltam para o outro lado.
Alem disso, Alckmin se beneficiou com as críticas à Lula feitas por outros candidatos no primeiro turno, como Heloisa Helena e Cristóvão Buarque. Agora, o candidato do PSDB está sozinho e tem dificuldades em fazer críticas tão pertinentes quanto às dos ex-petistas. Lula é o candidato que tem a cara do povo e, por mais criticável que tenha sido seu governo, é o que de mais parecido o Brasil conheceu como um governo popular. Outra razão pela qual Alckmin tem problemas é que a vida das pessoas melhorou durante o governo Lula. Os mais pobres comem mais e gastam menos, e ainda sobra para pagar prestações de eletrodomésticos.
O grande problema é que, na verdade, Alckmin não se diferencia, porque ainda não conseguiu mostrar um projeto próprio de país. O PSDB, que governou com Fernando Henrique Cardoso de forma neoliberal, não consegue mais retornar ao posto de defensores da social-democracia. Porque, como social-democrata, o governo Lula se afastou da luta de classes e, afora os escândalos de corrupção, anda muito bem, obrigado. Alckmin só promete fazer o que Lula também fez, e aí o eleitor provavelmente vai preferir ficar com o certo, deixando o duvidoso de lado. Sem mostrar o país que quer construir Alckmin, vai enfrentar problemas sérios nessa reta final.


A Reviravolta em Goiás

Em Goiás tudo indica que a eleição para o governo também não reserva surpresa. Não basta o esforço que os analistas políticos estão fazendo para explicar o fato de Alcides Rodrigues passar para o segundo turno em primeiro lugar e abrir uma boa vantagem em relação a Maguito Vilela.
É preciso lembrar que esta campanha eleitoral está sendo atípica em diversos sentidos. A lei mais rígida em relação à campanha de rua e o descrédito dos políticos fizeram com que o eleitor decidisse com convicção seu voto apenas no último momento. Predominou o herói outrora desconhecido, o “escudeiro” de Marconi Perillo.
Nesse segundo turno, provavelmente o eleitor também deve decidir seu voto no último momento, mas Alcides com certeza goza de vantagem pela sua virada nas urnas, pelo uso da máquina administrativa do Estado dentro da campanha e pela presença de Marconi Perillo associada à sua imagem.
Já o candidato Maguito Vilela começou as eleições de “salto alto” e esse fator pode ter sido o que o fez perder dez pontos percentuais em três semanas. O PMDB não teve uma presença forte na campanha porque achou que a eleição já estava ganha. E por fim, a ausência na campanha do principal cabo eleitoral do partido, o prefeito Íris Rezende.
A estratégia de Maguito mudou. Agora ele se apresenta como uma figura humilde no programa eleitoral, mas talvez seja tarde demais para mudar a situação. Ao colar sua imagem à de Marconi, Alcides Rodrigues deve obter os mesmos votos. O instituto SERPES divulgou que se a eleição fosse hoje, Alcides teria 58,1% dos votos totais e se crescer mais de 3 pontos percentuais até a eleição, pode bater o recorde de íris Rezende, se tornando o governador de Goiás eleito com a maior votação desde a redemocratização. Com certeza, essa seria a maior reviravolta em uma campanha eleitoral que Goiás já viu.
Alysson Assunção
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Lição número um: quando nasce o sol ou seria quando o Sol nasce?


O sol, em muitos dias, nasce aparentemente sem compromisso algum. E foi assim ao longo daquele três de outubro, tão recente que a memória é capaz de eternizá-lo. A terça-feira parecia comum como as outras. A rotina começou cedo, quando nasce o sol. Mas algo começou a mudar o que parecia igual.
Ao chegar na faculdade, todos falavam de um certo “filme de jornalista”, chamado O Sol – Caminhando contra o vento. Pelos corredores não se ouvia outro assunto. Diziam alguns, alunos e professores, que o tal documentário seria exibido às sete da noite, numa sala nova de cinema do Banana Shopping.
O motivo mais convincente entre os comentários para que eu fosse assistir ao Sol era a presença de um tal Reynaldo Jardim, que debateria sobre a temática do filme. Os sádicos diziam que aquela oportunidade era única, já que o tal jornalista estava à beira da morte.
Eu ouvi várias versões da sessão de logo mais. Tipo palpite clichê, meio sinopse barata e informal de internet, “Sol é o nome de um jornal da época da ditadura militar, tipo o Pasquim. Nesse filme tem até aquela música do Caetano ‘ o sol nas bancas de revista’, sabe?”, discursavam alguns entendidos.
Fiquei constrangida por não saber nada sobre a exibição do documentário. Não sabia sobre a história do jornal O Sol, e muito menos de Reynaldo Jardim, “um dos grandes jornalistas brasileiros”.
Enquanto isso, o dia passava com um sol escaldante. Pensei em pagar para ver o Sol. Uns me convidavam daqui, outros ligavam de acolá. Mas o fato é que fui ao shopping com uma colega do jornalismo e também amiga de algumas bohemias.
Ao longo do filme notei a presença de Reynaldo Jardim. Cutucava a Pessoa da poltrona do meu lado: “o Reynaldo – notem a intimidade – já chegou!”. Na telona, observava-o, depois olhava para as poltronas debaixo e lá estava ele. Aquela emoção de fã me consumia, no entanto eu não entendia comigo mesma esse sentimento de tietagem. Afinal, há poucas horas eu era mais uma ignorante sobre o tema do filme e sobre seus personagens! Se estiver no cinema, na TV, nos jornais, conquistou o estrelato, o povo conhece mesmo...
O Sol acabou. Em seguida era a vez do debate, das perguntas dos espectadores, da fala de Reynaldo. A discussão foi calorosa, empolgante, porque agora eu já sabia que estava diante de uma parte da história do jornalismo deste país. Tinha conhecido alguém apaixonado pela época em que vivera. Reynaldo parecia, na verdade, uma criança ao falar de quando o nasceu O Sol. Ele estava mais jovem e lúcido que muitos daquelas poltronas.
Todos o questionavam sobre a falta de sonhos da nossa juventude. Alguns jovens diziam que essa mocidade não luta, como ele e seus amigos lutaram, contra um “agressor” ou para manter um jornal subversivo, por exemplo. Os tempos mudaram, eu pensei, mas não disse sequer uma palavra. Reynaldo não se mostrava desiludido com os jovens de hoje. Afinal, segundo ele, não há um inimigo visível. Entretanto, conclamou: “sejam subversivos!”
Fomos apresentadas a ele. Eu pedia conselhos sobre a minha dificuldade de escrever os odiosos lides e sublides. “Escrevo por obrigação e daí perco o interesse pelo jornal diário que existe hoje, esse modelo tão quadrado...”, disse a ele. Quanto a isso Reynaldo me tranqüilizou. “Escreva o que você gosta, cada um tem o seu estilo. Não aceite que façam você perder o encanto e subverta sempre que puder”, disse-me com a sabedoria de alguém que eu parecia admirar há anos.
Reynaldo aconselhou minha amiga e eu a criarmos um meio alternativo e livre para escrever conforme o nosso desejo. A Pessoa que estava comigo precisava de ânimo para fazer sua vida jornalística ter sentido. Necessitava ver o sol nascer pra que pudesse conseguir bons motivos para sonhar, para dar sentido à sua capacidade. Pra mim, o sol, a luz, nasceu através daqueles conselhos. Escrever é mesmo prazeroso quando se pode ser livre, quando se pode ir atrás do sol de todos os dias. Ir à procura do nosso sol, do nosso caminho, contra o vento, sem lenço e sem documento.
A lição número dois é mais simples: não se pode subestimar o nosso sol de cada dia, pois ele talvez não seja tão comum quanto pensávamos.
Maraísa Lima
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Ares de Cinema – Respiração visual: Um relato sobre A Mostra SP de Cinema

Nada mais extasiante do que inaugurar uma revista eletrônica como a Arca Mundo com um relato bastante emocional e imprevisível sobre uma Mostra tão importante como a de São Paulo. Fato é que, infelizmente, só temos acesso a produções do mundo todo em festivais de cinema como esse, o que acaba colocando uma infinidade de filmes no já malfadado gueto dos filmes de arte, e assim, limitando um contato mais abrangente com o grande público.
Porém são em Mostras como essa que cineastas sem qualquer visibilidade têm a oportunidade de reproduzirem seus trabalhos para um público maior, e em alguns casos até se projetarem para festivais mais pomposos e importantes como os de Cannes, Veneza e Berlim. Por isso, eventos como este, são oportunidades raras pra se garimpar o cinema em busca do que há de mais precioso nele, e isso inclui se submeter a filmes muito ruins, tendo em vista que grande parte da seleção é composta por gente que pela primeira vez fez um longa na vida (e isso na maioria das vezes é sinônimo de algum equívoco).
Em sua 30ª edição, a mostra deste ano traz cerca de 400 filmes entre curtas, médias e longas-metragens, o que torna a tarefa de um simples espectador, uma odisséia dantesca, que começa já quando a programação é liberada - bem antes do início do festival - com a seleção dos filmes que serão vistos e a organização dos horários. Tarefa nada fácil diante desse emaranhado de filmes perdidos em tantas salas que é a Mostra.
Durante pouco mais que uma semana, estarei aqui, tentando traduzir em palavras essa intensa experiência que é ver cerca de 30 filmes nesse tão curto espaço de tempo. Da nova onda do cinema Romeno, aos principais filmes latinos, do sempre bem vindo cinema francês ao fervilhante cenário coreano, dos chineses sempre surpreendentes ao renovado e muito bem vindo cinema português, dos iranianos líricos e (hiper) realistas ao há muito já consolidado cinema italiano. Tailândia, Japão, México, EUA, Suíça, Dinamarca, Austrália e é claro, um tour pelo cinema brasileiro em um de seus anos mais promissores. Farei aqui uma espécie de diário cinéfilo, carregado de sensações, numa espécie de “balaio de gato” do cinema mundial, ou, melhor dizendo, como o mundo anda pensando o cinema e vice-versa.

Rafael C. Parrode
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Eu te amo, porra



“Agora é diferente, e para mim era um choque de humildade, mas ali, com minha garota nos braços e nossa filha em seu ventre, soube que tinha alcançado o momento da vida pelo qual esperava. Eu ia ser pai e marido. Dei uma palmada no traseiro de Christy e botei o som a todo volume”. Pág. 72


“Venho tendo um problema ultimamente, que é não conseguir conter o pranto – melhor dizendo, o choro compulsivo. Era atingido, como por um tapa na cara, pela percepção de não ser ninguém de quem eu me orgulhasse. Estava rindo, ou bebendo, ou fumando um baseado, ou levando um papo sobre carros, ou barcos, ou armas, ou bocetas e então saía para o banheiro e, trancado num compartimento, chorava até caírem os olhos. Desejava estar só, mas não deixava escapar a menor oportunidade de me cercar de gente”. Pág. 16


Pode ser encontrado em um mercado de periferia. Ou então jogado entre as publicações pornôs de uma banca de revistas. Ou até mesmo, quem sabe, em um sebo imundo do centro da cidade. Enfim, pode ser encontrado em qualquer lugar. É preciso tomar cuidado para não se confundir: olhe para ver se o papel é de péssima qualidade, pior até que papel de jornal. Veja se na capa existe alguma ilustração tosca colorida mais toscamente ainda. Se o autor for estrangeiro então, pode ter certeza: você acaba ter acesso ao que existe de mais barato na literatura. E isso não é um desmerecimento.
Também conhecidas como Pulp Fiction (já que essas publicações são impressas em papéis de péssima qualidade produzidos a partir da polpa da árvore) os “Livros B” são obras literárias que movimentam números impressionantes no mundo inteiro. Apenas no Brasil, são dois milhões de exemplares vendidos anualmente. Para efeito de comparação, o Best Seller Código da Vinci vendeu cerca de metade disso desde o seu lançamento, em 2004. A crítica pode até desprezar, mas a Literatura B é um fenômeno que surgiu em 1896 e continua firme até hoje.
Se você não é sensível o suficiente para ir a qualquer estabelecimento barato em busca de alguma edição de “Sabrina”, ou “Bianca”, ou ”Júlia”, ou forte o bastante para comprar algum romance noir do Dashiell Hammett (O Falcão Maltês) ou do James Ellroy (Dália Negra), saiba que você poderá ler uma legítima espécie de literatura barata que não acabará com sua reputação caso alguém te pegue lendo. Trata-se do livro “Quarta-feira de cinzas” (Ediouro, 2003 – R$: 9,90), escrito pelo ator, diretor, provavelmente futuro cantor e, além disso, roteirista de dois dos filmes mais cultuados por qualquer descolado da atualidade: os românticos “Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol”. O nome do garoto multimídia é Ethan Howke.
Nesse livro, o ex da Uma Thurman, que por coincidência é estrela do filme cult homônimo ao gênero literário que seu ex-marido quis homenagear, escreve uma história que narra a saga do segundo sargento James Heartsock e de sua namorada (ou ex, depende da circunstância) Christy Ann Walker. Todos os elementos de um Livro B estão lá: o encontro romântico acontece numa rodoviária imunda que fede a urina; os personagens são fracassados, drogados e alcoólatras -mas sempre carismáticos; o linguajar utilizado é chulo, às vezes até grosseiro; enredo extremamente despretensioso; e, principalmente, as mulheres são fatais e o motivo da desgraça dos homens.
A grande sacada de Ethan Howke foi intercalar os capítulos sob o ponto de vista do protagonista masculino e do feminino. Assim, os que preferirem o romantismo (ainda que não tão água com açúcar) da “Sabrina” ficarão satisfeitos com a história narrada sob a perspectiva de Christy. Os que preferirem uma literatura barata que pende para o lado dos romances policiais e noir, ficarão felizes nas partes em que James é no narrador – o que pra mim são os capítulos mais interessantes. Dessa forma, o livro consegue agradar a todos. Apesar de que nesse ponto Ethan falha em sua homenagem: os Pulp Fiction estão se fudendo para o leitor. Com o perdão da palavra.

Paulo Henrique dos Santos
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