segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Eu te amo, porra



“Agora é diferente, e para mim era um choque de humildade, mas ali, com minha garota nos braços e nossa filha em seu ventre, soube que tinha alcançado o momento da vida pelo qual esperava. Eu ia ser pai e marido. Dei uma palmada no traseiro de Christy e botei o som a todo volume”. Pág. 72


“Venho tendo um problema ultimamente, que é não conseguir conter o pranto – melhor dizendo, o choro compulsivo. Era atingido, como por um tapa na cara, pela percepção de não ser ninguém de quem eu me orgulhasse. Estava rindo, ou bebendo, ou fumando um baseado, ou levando um papo sobre carros, ou barcos, ou armas, ou bocetas e então saía para o banheiro e, trancado num compartimento, chorava até caírem os olhos. Desejava estar só, mas não deixava escapar a menor oportunidade de me cercar de gente”. Pág. 16


Pode ser encontrado em um mercado de periferia. Ou então jogado entre as publicações pornôs de uma banca de revistas. Ou até mesmo, quem sabe, em um sebo imundo do centro da cidade. Enfim, pode ser encontrado em qualquer lugar. É preciso tomar cuidado para não se confundir: olhe para ver se o papel é de péssima qualidade, pior até que papel de jornal. Veja se na capa existe alguma ilustração tosca colorida mais toscamente ainda. Se o autor for estrangeiro então, pode ter certeza: você acaba ter acesso ao que existe de mais barato na literatura. E isso não é um desmerecimento.
Também conhecidas como Pulp Fiction (já que essas publicações são impressas em papéis de péssima qualidade produzidos a partir da polpa da árvore) os “Livros B” são obras literárias que movimentam números impressionantes no mundo inteiro. Apenas no Brasil, são dois milhões de exemplares vendidos anualmente. Para efeito de comparação, o Best Seller Código da Vinci vendeu cerca de metade disso desde o seu lançamento, em 2004. A crítica pode até desprezar, mas a Literatura B é um fenômeno que surgiu em 1896 e continua firme até hoje.
Se você não é sensível o suficiente para ir a qualquer estabelecimento barato em busca de alguma edição de “Sabrina”, ou “Bianca”, ou ”Júlia”, ou forte o bastante para comprar algum romance noir do Dashiell Hammett (O Falcão Maltês) ou do James Ellroy (Dália Negra), saiba que você poderá ler uma legítima espécie de literatura barata que não acabará com sua reputação caso alguém te pegue lendo. Trata-se do livro “Quarta-feira de cinzas” (Ediouro, 2003 – R$: 9,90), escrito pelo ator, diretor, provavelmente futuro cantor e, além disso, roteirista de dois dos filmes mais cultuados por qualquer descolado da atualidade: os românticos “Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol”. O nome do garoto multimídia é Ethan Howke.
Nesse livro, o ex da Uma Thurman, que por coincidência é estrela do filme cult homônimo ao gênero literário que seu ex-marido quis homenagear, escreve uma história que narra a saga do segundo sargento James Heartsock e de sua namorada (ou ex, depende da circunstância) Christy Ann Walker. Todos os elementos de um Livro B estão lá: o encontro romântico acontece numa rodoviária imunda que fede a urina; os personagens são fracassados, drogados e alcoólatras -mas sempre carismáticos; o linguajar utilizado é chulo, às vezes até grosseiro; enredo extremamente despretensioso; e, principalmente, as mulheres são fatais e o motivo da desgraça dos homens.
A grande sacada de Ethan Howke foi intercalar os capítulos sob o ponto de vista do protagonista masculino e do feminino. Assim, os que preferirem o romantismo (ainda que não tão água com açúcar) da “Sabrina” ficarão satisfeitos com a história narrada sob a perspectiva de Christy. Os que preferirem uma literatura barata que pende para o lado dos romances policiais e noir, ficarão felizes nas partes em que James é no narrador – o que pra mim são os capítulos mais interessantes. Dessa forma, o livro consegue agradar a todos. Apesar de que nesse ponto Ethan falha em sua homenagem: os Pulp Fiction estão se fudendo para o leitor. Com o perdão da palavra.

Paulo Henrique dos Santos
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