''...o essencial é invisível aos olhos'' (Saint-Exupèry)
Perder a visão...Deve ser doloroso perder a visão. Sempre tive muito medo de duas coisas: perder a visão e perder a razão. Outro dia, na verdade há dois anos atrás, precisei fazer uma cirurgia nos olhos. Fiquei uma semana sem ver. Talvez tenha sido uma das melhores experiências da minha vida. Enxerguei coisas que antes não via.
Viver na escuridão fez-me valorizar os sons e as texturas como jamais ousara tentar. Passava os dias escutando cada ruído em torno de mim, conseqüentemente experimentei viver imersa no tempo presente. No tempo daqueles sons que me envolviam.
Aprendi onde é minha boca, senti a textura e o cheiro da minha própria pele. É verdade, eu jamais havia parado para saber como sou, que cheiro exalo, qual o sentido do toque em meus braços e pernas e joelhos e pés. De repente passei a buscar mais informações táteis a meu respeito. Vi com a ponta dos dedos meus próprios dedos, minhas mãos.
Não só minhas mãos, mas as mãos que me auxiliaram naquele período: o apoio, o carinho, a atenção e a segurança de que necessitava naquele instante, naquelas mãos. Aprendi, timidamente, a importância de confiar nas mãos que estão ao lado. Aprendi a aceitar o guia, ainda que hesitante e insegura. Notei que a entrega às vezes é necessária, e tinha de estar preparada para depositar em outras mãos, mesmo que brevemente, meu destino doce ou ocre.
Senti o cheiro forte do café pela manhã, passei a acordar com ele. Notava o cheiro ligeiramente morno dos dias ensolarados. Percebia o passar das horas pela temperatura, pela brisa. E o odor do mato seco, que invadia minha janela naquele setembro, teve outro senso.
...Percebi que passara a enxergar mais que antes. Naquele curto período de tempo em que estive confinada à escuridão, libertei-me. Alcei vôos incríveis por espaços desconhecidos. Vi além, vi por trás das cascas das árvores, por debaixo da pele dos bichos. Tateei a minha própria alma, abracei a alma humana e senti na ponta dos dedos e em cada milímetro de minha pele os espinhos e a rosa - sem um não há o outro.
Maria Cláudia Cabral
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Viva...
ResponderEliminarNão "ver" os seus textos me deixava cego no arcamundo... Mas, não ve-los e ler seu "ensaio sobre a cegueira" permite-me(nos) ver longe, longe, longe...
,adoro minha cegueira, adorei a sua,
ResponderEliminarCau,
ResponderEliminarQue beleza de texto hein? O que seria de mim se não tivesse te reencontrado??? No mínimo perderia de ler os seus belos textos...Bjs.
Filha!
ResponderEliminarIsso é pura poesia, poesia das mais belas. Tenho orgulho de você. Um beijo,
Pedro