“(...) Que os trabalhos do homem são muitos, já ficaram ditos alguns e outros agora se acrescentam para ilustração geral, que as pessoas da cidade cuidam, em sua ignorância, que tudo é semear e colher, pois muito enganadas vivem se não aprenderem a dizer as palavras todas e a entender o que elas são, ceifar, carregar molhos, gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue, malhar o centeio, tapar palheiro, espalhar adubo, semear cereais, lavrar cortar, arrotear, cavar o milho, cavar as craveiras, podar, argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covatas ara estrume ou bacelo, abrir valas, enxertar as vinhas, tapar a enxertia, sulfatar, carregar as uvas, trabalhar nas adegas, trabalhar nas horas, cavar a terra para os legumes, varejar a azeitona, trabalhar nos lagares de azeite, tirar a cortiça, tosquiar o gado, trabalhar em poços, trabalhar em brocas e barrancos, chacotar a lenha, rechegar, enfornar, terrear, empoar e ensacar, o que aqui vai, santo Deus, de palavras, tão bonitas, tão de enriquecer os léxicos, bem-aventurados os que trabalham, e que faria então se nos puséssemos a explicar como se faz cada trabalho e em época, os instrumentos, os apeiros, e se é obra para homem ou para mulher e porquê” (SARAMAGO – Levantado do Chão).
Um prefácio longo, mas um belo prefácio... Fui durante minha viagem à Recife (na hora do Fantástico, mas com atraso, por isso perdi o dia da publicação deste texto) que, na busca por palavras que pudessem abrir este artigo “dominical de segunda-feira”, reencontrei-me com o escritor lusitano numa de suas obras mais belas – Levantado do Chão.
Minha viagem à Recife motivou este tema, a ciência, e por conta de duas atividades, similares em sua forma, divergentes em seu propósito: a primeira, um congresso científico no campo da educação física – minha área – com um programa que envolve mesas, conferência, apresentação de trabalhos orais e pôsteres abordando os mais variados temas, conteúdos, diferentes referenciais teórico-metodológicos, Projetos Históricos antagônicos, com o protagonismo de estudantes, professores e pesquisadores. A outra atividade, e paralela a esta, é uma ação de formação de educadores do campo – lideranças da juventude campesina, alguns, talvez, semi-letrados – também na área de educação física, com uma certa especificidade para a formação para e pelo lazer.
Duas atividades tendo como pano de fundo a formação, mas o objetivo das pessoas que protagonizarão cada uma destas duas atividades serão possivelmente diferentes e o serão pela natureza destas pessoas e pela natureza das atividades.
Mas essas duas ações de formação me fizeram lembrar de minhas idas e vindas na minha pós (mestrado) e em todas as atividades que participei no campo da formação, principalmente de militantes culturais, agentes comunitários, educadores populares. Eu, um pretenso Mestre, nunca saí destas formações sem ter aprendido e muito. E não falo de pequenas lições sobre a simplicidade, sobre a humildade, sobre a superação de situações difíceis. Falo de uma significativa quantidade de informações, que completaram-se direta ou indiretamente, mas que se transformaram em conhecimentos “patenteados”, constituindo uma boa tuia de “descobridores” na Universidade.
Assim, quanto mais perto de sua raiz nós, pesquisadores, conseguimos chegar do conhecimento – mesmo em sua assertiva mais complicada (“conhecimento é poder”) – este transforma-se sob formas variadas, em linguagens múltiplas, e, neste sentido, essa semana tenho a impressão de que vivenciarei momentos distintos de um mesmo objeto de educação. O conhecimento em sua forma mais próxima da radical (no sentido de raiz) e o conhecimento em sua forma mais rebuscada, patenteada, publicada e, algumas vezes (já testemunhada durante o dia de hoje), complexificada ao ponto de “quanto menos as pessoas entenderem, mas poderoso eu serei”...
Conhecimento... eis também um importante instrumento de luta... Os idosos lutam, os jovens lutam, as mulheres, os índios, os quilombolas, os ribeirinhas, os Andarilhos... e, como diria Makarenko (já o apresentei em outras oportunidades), as crianças. É no conhecimento que penso quando leio sua magistral passagem educacional:
“(...) eles vão à luta (...) é uma grande felicidade, quando se pode ir à luta por uma vida melhor”.
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira.
P.S.: E por falar em patente, não se esqueça! Se usares este, lembre-se de falar d’eu, ta?
Trazes contigo, Marcelo, uma capacidade incrível e pouco vista nos nossos "pretensos mestres e doutores": tu és HUMANO, tens uma visão privilegiada do saber, consegues associar de forma simples o conhecimento elaborado às inúmeras formas de conhecer. Vida longa para ti!
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