'Há tanta coisa parada na garganta
Não sabia que era tanta
Não sabia que era tanta.
(a Autora)
Lá vem a menina de novo. Epa!! Está chorosa, a menina. O que houve? Queimou-se? Como? Onde? Conte-me tudo!
Foi assim... Há muitos e muitos anos, num reino muito distante daqui, vivia a alegre e faceira menina. Estava ela, como de hábito, encantada. Sim, encantada pela beleza da chama, que dançava intensa e harmoniosamente. Sorria com os olhos e a boca, com as mãozinhas infantis, aplaudia. Como era linda aquela chama, vermelha, amarela, alaranjada e azul... Como era forte e leve! Tão lindo que a menina teve vontade de tocá-la. E, sem nenhum receio, a tocou.
Encantada que estava nem percebeu, a princípio, a dor. Quando se deu conta, já se havia ferido. Queimou-se, a menina. Queimou-se e chorou, chorou muito em razão da intensa dor que lhe causou aquela chama.
A mãe da menina tratou a ferida, deu-lhe gotas de esperança e cápsulas de amor. O pai da menina a colocou no colo, e fez de suas palavras sábias sobre os perigos de pôr a mão em uma chama, um ungüento que aliviou-lhe as dores. Com o passar do tempo, a ferida foi lentamente cicatrizando. A marca, no entanto, ficou na pele e no coração da menina. Sempre que via o fogo, ainda que encantada por ele, ela se lembrava da chama, temia e a ferida doía.
Se por um lado, queria tocá-lo, por outro a lembrança da dor que sentira a afastava. Mesmo a chama de uma vela a assustava, mesmo a chama de um minúsculo fósforo a fazia reviver – no coração – a dor sentida. A ferida estava viva e por mais que tentasse não conseguia superar aquela dor.
Muito tempo se passou e a menina seguia sua vidinha de criança. Esquecera-se do episódio da chama e a cicatriz já não era mais visível em sua pele. Brincava com tudo, divertia-se e ria. Ela ria muito. Era vivaz e corajosa, a menina. Curiosamente, ao ver a luz de uma chama, seu coraçãozinho infantil se angustiava, já não sabia o porquê, posto que a ferida já cicatrizara. Sentia medo, a menina.
Certo é que o fogo a encantava, mas a assustava também. Ela tinha medo do fogo, não sabia bem o porquê, mas temia. Ainda que o fogo parecesse amigo, ainda que se sentisse atraída por ele, aproximava-se lentamente. À medida que se chegava, o calor da proximidade aumentava e ela se irritava – não com ele, mas com ela mesma, por sentir-se tão dele. Brigava com as chamas que a atraíam, chegava a desprezar sua beleza e intensidade. Fazia pouco caso do fogo, fingia que não era com ela. E, invariavelmente, virava-lhe as costas imediatamente, ao menor sinal de contato mais próximo. Sentia raiva da dor que lhe causara a chama. Como se a dor ainda existisse... E existia, em algum lugar, num bauzinho velho e poeirento, escondido no fundo de um quarto escuro. Ela existia, ela estava lá.
Maria Cláudia Cabral
Copyright da Autora. Todos os direitos reservados.
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Muito lindo o texto. Demorei muito a descobri-lo.
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