sábado, 24 de fevereiro de 2007

Carrossel do Ser

“...quando algo necessita ser feito e é inevitável, então o faça rápida e eficientemente...”

Maquiavel

Zunido incessante nos ouvidos, meu novo amigo Rossi nas mãos, fumaça no ar... Arrogante, me julgo senhor absoluto de minha existência, a ponto de querer definir meu destino. Como se a muito já não estivesse nas mãos das fiandeiras. Agora pouco importa, assim como os dogmas em que fui criado. Nem me lembro da primeira vez que “o amanhecer e o anoitecer” perderam o sentido. Existir. Talvez, pelas repetições cada vez mais intensas de minhas ambições, fosse necessário punir-me. Mas, a mesma coragem que me impede de antecipar o inevitável ciclo, como num balé pirotécnico, oscilante, revela-se covardia. Ironia que garante a integridade de meu corpo diante das punições merecidas. Inútil. Ainda que fosse punido fisicamente o tempo curaria as feridas. Agora o choque de meus “eus”, antes como um jogo de bolas de gude, agora se perfila a impetuosa catástase das galáxias que brutalmente tentam ocupar o mesmo lugar no espaço. Explosão.

Sou o reflexo dos pensamentos antiexistenciais que me acompanham. Nada com o que se preocupar, ninguém vai perceber a mudança, dado a superficialidade dos relacionamentos humanos e a facilidade de manipular as pessoas. Só vêem o que querem, ou o que é mostrado. Massa de manobra. Basta um sorriso no rosto, ainda que cínico, e lá vai a felicidade em pessoa. As roupas também ajudam. Por fim, o artifício mais eficiente, mesmo com os amigos próximos, as máscaras... É muito desagradável se expor dessa maneira. Ao menos, o papel e a caneta se submetem silenciosamente a tudo que lhes é imposto. Insolidez, êxtase, psicodelia, frustração, euforia, individualismo, anarquia, amor, pudor, tudo.

Como um amálgama, misture: os rótulos, a insolidez, o êxtase, a psicodelia... Uma pitada de humor ácido, com requintes de cinismo gratuito, despeje numa fôrma untada com muita crítica e pronto descrevi-me da unha ao cabelo. Seria alguém capaz de coexistir pacificamente com o mundo sendo constituído por tão inflamáveis substratos? Respondo que sim. Sim, sim. H? Não, o perigo eminente não é cataclísmico. Implosão. Uma batalha interna constante, prestes a me consumir. Presa e predador desse ritual androfágico.

Talvez, se fosse mais ignorante, ou volúvel, ou alienado, ou tudo isso, relevasse o que vejo e que sinto. E nem me importaria em saber qual é a verdadeira provação. Amanhecer? Anoitecer? Poderia ser... deliberadamente feliz. Não o sou. Não consigo me curvar ao bel prazer do vento.

Minha cabeça dói muito, meus olhos parecem querer saltar de minha face. Lembrei-me de um antigo provérbio oriental. “Numa floresta existiam muitas plantas, grandes arvores de caules majestosamente imponentes e de frágeis e numerosos bambus. As primeiras por suas características naturais, viviam isoladas umas das outras, não podiam ficar juntas, os segundos pelo contrario, só sobrevivem coletivamente. Inesperadamente, começou uma tempestade como nunca houvera ali. Seus ventos incontroláveis e violentos pareciam anunciar a chegada de um rei, obrigando seus vassalos a se curvarem. Os bambus se dobravam e desdobravam à vontade de sua mãe, pouquíssimos morreram. As grandes árvores, devido a sua formação, resistiram enquanto puderam, mas a natureza foi mais forte, e ainda assim umas poucas restaram...” De repente, empalideço, embora seja fácil determinar quem são as grandes arvores e os frágeis bambus, a mãe natureza é o ‘sistema’? Quando virá a tormenta?

Chega!!! Não sei! A essa altura posso naturalmente estar delirando, entorpecido pelos meus pensamentos. Entorpecido por mim mesmo. Droga. A mão é inábil, ante a mente. Esta raciocina velozmente, enquanto, aquela lentamente mancha o papel com palavras infundadas. O resultado quase sempre é insatisfatório, fartas idéias, parcos recursos. Esse disparate pode até ser-me útil, potencializando minha visão cubista da realidade.

O zunido se foi. O disparo não se repetirá, por enquanto. O balaço era primogênito, único e deficiente. Paralisia infantil? Pólio? Aproveitarei adiando um pouco mais a única certeza de todos. Quem sabe, antes de encontrar outra munição, encontre algo mais... destrutivo. Ragnarok! Uma alma gêmea.

Adhes Valhala

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2 comentários:

  1. Anónimo00:25:00

    Adorei este e o texto anterior, tomei a liberdade de passar o link dos seus textos a uma tia culta de sampa.Parabéns, ótimo,bom fazer uma boa leitura!É por estas e outras que digo que este menino é meu "orguio"!Bjus no heart!

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  2. Anónimo23:48:00

    Sempre é bom ler textos de amigos... ou melhor, de grandes amigos...
    Carrossel do Ser me mostra, com toda veemência, a lucidez e coerência que o velho amigo possui em seu raciocínio e opinião. E a cada dia posso perceber o quanto é necessário compartilhar opiniões e experiências com pessoas com o porte do Rodrigo.
    Parabéns pelo texto, e continue contribuindo para o desenvolvimento de idéias e pensamentos.

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