- O Casal Osterman, de Sam Peckinpah
- Bala na Cabeça, de John Woo
- Sonatine, de Takeshi Kitano
- Eleição, de Johnnie To
- Miami Vice, de Michael Mann
São cinco filmes em questão, e quatro deles giram em torno de um. Não por um motivo qualquer, O Casal Osterman de Sam Peckinpah, é o filme base para uma reflexão maior sobre o cinema de ação contemporâneo, pois é dele que vem a rica fonte de influências que se estruturaram para a criação desse gênero que hoje é cultuado por muitos, e tem cineastas de primeira linha como representantes. Peckinpah é mesmo o maestro da ação e da violência, por que ele simplesmente enxergou no registro cru e em slow motion da violência, uma vertente bem mais profunda, e que poderia dar ao gênero uma maior austeridade e possibilidade de reflexão do mundo em que vivemos bem maior do que o cinema vinha fazendo até então. Em O Casal Osterman, Peckinpah coloca um casal as voltas com agentes soviéticos disfarçados, nesse que é um filme de espionagem com a ação sendo construída aos poucos. Ou seja, O Casal Osterman é um filme de ação, e não um filme com cenas de ação, certo de que ação não diz respeito apenas às seqüências de luta, tiroteios, explosões (ainda que tudo esteja lá). Peckinpah irá antes de qualquer outra coisa, priorizar o cinema, o homem, e a selvageria inerente a ele.
De Peckinpah passamos a John Woo, especificamente de sua fase chinesa em meados da década de oitenta. Woo surgia como a grande revelação do cinema de ação quando fez Money Talk em 1980, e depois dele, fez ao menos três filmes memoráveis como The Killer, Bala na Cabeça e A Outra Face. Fato é que a fase criativa de Woo termina, a partir do momento em que ele adere ao cinema de ação conservador americano, diluindo bastante a fórmula que fez dele um mestre na China. Em Bala na Cabeça, Woo reúne o estilo operístico de um Sergio Leone com a violência crua a lá Peckinpah, para criar uma sinfonia da brutalidade e da guerra, num filme que se as vezes se leva a sério (mas sempre nos momentos certos) em outras, injeta humor e ironia pra colocar o gênero da “ação” num patamar que vai além da simples diversão como nos filmes do Michael Bay, por exemplo. Um elogio ao espetáculo do caos, do sangue, da violência, mas nunca simplesmente da violência pela violência. Woo aqui, não soará gratuito. A violência brutal, é antes ferramenta para a não-violência, e em Bala na Cabeça, a idéia é exatamente essa.
Eis que surge então Sonatine, de Takeshi Kitano. Kitano não é um reciclador do cinema clássico de ação como bem foi John Woo. Ele opta por uma outra abordagem do gênero, abordagem essa que mais tarde irá se tornar a marca desse que é um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Sonatine é o anti-filme-de-ação por excelência. Primeiro por que todos os códigos do gênero estão lá: tiroteios, explosões, pancadaria, humor, máfia, gangues e tudo mais. Mas Kitano opta pelo existencialismo antes de tudo. O minimalismo, o tempo, os pequenos momentos, são valorizados antes da ação. É ai que ele se aproxima de Peckinpah, pois ambos querem abordar o ser-humano antes de qualquer outra coisa, e a violência é apenas um reflexo, uma faísca. Mas se Peckinpah primava pelo balé, pelo espetáculo da violência, Kitano prima pela frieza. A violência aqui vem crua e simples, sem qualquer outro artifício. Mas Kitano faz com Sonatine – e também com seu próximo filme, Hana-bi – um filme de ação visceral e contemplativo. Uma gratificante obra-prima.
Voltando ao presente, hoje temos Johnnie To como o maior expoente desse gênero no cinema contemporâneo. To volta a levar a ação para o lado operístico da coisa, das lutas coreografadas, do sangue aos borbotões. Mas ele, unindo o que havia de melhor em Leone e Peckinpah, criou uma assinatura sua. Em Assassinos de Elite ele demonstra por exemplo, com a metalinguagem, de onde veio tudo o que conhecemos hoje sobre o cinema de ação. E aqui ele consegue trazer Sergio Leone de volta à vida com a orquestração perfeita da ação e da violência em seu filme. Desde o uso das gruas, das frases de efeito e tudo o mais. Mas To quer fazer um cinema só seu. É ai que ele chega então com Eleição. Filme de ação por excelência, Eleição retoma a idéia das pequenas ações, para um grande filme de ação. Lá não há a carnificina referencial de Assassinos de Elite, mas sim uma serenidade na colocação de violência em cena. O que To quer antes é dissecar a relação dos personagens, num jogo complexo, pra depois nos revelar o espetáculo da violência, que surge em poucas cenas, mas não menos que impressionantes. Election é parte de uma trilogia que To vem criando (a segunda parte já foi lançada) buscando reestruturar o olhar diante dos gêneros, reciclando códigos já batidos e criando os seus próprios. Por isso, marquem bem esse nome: Johnnie To.
Retornamos então à América, criadora do cinema de ação, mas estagnada, presa em seus próprios signos do gênero. Hollywood que enriqueceu com o filão do cinema de ação que ela mesma criou, teve que importar os diretores orientais que renovavam o gênero pra se manter. Mas a grande revolução dentro do gênero veio de um americano nato: Michael Mann. Ele depois de filmes de ação mais clássicos como Fogo Contra Fogo, começa a partir de Colateral, uma experiência radical dentro do cinema de ação. Essa radicalização chega ao ápice em Miami Vice, filme assumidamente de ação, mas que na sua subversão ainda injeta doses fortes de romance. Mas Mann quer mesmo radicalizar no seu pintar daquele filme. Usando diversos tipos de câmeras e lentes, Mann faz um cinema de ação plástico, que prima menos pelo roteiro que pelas opções estéticas que ele utilizou numa tentativa sublime de revigoração de um gênero batido, mas não morto.
Interessante, vendo todos esses filmes, perceber a multiplicidade de formas e possibilidades que se tem dentro do cinema, mais ainda dentro de um gênero como o da ação. Isso por que ainda deixei de fora cineastas fortes e relevantes como Tsui Hark, Willian Friedkin, Bong-Joon Ho e Andrew Lau. O cinema de ação prova assim que pode-se sim ser contundente e profundo, pode-se questionar a imagem, o cinema, o homem, todos eles em contato direto com a mais primitiva das leis da natureza: a violência.
Rafael C. Parrode
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