quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Editorial nº 6 : Acho que estamos todos muito sentimentalistas....

Essa edição da Arca Mundo vem para refletir sobre os sentimentos humanos: existência, poesia, felicidade, simplicidade, preconceito, inclusão. Num ensaio mais subjetivo que informacional, ovacionamos nossos sentimentos, particulares e universais. Numa expressão bonita e sincera! A cada edição, trilhamos um caminho, e que assim seja sempre!
Pedimos desculpas pelo atraso da sexta edição! E sem mais demoras: leiam-nos!

Camila Pessoa.
Copyright Arca Mundo. Todos os direitos reservados.

Uma homenagem ao mestre Fernando Pessoa

Vou me limitar essa semana a divulgar um poema do mestre Fernando Pessoa que tem me consumido a mente há alguns dias. Provavelmente alguns já o conheçam, mas vale a pena ser reafirmado e relembrado aqui por ser uma expressão única e maravilhosa de sobriedade diante das angústias humanas acerca de nossa existência. É realmente, uma expressão muito mágica e, ao mesmo tempo muito lúcida de uma noção que acho que todo ser humano, em algum momento de sua vida tem de si e talvez, de sua insignificância, diante das coisas do mundo e de sua finitude....

      TABACARIA

    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

    Janelas do meu quarto,
    Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
    (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
    Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
    Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
    Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
    Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
    Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
    Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

    Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
    Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
    E não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

    Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Gênio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim...
    Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
    Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
    Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
    Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
    E quem sabe se realizáveis,
    Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
    O mundo é para quem nasce para o conquistar
    E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
    Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
    Ainda que não more nela;
    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
    Crer em mim? Não, nem em nada.
    Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
    O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
    E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
    Escravos cardíacos das estrelas,
    Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

    (Come chocolates, pequena;
    Come chocolates!
    Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
    Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
    Come, pequena suja, come!
    Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
    Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
    Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

    Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
    A caligrafia rápida destes versos,
    Pórtico partido para o Impossível.
    Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
    Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
    A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
    E fico em casa sem camisa.

    (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
    Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
    Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
    Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
    Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
    Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
    Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
    Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
    Meu coração é um balde despejado.
    Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
    A mim mesmo e não encontro nada.
    Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
    Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
    Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
    Vejo os cães que também existem,
    E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
    E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

    Vivi, estudei, amei e até cri,
    E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
    Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
    E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
    (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
    Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
    E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

    Essência musical dos meus versos inúteis,
    Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
    E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
    Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
    Como um tapete em que um bêbado tropeça
    Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

    Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

    Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
    E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
    Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
    E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

    Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
    E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
    Sigo o fumo como uma rota própria,
    E gozo, num momento sensitivo e competente,
    A libertação de todas as especulações
    E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

    Álvaro de Campos, 15-1-1928
Camila Pessoa
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A FELICIDADE

Com força e com vontade
A felicidade há de se espalhar

Há de mudar os homens
Antes que a chama apague
Antes que a fé se acabe
Antes que seja tarde.

(Ivan Lins e Vitor Martins)

Esta semana fui surpreendida por uma indagação curiosa. Um amigo especial queria saber com que livros fiz minha receita de felicidade. Isto porque quando nos conhecemos, afirmei que me considero uma pessoa feliz. Haverá receita de felicidade?

Refleti um tiquinho sobre o meu sentido de felicidade. Acho que qualquer coisa que eu diga vai soar muito clichê. O fato é que, sendo ''clichê'' ou sendo acadêmica, a noção de felicidade passa pela noção de amor, portanto, farei uma viagem indo do teórico ao empírico, e quem quiser que conte outra.

Falar de felicidade é lembrar de Ortega y Gasset, filósofo espanhol do século XX. Acho fantástico como ele coloca o amor no centro das coisas, como mola propulsora. Acho interessante o seu ''eu sou eu e minhas circunstâncias'', que eu diria ''eu e minhas possibilidades''.

Falando em possibilidades, não poderia deixar de citar o ótimo documentário, que assisti recentemente: ''Quem somos nós?'' Afinal, é ciência - portanto ainda estamos na academia - física quântica, a física das possibilidades e a nossa capacidade de criar realidade. O meu sentido de felicidade passa pela idéia de escolha, de optar por criar a felicidade dentro e em torno de mim.

Mesmo não sendo afeta a livros de auto-ajuda ou fórmulas prontas, citaria algumas frases, que embora bastante clichês – não há como fugir - são verdadeiros ''mantras sagrados'' no caminho da felicidade que criei para mim. Ei-las:

1. A dor sempre vai existir, o sofrimento é opcional; Eu escolhi aceitar a dor, quando inevitável, mas escolhi também não sofrer. Como diria Roberto Shinyashiki, ''Ter problemas é normal, ser derrotado por eles é opcional''.

2. A felicidade depende exclusivamente de mim, de mais ninguém.

Essa é uma de minhas prediletas, porque realmente acredito que nossa felicidade afetiva não está nas mãos de outra pessoa, seja amigo, namorado, marido, seja quem for. A responsabilidade por nossa felicidade está em nossas mãos. Não é justo transferí-la para os ombros de outro.

3. Sou responsável por minha vida, por minhas escolhas, por meus sentimentos e por meu comportamento diante da vida. Só posso mudar a mim mesmo. Mudar a mim mesmo é escolher mudar minha atitude diante da vida, e isso já é um passo bem grande (e difícil).

Aqui vale uma observação: Sou dona das minhas ações, das minhas escolhas, mas não sou Deus. Isto significa que não tenho o controle de tudo a minha volta, ao contrário, tenho governabilidade sobre nada, salvo minha forma de reagir aos fatos. Isto é muito importante, ajuda a evitar a ansiedade. Tendo feito minha parte, aguardo os acontecimentos.

4. Ninguém dá aquilo que não tem. Amar-se é fundamental, só então posso realmente amar outra pessoa.

5. Sou minha melhor companhia. Se eu não me acho uma boa companhia, como posso esperar que os outros gostem de estar comigo?

6. Faço coisas inéditas, extraordinárias, ao menos uma vez por ano.

Resolvi fazer coisas extraordinárias no Reveillon de 2003. Decidi que no Reveillon de 2004, em lugar de estar na frente da TV assistindo a queima de fogos no Rio, eu correria a São Silvestre. Preparei-me durante todo o ano de 2004, e no dia 31 de dezembro, lá estava eu – uma ex-sedentária – correndo os 15km do percurso da 80ª São Silvestre. Cruzei a linha de chegada, depois de 1h53min da largada, exausta, na presença de milhares de pessoas que aplaudiam os grandes vencedores daquela prova. E entre eles, estava eu, que venci minhas próprias limitações. Acreditei, investi e realizei algo extraordinário. Dali em diante tenho feito isso sempre, ao menos uma vez por ano realizo algo inédito em minha vida.

5. Auxiliar os outros é uma grande forma de ser feliz. Vale a pena experimentar.

O que mais posso dizer? Não sei, sinceramente sou Maria Cláudia, não sou Dalai Lama. Não sou perfeita, estou longe disso. Ainda tenho um longo caminho a percorrer. Estou percorrendo o caminho, ''porque o caminho só existe quando a gente passa''.

''Acho que a 1ª vez que nos falamos, você disse que era feliz.''(Um amigo, 20 de novembro de 2006).

"Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito". "Ela é feita de pequenas coisas". (Roberto Shinyashiki)



Maria Claudia Cabral

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Caminhada



Das privações que a vida pode impor ao ser humano, creio que a incapacidade de andar é uma das piores. Depender de alguém ou de algo, além das próprias pernas, para locomover-se fisicamente nesse mundo que parece não ter fim é avistar um fim de perto: o olhar facilmente se perde quando não se pode mais andar para fingir ou concluir que ainda se tem muito chão para vislumbrar. Mas, penso comigo, que talvez o incapacitado seja aquele que tem pernas e não as usa: tem fôlego e não age, pensando que o pôr-do-sol finda qualquer resquício de esperança, mesmo que de fato não exista.

Por isso, ou por nada, vi a necessidade de transformar em poesia o andar nosso de cada dia e todas as suas farpas adquiridas ao longo do caminho; ou pelo menos uma tentativa, pois para o bom brasileiro, ou não, talvez o melhor slogan seja caminhar é preciso, pelos olhos de outros poetas: os de nós mesmos.

Caminhada

Hoje eu aprendi o significado do “caminhar para espairecer”

Que sempre me disseram entre rugas,

Mas nunca pude compreender.

Porque minhas pernas inquietas, chatas e estranhas

Não conseguem mais suportar toda a angústia

De quem pouco tem a ansiar ou desistir.

Pois eu sei, mais do que meus próprios ossos,

Que andar é negociar com os sentimentos,

E eu ando.

Então descobri, que além de escrever

Pra estragar e consertar,

Posso caminhar e respirar o orvalho.

Então direi aos interessados

Que as lágrimas vieram da madrugada,

Das pessoas que entoavam preces nas esquinas,

E das que paravam em fila dupla pra fumar um cigarro.

E eu que não sabia que às vezes é preciso parar...

Eu cantei e esqueci que o dia veio

Pra que eu pudesse ver claramente a realidade.

Deitei e esperei a noite chegar

Pra sonhar aquilo que eu não consegui ver.

Insista, me disseram, nesse eterno espairecer.

Ontem eu insisti, e por volta das 20 horas eu morri.

Volto inadequada, insana e veloz pra lhe dizer

Que não dura, aqui, a hipocrisia,

Pois ela é cansativamente esmiuçada em segredo.

Ordem, calma e regresso.

No outro dia é preciso acompanhar a volta,

Mesmo que tardiamente:

Já que nem mesmo no caos eu me acho

Devido à minha incapacidade de lidar com o incoerente.

Maria Clara Dunck.

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A representação dos negros nos quadrinhos

Pensar os quadrinhos no Brasil, bem como a questão racial no país, é uma tarefa complexa e delicada, sempre margeada pela problemática da exclusão e consubstanciada pela indiferença. No âmbito da discussão racial a problemática toma contornos maiores, tocando questões como direitos humanos, transformação e redimensionamento histórico das formas de preconceito, a apropriação simbólica de um grupo, o negro, pelo outro, o branco – esse outro portador dos meios e canais de difusão comunicacional – capaz de construir hegemonicamente não somente o discurso sobre si mesmo e demais grupos, mas apropriar-se da realidade social e histórica, redimensionando-a para criar simbolicamente um universo moldado pelo seu olhar.

Em relação aos quadrinhos, a questão da marginalidade, menor em dimensões pragmáticas, mas também importante nos limites desse editorial, configura-se igualmente no universo da apropriação discursiva: as mídias surgidas em fins do século XIX e difundidas durante o século XX são vistas pela maioria como instrumentos de massificação, moldadas dentro da lógica da utilidade econômica, diluídas em termos de profundidade teórica e submetidas ao compromisso com a lógica do prazer demandada pelo capital, em detrimento do compromisso com o conhecimento. Essa visão academicista e textualista sofreu transformações à partir da década de 70, com o advento da semiótica. Á partir daí, a imagem alcançou novo patamar na compreensão dos processos da produção de sentido, antes limitada à análise do texto.

O binômio quadrinhos e representação do negro pode ser bem percebido no Brasil em Ziraldo e Maurício de Souza. Maiores produtores de quadrinhos no país desde a década de 70, conseguiram superar as sérias restrições a quem tenta sobreviver de HQ's por aqui, criando universos significacionais de relações extremamente complexas. No primeiro, destacam-se as histórias da Turma do Pererê, publicadas à partir de 1960. Do segundo, a Turma da Mônica, de 1970.

A Turma do Pererê é um universo mitológico criado por Ziraldo, claramente ancorado no nacionalismo modernista. Herdeiro da tradição lobatiana, também influenciado por outros nomes do modernismo – a exemplo de Mário de Andrade – o autor foi capaz de discutir a realidade nacional de forma extremamente crítica através de um universo lúdico infantil, protagonizado por Saci-Pererê, mito do folclore brasileiro redimensionado pelo autor e inserido em um universo cujo epicentro espacial é a Mata do Fundão. Aí, Pererê convive com um grupo composto por duas negras (além do próprio Pererê), Boneca-de-Piche e Mãe Docelina e dois Índios, Tuiuiú e Tininim, além de um grande grupo de animais típicos da fauna brasileira humanizados e batizados com nomes como Moacir (jabuti), Galileu (onça) e Alan (macaco). Os dois brancos presentes no núcleo principal de personagens, o caçador de onças Compadre Tonico e seu companheiro Sêo Neném, são dimensionados com características típicas de vilania, apresentando-se como antagonistas no universo em questão.

A Turma da Mônica de Maurício de Souza, universo quadrinizado mais popular do país, apresenta características bastante distintas da realidade forjada por Ziraldo. As quatro personagens principais, Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão, são construídas através de estereótipos e características muito bem definidas, de onde é extraído o humor nas tiras. A primeira, dentuça e com enorme força física, sempre carrega um coelho de pelúcia azul. È freqüentemente almejada por planos infalíveis que sempre falham de Cascão e Cebolinha, o primeiro com aversão a água, o segundo, troca a letra R pela letra L ao falar. Magali, companheira de Mônica, tem um apetite voraz e insaciável, sem, com isso, engordar. A habilidade com que Maurício constrói estórias baseadas nos estereótipos supracitados é notável.

Além das personagens centrais, destaca-se ainda um enorme núcleo de personagens secundárias, acionadas em momentos muito específicos, normalmente quando é necessário para a história formar grandes grupos. Servem, portanto, como um universo de reserva. Nesse núcleo secundário, encontram-se diversas personagens que se encaixam no que podemos chamar de minorias: O mudo Humberto, o japonês Nimbus, os negros Jeremias e Pelezinho (esse já não publicado), a deficiente visual Dorinha e o cadeirante Luca, estas, personagens recentes.

O que se vê portanto, é uma configuração base seguida por Ziraldo e Maurício de Souza, centrada na utilização de um núcleo central de protagonistas que atua como agente causal. Entretanto, Ziraldo, ao fazer a Turma do Pererê, tomou o cuidado de adequar suas personagens à realidade étnica do país, enquanto Maurício de Souza fez justamente o contrário. As minorias de Maurício de Souza são mera propaganda social, enquanto a turma do Pererê assume contornos muito maiores. Jeremias só é utilizado quando são necessárias personagens secundárias que dêem continuidade à cadeia de acontecimentos da trama. A função dele na Turma da Mônica, nesse sentido, é muito precisa: ser negro. Ele não tem nenhuma característica destacada ou excentricidade como as outras personagens, serve somente para o autor se mostrar politicamente correto. Obviamente, isto não deve ocorrer de maneira proposital. Entretanto, é mais uma daquelas lacunas quase imperceptíveis, involuntárias e mesmo inocentes, em que percebemos que a problemática do racismo e da exclusão está muito longe de seu fim.

Cesar Henrique Guazelli.

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terça-feira, 21 de novembro de 2006

Editorial nº 05: Para discutirmos....


Diariamente somos surpreendidos com acontecimentos que nos levam a pensar, a refletir e a discutir nossa realidade.... A quinta edição da Arca Mundo discute.....

sobre cinema de ação, sobre amores e descobertas, sobre arte, sobre liberdades...

Não só descobrimos as liberdades que a Internet nos proporciona, como também fomos descobertos. Amanhã (22/11) será votado um projeto de lei que controla o acesso de todos os brasileiros à Internet. Foi lançada a enquete: e você? O que pensa sobre isso?

O que eu espero, companheiros, é que depois de um longo período de discussão, todos concordem comigo!” Winston Churchill

P.S: Gostaríamos de parabenizar de maneira pública e solene, nosso colaborador Paulo Henrique dos Santos, pela exibição de seu primeiro documentário, Além dos Outdoors!!! Um filho que finalmente nasceu e só tem a dar mais e mais frutos!!!

Camila Pessoa.

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A Menina e o Gato.


...Era uma vez, num reino muito distante, uma Menina levada e inteligente. Ela sabia de tudo e sobre tudo perguntava. Se alguém sentava ao seu lado, ela logo indagava o nome, a profissão, a cor favorita. Tão esperta a menina, que ninguém resistia a uma boa prosa com ela.

Um dia a Menina viu um gato. Ela nunca havia tomado contato com gatos. Ficou tão curiosa, tão intrigada. Interessou-se imediatamente por compreender o gato. Queria conhecer o que é um gato. Aproximou-se devagar, num misto de vontade e receio. Os gatos mordem? Eles podem machucar? - perguntava a criança a si mesma

O gato a olhava fixamente, parecia adivinhar suas intenções. Observador e cauteloso, o gato a olhava. Ela sorria, gostava da idéia de entender o gato, se é que é possível entender gatos.

Ela se moveu lentamente em direção ao gato, foi estendendo sua mãozinha pequena e curiosa. O gato a olhava. Ele se aproximou um pouco mais, parecia também querer conhecer a criança. O gato conhecia meninas, mas talvez – nunca se sabe o que passa na cabeça de um gato – quisesse saber sobre cada menina. Quis, talvez, conhecer essa Menina. Quem sabe?

Tranqüilamente ele se aproximou um pouco mais. A Menina, não entendendo o gato, com olhos fixos, retrocedeu um tiquinho, mas ela queria muito desvendar o mistério do gato. Então, aproximou-se só um pouquinho. Ele permaneceu.

O gato aproximou-se um pouco mais. Ele chegou a tocá-la, ela saltou e soltou um gritinho – misto de susto e de alegria – por sentir finalmente o gato na ponta dos dedos. Ele assustou-se, recuou.
Ela já não era mais a mesma menina, havia tocado o gato, embora não entendesse um gato. Queria tocá-lo novamente, queria sentir um pouco mais sua textura, seu cheiro, se pudesse, queria provar seu gosto! Queria saber o gato, como saber um gato?

Foi então que, cuidadosamente, aproximou-se de novo – pulsavam, ainda e mais, o medo e a vontade de sabê-lo. A Menina lançou-se em direção ao gato. Ele, imediatamente, ronronou algo que ela não pôde compreender. Ela assustou-se. Ficou ali parada sem entender. Olhinhos fixos no gato. E o gato, olhos fixos nela, virou-se e lentamente saiu. Ela chamou o gato e ele a olhou com desdém.

A Menina até aquele momento não conhecia tal indelicadeza e não entendia o que havia feito de errado. Não quis mais brincar com gato. Também virou-se e saiu batendo pés, olhinhos marejados por causa do gato-bobo. Humpf...

Sua mãe tentou, sem sucesso, explicar-lhe que gatos são assim mesmo, arredios às vezes, mas são muito boas companhias. Disse que ela devia rir da reação do gato, porque quando um gato permite que uma menina o conheça e presta-se a conhecer a Menina, são os melhores amigos de tooodo o mundo. Seu pai, por outro lado, dizia: - Esqueça esse gato, minha filha, ele é só mais um gato-bobo. Que tal brincar de outra coisa. Há tantas outras coisas interessantes no mundo, porque você cismou com esse gato?

A criança teimosa continuava lá, tentando saber o gato.

'' Desarme-se. Amar faz bem para a alma, para a pele e para o cabelo.'' (Uma jornalista, em 17 de novembro de 2006).

'' O que é amar?'' (A criança, hoje e sempre)

Maria Claudia Cabral.

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Na tentativa de controlar

Projeto de lei no Senado prevê controle da Web brasileira

O Senado brasileiro discute na quarta-feira, em reunião da Comissão
de Constituição e Justiça, um projeto de lei que prevê o controle do
acesso à internet, a exemplo do que se pretende estabelecer na China,
um dos países que mais controla o uso da rede.

Conforme o projeto, cujo relator é o senador Eduardo Azeredo, do PSDB
de Minas Gerais, qualquer usuário precisaria se identificar quando
acessasse a internet ou qualquer outra aplicação como o acesso a e-
mail ou a criação de blogs.

Dessa forma seria possível monitorar precisamente o que cada usuário
faz quando está online, sabendo que sites visita ou que tipo de
arquivos está baixando da rede, como músicas ou filmes.


Além de extinguir a privacidade, o projeto prevê fazer do acesso não
identificado crime passível de reclusão de dois a quatro anos.
Provedores de acesso ficariam responsáveis pela veracidade dos dados
cadastrais dos usuários e seriam sujeitos às mesmas penalidades.

Dados cadastrais

Para obter o acesso à internet, os usuários precisariam fornecer
dados pessoais comprovados como nome completo, endereço, número de
telefone, RG, e CPF aos provedores de acesso.

A favor do projeto estariam administradoras de cartões de crédito e
bancos. Procurada pela reportagem, no entanto, a assessoria de
comunicação da Febraban - Federação Brasileira dos Bancos, afirmou
que não irá comentar o projeto por enquanto.

Os provedores de internet são contrários à medida, que estabeleceria
um novo encargo burocrático para os provedores. Analistas também
criticaram a justificativa do projeto, de extinguir a privacidade dos
internautas brasileiros, já que suspeitos de crimes digitais podem
ser rastreados e identificados por meio do seu endereço IP (internet
protocol), número que é atribuído a cada usuário no momento em que
ele acessa a internet.

Agência Estado de Notícias

Discutamos, portanto, a noção de liberdade, de comunicação independente que colocamos em debate com a criação da Arca Mundo. Um dos maiores motivos pelo qual buscamos a Internet para a publicação de nossos pensamentos, foi, justamente, a não necessidade de patrocínios, financiamentos, ligações políticas, censuras, limites... É claro que essa ausência de limites é, ao mesmo tempo aliada a “causas” como a nossa e a pessoas que praticam crimes como rackers e pedófilos. Uma das grandes conseqüências inevitáveis do mal estar na civiliazação: tudo o que é novo, útil, acaba sendo subvertido de todas as formas, para todos os fins.

O fato é que os grandes monopólios de comunicação, aliados às formas de governo sempre tiveram o controle absoluto dos registros de informação, do que é colocado em pauta na sociedade, e agora, de alguma forma, isso está sendo corrompido, impedido. Longe de mim pintar as empresas eios im pintar como grandes viltoa todos os fins.como grandes vilãs ou colocar a culpa “no sistema”. Acontece, que um dos últimos meios livres, novamente, está na iminência do controle. É legal que seu sigilo telefônico ou bancário seja violado ou controlado diariamente? Por que seria legal, portanto, que seu acesso à Internet o seja? Deve-se, sim, procurar uma saída que evite os crimes cometidos via web, e todos sabem que não é essa necessariamente. Como na ditadura, as censuras foram estabelecidas para nos salvar da ameaça comunista, agora, querem nos controlar, para nos salvar da ameaça online. Sim, é um exemplo extremista, mas por que não sermos exagerados agora?imes cometidos via web, e todos sabem que ns do Mal Estar na Civiliazaraticam crimes como rackers e ped

Posso estar fazendo um alarme trivial, mas a maioria esmagadora da sociedade, simplesmente não sabe como o seu direito de comunicar e de receber informações é violado diariamente, sem que ninguém perceba. Alguém, alguma vez, pensou que poderia reclamar à Globo pela porcaria dos filmes ridículos e repetidos que passam, no mínimo, cinco vezes por ano em sua programação? Ou questionar por que os jogos de futebol são comprados para serem exibidos sempre depois da porcaria da novela das nove, fazendo com que você vá dormir de madrugada, se quiser comparecer ao estádio na quarta feira? Alguém se interessou ou buscou pesquisar qual seria o melhor plano de tv digital para a sociedade? Alguém se manifestou a favor do diploma para os jornalistas, quando queriam abolir sua necessidade para o exercício da profissão? As pessoas simplesmente acompanham passivamente o que acontece, sem ter a noção de que a cada dia são mais podadas e impedidas de se expressar!

Sejamos todos a favor de maneiras que impeçam atitudes criminosas, mas que não limitem mais esse meio de comunicação. Não sabemos no que isso vai dar, mas declaro aqui a minha indignação!

Camila Pessoa.

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Decifrador de sonhos


Não há motivos coerentes pra avivar os gestos frágeis

Do ser que se vê passional mas se faz cego aos apelos dos sonhos.

Engraçado como é indiferente seus atos falhos e seu pobre caráter

Frente a uma palavra que confessa a todos o que não precisa a mim dizer...

A mecha de cabelo que interrompe nossos olhares sinceros

Mente ao solidificar na ausência a espera de um sinal augusto:

Todas as mortalhas sabem que a minha busca é pelo que me abala

Nas gigantes manhãs em que nada se dá ao sol que o acordar de bem.

Sempre cri no talvez, o odiando mais que amar a quem se idealiza...

De alguém que, conscientemente nunca amou,

Forjado nesse mundo de esperas e de pestes loucas e verossímeis:

A minha quase inquietação se metadiza pois é vã na morte e na vida.


Maria Clara Dunck.

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O Cinema de Ação em cinco filmes


- O Casal Osterman, de Sam Peckinpah

- Bala na Cabeça, de John Woo

- Sonatine, de Takeshi Kitano

- Eleição, de Johnnie To

- Miami Vice, de Michael Mann

São cinco filmes em questão, e quatro deles giram em torno de um. Não por um motivo qualquer, O Casal Osterman de Sam Peckinpah, é o filme base para uma reflexão maior sobre o cinema de ação contemporâneo, pois é dele que vem a rica fonte de influências que se estruturaram para a criação desse gênero que hoje é cultuado por muitos, e tem cineastas de primeira linha como representantes. Peckinpah é mesmo o maestro da ação e da violência, por que ele simplesmente enxergou no registro cru e em slow motion da violência, uma vertente bem mais profunda, e que poderia dar ao gênero uma maior austeridade e possibilidade de reflexão do mundo em que vivemos bem maior do que o cinema vinha fazendo até então. Em O Casal Osterman, Peckinpah coloca um casal as voltas com agentes soviéticos disfarçados, nesse que é um filme de espionagem com a ação sendo construída aos poucos. Ou seja, O Casal Osterman é um filme de ação, e não um filme com cenas de ação, certo de que ação não diz respeito apenas às seqüências de luta, tiroteios, explosões (ainda que tudo esteja lá). Peckinpah irá antes de qualquer outra coisa, priorizar o cinema, o homem, e a selvageria inerente a ele.

De Peckinpah passamos a John Woo, especificamente de sua fase chinesa em meados da década de oitenta. Woo surgia como a grande revelação do cinema de ação quando fez Money Talk em 1980, e depois dele, fez ao menos três filmes memoráveis como The Killer, Bala na Cabeça e A Outra Face. Fato é que a fase criativa de Woo termina, a partir do momento em que ele adere ao cinema de ação conservador americano, diluindo bastante a fórmula que fez dele um mestre na China. Em Bala na Cabeça, Woo reúne o estilo operístico de um Sergio Leone com a violência crua a lá Peckinpah, para criar uma sinfonia da brutalidade e da guerra, num filme que se as vezes se leva a sério (mas sempre nos momentos certos) em outras, injeta humor e ironia pra colocar o gênero da “ação” num patamar que vai além da simples diversão como nos filmes do Michael Bay, por exemplo. Um elogio ao espetáculo do caos, do sangue, da violência, mas nunca simplesmente da violência pela violência. Woo aqui, não soará gratuito. A violência brutal, é antes ferramenta para a não-violência, e em Bala na Cabeça, a idéia é exatamente essa.

Eis que surge então Sonatine, de Takeshi Kitano. Kitano não é um reciclador do cinema clássico de ação como bem foi John Woo. Ele opta por uma outra abordagem do gênero, abordagem essa que mais tarde irá se tornar a marca desse que é um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Sonatine é o anti-filme-de-ação por excelência. Primeiro por que todos os códigos do gênero estão lá: tiroteios, explosões, pancadaria, humor, máfia, gangues e tudo mais. Mas Kitano opta pelo existencialismo antes de tudo. O minimalismo, o tempo, os pequenos momentos, são valorizados antes da ação. É ai que ele se aproxima de Peckinpah, pois ambos querem abordar o ser-humano antes de qualquer outra coisa, e a violência é apenas um reflexo, uma faísca. Mas se Peckinpah primava pelo balé, pelo espetáculo da violência, Kitano prima pela frieza. A violência aqui vem crua e simples, sem qualquer outro artifício. Mas Kitano faz com Sonatine – e também com seu próximo filme, Hana-bi – um filme de ação visceral e contemplativo. Uma gratificante obra-prima.

Voltando ao presente, hoje temos Johnnie To como o maior expoente desse gênero no cinema contemporâneo. To volta a levar a ação para o lado operístico da coisa, das lutas coreografadas, do sangue aos borbotões. Mas ele, unindo o que havia de melhor em Leone e Peckinpah, criou uma assinatura sua. Em Assassinos de Elite ele demonstra por exemplo, com a metalinguagem, de onde veio tudo o que conhecemos hoje sobre o cinema de ação. E aqui ele consegue trazer Sergio Leone de volta à vida com a orquestração perfeita da ação e da violência em seu filme. Desde o uso das gruas, das frases de efeito e tudo o mais. Mas To quer fazer um cinema só seu. É ai que ele chega então com Eleição. Filme de ação por excelência, Eleição retoma a idéia das pequenas ações, para um grande filme de ação. Lá não há a carnificina referencial de Assassinos de Elite, mas sim uma serenidade na colocação de violência em cena. O que To quer antes é dissecar a relação dos personagens, num jogo complexo, pra depois nos revelar o espetáculo da violência, que surge em poucas cenas, mas não menos que impressionantes. Election é parte de uma trilogia que To vem criando (a segunda parte já foi lançada) buscando reestruturar o olhar diante dos gêneros, reciclando códigos já batidos e criando os seus próprios. Por isso, marquem bem esse nome: Johnnie To.

Retornamos então à América, criadora do cinema de ação, mas estagnada, presa em seus próprios signos do gênero. Hollywood que enriqueceu com o filão do cinema de ação que ela mesma criou, teve que importar os diretores orientais que renovavam o gênero pra se manter. Mas a grande revolução dentro do gênero veio de um americano nato: Michael Mann. Ele depois de filmes de ação mais clássicos como Fogo Contra Fogo, começa a partir de Colateral, uma experiência radical dentro do cinema de ação. Essa radicalização chega ao ápice em Miami Vice, filme assumidamente de ação, mas que na sua subversão ainda injeta doses fortes de romance. Mas Mann quer mesmo radicalizar no seu pintar daquele filme. Usando diversos tipos de câmeras e lentes, Mann faz um cinema de ação plástico, que prima menos pelo roteiro que pelas opções estéticas que ele utilizou numa tentativa sublime de revigoração de um gênero batido, mas não morto.

Interessante, vendo todos esses filmes, perceber a multiplicidade de formas e possibilidades que se tem dentro do cinema, mais ainda dentro de um gênero como o da ação. Isso por que ainda deixei de fora cineastas fortes e relevantes como Tsui Hark, Willian Friedkin, Bong-Joon Ho e Andrew Lau. O cinema de ação prova assim que pode-se sim ser contundente e profundo, pode-se questionar a imagem, o cinema, o homem, todos eles em contato direto com a mais primitiva das leis da natureza: a violência.

Rafael C. Parrode

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A primeira noite depois da tarde



No meu último texto eu fiz um desabafo sobre o como é ruim se sentir apenas mais um homem mediano no mundo. E concluí dizendo que estava tomando providências para que as coisas mudassem. Para minha alegria, ontem a noite tive indícios que estou seguindo o caminho certo.

Na exibição pública do “Além dos Outdoors”, meu primeiro documentário, tive uma prova concreta de que as coisas estão mudando. Deixei de ser um simples espectador para estar no centro das atenções. E devo confessar que isso nunca havia me acontecido antes. Falando em termos cinematográficos, deixei de ser um mero figurante pra me tornar um dos protagonistas.

Produzir esse filme foi um dos maiores presentes desse ano. Por causa dele eu deixei um emprego cômodo, mas desinteressante, conheci gente que nunca imaginava conhecer e tive a oportunidade de aprofundar laços com outras que eu já conhecia, mas que por puro preconceito e ignorância não tinha grandes vínculos. Esse filme me abriu a mente em diversos aspectos.

Para quem está acostumado com aplaudir, receber palmas é estranho. Fica a dúvida se aquelas palmas são sinceras ou puros gestos mecânicos que a boa educação preza. O mesmo acontece com a infinidade dos sorrisos recebidos. Se pelo menos 10% forem sinceros já fico feliz.

Em nenhum momento da minha vida eu me senti tão observado. Minha auto-estima também nunca esteve tão boa. Mesmo assim, ainda não foi possível levantar a cabeça pra encarar as centenas de olhares e nem falar o discurso que já estava pronto há anos na cabeça. Pra não passar uma vergonha ainda maior, é melhor falar pouco e coisas básicas, mesmo que fúteis.

É estranho se sentir querido. É estranho ver que pessoas deslocaram um pouco a rota de seus dias para poder lhe prestigiar. No fundo eu ainda acho que não mereço isso. No fundo eu ainda acho que eu sou uma fraude e que posso provar esse fato. Admito que pensei que aquele momento acabaria assim que as luzes do cinema fossem acesas. Mas quando sua rotina é marcada por pessoas especiais, a sensação se prolonga um pouco e vai até uma mesa de pit-dog. Isso tudo são resquícios de um homem que ainda não decidiu que rumo tomar.

Paulo Henrique dos Santos.

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Onde mora um artista


Um portão foi aberto para mim. No muro, o número 1031 bem grande. Veio me receber simpaticamente. Era uma figura familiar e ao mesmo tempo cheia de coisas novas, digo, de artes novas aos meus olhos.

Naquela manhã de sábado eu podia sentir o calor... do sol que estourava no céu e de algumas pinturas em seu aconchegante atelier. Quando entrei naquele cômodo ajeitado por ele, já avistei um montante de trabalhos. Alguns, envelhecidos pelo tempo, carregados de pó. Outros, com cuidado, ele envolveu em um fino plástico com o intuito de conservá-los. Um em especial trazia as seguintes palavras: “depois de lerem esta história, vocês terão de concordar que o destino das pessoas já vem traçado antes mesmo de nascer ou, até mesmo, antes que alguém tenha sonhado com a existência de tal ser”. Eu podia até não comungar da idéia, mas tinha que admitir a profusão de texto e imagem.

Tudo estava numa desordem exata, que o localizava com rapidez em meio aos papéis, pincéis, tintas, luvas, telas vazias, todas ansiosas pelo seu toque. Caminhei um pouco mais e de repente tive um embate com um enorme quadro. A pintura era tão sinestésica que qualquer pessoa teria gosto em tocá-la. Parecia veludo, mas não tinha aparência muito suave.

Ele insistia em me ver à vontade. E eu estava. Tanto que comecei a vasculhar cd’s e dvd’s deixados em cima de um balcão. Encontrei uma discografia dos Beatles e outros achados. Ali também estavam filmes de Almodóvar, Bergman, alguns do neo-realismo italiano e, o mais incrível, X-Men – O Confronto Final! É claro que era fascinante.

Encontrei esculturas, telas retocadas de dois em dois anos. Havia três desenhos recentes que, segundo ele, envolviam toques concretistas, dadaístas e outras tendências, ambas misturadas com a sua maneira lúdica de fazer o que mais ama. Era mesmo um meninão. Se atrevia a fotografar com Nikon. Usava tripé. Não ficou pra trás na era digital. Ele sabia operar fotoshop e coreldraw!

Não havia dúvidas. Tentava fazer de tudo. Em linguagem mais apurada, alguns conhecedores o chamaram de versátil. E era de fato. Aproveitei aquele sábado de uma maneira diferente. Queria ver, sentir o gosto estético que o lugar exalava. Estranho, não é mesmo?!

Diante de mim, se apresentava um artista tímido, mas que no fundo queria ser visto através de sua arte, de seu trabalho. Na verdade, acho que não queria fama pra hoje ou pra amanhã. Ele certamente fazia tudo porque não conseguia deixar de se movimentar diante das coisas da vida. Tinha muita sensibilidade pra isso. Sua arte é do aqui – e – agora, entretanto não se contenta em ser efêmera. Prova disso é que nem por um segundo pude me desfazer daquele ambiente, das suas telas, dos seus desenhos-esculturas, 1031, 1031... Nesse número estava alguém desenhado antes mesmo de nascer! Aí não podia mesmo ser diferente, eu confesso!

Maraísa Lima.

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terça-feira, 14 de novembro de 2006

Editorial nº 4 – Novidades!!!


Publicamos nossa quarta edição com grandes novidades! Uma, é a chegada de mais uma colaboradora, com uma nova editoria que eu tenho certeza que vai agradar a todos! Literatura!!! A idéia era publicar seus poemas, mas a moça foi além! A nova editoria irá explorar obras de escritores amadores e conterá, também, ensaios, contos, análises e indicações de obras literárias! Seja bem vida à nossa Arca de misturas, Maria Clara Dunck!!!
Além disso, temos outro motivo para celebrar! Nosso blog está crescendo,devagar e sempre e conquistando, a cada dia, novos horizontes. Esta semana fomos cadastrados e passamos a fazer parte da lista de divulgação de blogs do site maisbrasilia.com. A Arca Mundo se encontra na página 24, do item Blogs!!!
Esta edição traz a crítica do filme A Criança, dos irmãos Dardenne; um texto muito útil à convivência dos sexos, sobre TPM; uma reportagem sobre o Festival Goânia Noise e o texto de estréia sobre Literatura! Uma quarta edição fresquinha para ser degustada com muita satisfação!

Publicamos nossa quarta edição com grandes novidades! Uma, é a chegada de mais uma colaboradora, com uma nova editoria que eu tenho certeza que vai agradar a todos! Literatura!!! A idéia era publicar seus poemas, mas a moça foi além! A nova editoria irá explorar obras de escritores amadores e conterá, também, ensaios, contos, análises e indicações de obras literárias! Seja bem vida à nossa Arca de misturas, Maria Clara Dunck!!!
Além disso, temos outro motivo para celebrar! Nosso blog está crescendo,devagar e sempre e conquistando, a cada dia, novos horizontes. Esta semana fomos cadastrados e passamos a fazer parte da lista de divulgação de blogs do site www.maisbrasilia.com. A Arca Mundo se encontra na página 24, do item Blogs!!!
Esta edição traz a crítica do filme A Criança, dos irmãos Dardenne; um texto muito útil à convivência dos sexos, sobre TPM; uma reportagem sobre o Festival Goânia Noise e o texto de estréia sobre Literatura! Uma quarta edição fresquinha para ser degustada com muita satisfação!
Camila Pessoa.
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Não só literatura, não só ela.

"A verdadeira filosofia nos permite descobrir isto ou aquilo; a literatura, tudo". (Gonçalo Armijos Palácios)


Teorias e mais teorias não se cansam e, provavelmente, jamais se cansarão de dissertar a respeito do que é, enfim, a literatura. Do entretenimento ao engajamento político, do teatro grego antigo à literatura do absurdo, também suas funções na sociedade são amplamente discutidas. Então, se levarmos em conta todas as suas manifestações ao longo da história – engavetadas em suas poéticas e escolas – , teremos tanto a dizer, que o propósito de explorarmos a própria literatura e, conseqüentemente, seu foco principal, que são as obras literárias, será perdido, como não raramente acontece.

Seria muita pretensão, um sinal de ignorância e causaria polêmica tachar essa editoria dedicada somente à literatura ou como dedicada à literatura. Não posso, seja por incapacidade ou por sentir impossibilidade, excluir todo o restante das editorias dessa publicação de um viés literário, já que a linha que separa as ciências humanas é tênue. Também não poderia afirmar que aqui estaria tratando apenas da mais pura literatura, desvinculada de tudo que dela necessita ou de tudo que a auxilia, seja no campo das artes, do jornalismo, da filosofia, da história etc.

Refiro-me à literatura num grau mais elevado, numa abordagem mais específica e no papel de protagonista. Ensaios, poemas, críticas, divulgações, análises etc. Serão aparatos cruciais para unir o entretenimento, a linguagem, o conhecimento e a exploração de uma arte tão apreciada.

É fato que uma citação é só uma citação ou uma poderosa arma quando retirada do seu contexto e jogada num ambiente qualquer, passível de diferentes interpretações. E uma citação é um aperitivo ou um símbolo da impossibilidade de se expor, num determinado contexto, uma obra inteira. Talvez a epígrafe citada aqui, publicada em um artigo de jornal sobre a importância da literatura, possa parecer pretensiosa e contraditória, atribuindo um crédito maior à literatura, em detrimento da filosofia. Essa citação poderia extrapolar esse entendimento, supervalorizando a literatura, diante das outras artes ou meios de comunicação, porque, aqui neste espaço, a literatura não tem limites. Tampouco terá para o leitor.
Maria Clara Dunck.
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MULHER À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (a TPM)


Sabe aqueles dias que você acorda diferente? Primeiro aquela SAUDADE não se sabe de quê ou de quem... Aquela MELANCOLIA, vontade de colo. Em seguida você se dá conta de que NINGUÉM está disposto a te dar colo, que você é muito, muito SOZINHA. Na verdade, sente-se DESENGONÇADA, FEIA, DESINTERESSANTE e... G-O-R-D-A...

A vontade de se encolher na cama embaixo das cobertas, com janelas e cortinas fechadas toma conta e até a voz do Bial no Fantástico faz você sentir vontade de chorar. E você choraaaaa... CHORA muito. Chora por tudo, até no Jornal Nacional. Sente-se uma pessoa inútil, nunca fez nada pela fome na África, nunca será glamourosa como Gisele Bündchen, jamais terá o amor do George (Clooney). Enfim, você é a mais infeliz das mulheres, a mais miserável, a mais sofredora, a mais detestável, a mais chata. Sua auto-estima está em baixa.

De repente TODOS os seus problemas foram colocados sob uma LENTE DE AUMENTO gigantesca. E a mais insignificante das pedrinhas no caminho, torna-se um OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. Ninguém a ama, seu chefe não gosta de você – aliás, por que mesmo ele fez aquele comentário sobre seu cabelo? Estão todos contra você e ficam te olhando de cima a baixo.

E quando a olham você se pergunta: ' Porque tá me olhando, palhaço?' Se irrita profundamente com qualquer comentário que lhe dirijam, e ai de quem não lhe dirigir a palavra, porque você não admite ser ignorada. Afinal, quem essas pessoas idiotas pensam que são para a tratarem assim, porra? Num crescendo surge uma vontade aterradora de ESMURRAR o flanelinha que te perguntou se podia olhar o carro e você só não esmurra porque aquela vadia do trabalho – loura, para lá de oxigenada – passa na sua frente e desvia seu pensamento para uma cadeira elétrica – lugar onde ela devia estar para aprender a não atravessar o seu caminho. E aquela vaca ainda se diz sua melhor amiga.

É nesse momento, quando está a ponto de ELETROCUTAR sua verdadeira amiga e companheira, que você se dá conta de que ELA chegou. Sim, meninas... A TPM está com vocês, a TPM está comigo, ela está com quase todas nós, invariavelmente uma vez por mês, e haja Ponstam, Atroveram, Buscopam e semente de linhaça (acreditem é bom demais). Haja amor e paciência por parte de nossos namorados, maridos, amigos, mães, pais, irmãos, colegas de trabalho, etc, etc, etc...

O melhor de tudo é saber que, se ela veio, já podemos dormir tranqüilas e voltar a ser as mulheres maravilhosas que sempre fomos. Lindas, competentes, talentosas, amorosas e seguras de si.

''Quase não me reconheço quando estou assim, quero me encolher embaixo das cobertas até tudo isso passar'' (Uma mulher de 37 anos, ontem).

''Eu choro por tudo, odeio o mundo e o mundo me odeia, quero gritar e brigar com todos à minha volta. Nem eu me suporto'' (Depoimento numa das dezenas de comunidades do Orkut dedicadas ao tema TPM).
Maria Claudia Cabral.
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O Cinema dos Irmãos Dardenne – A Criança.



Quem nunca viu um filme dos irmãos Dardenne, não imagina o quão rico e forte é o cinema que eles criaram ao longo de suas carreiras. Vencedores da Palma de Ouro em Cannes em 2000 pelo belíssimo Rosetta, eles retornaram ao Festival em 2002 com mais uma obra-prima, O Filho, desta vez, levando apenas o prêmio de ator para o excepcional Olivier Gourmet. Não bastasse, em 2005 - ano em que a seleção de Cannes primava por autores consagrados como: Cronemberg, Jarmusch, Michael Haneke, Amos Gitai, Hou Hsiao Hsien, Carlos Reygadas, Win Wenders, Gus Van Sant e Lars Von Trier - os Dardenne e seu cinema humanista e moral (mas nunca moralista), sabiamente foram mais uma vez premiados pelo júri, presidido por Emir Kusturica, por sua mais nova obra-prima A Criança, que entra agora em cartaz em Goiânia no Cine Cultura.
Os irmãos belgas fazem um cinema de câmera na mão, sempre muito próxima dos atores. Em O Filho, ela estava nas costas do personagem de Olivier Gourmet, como se ele estivesse carregando um peso, e isso fazia toda uma diferença naquela história forte que eles contavam. Aqui, ela acompanha a respiração dos personagens, se afastando ou se aproximando dos corpos de acordo com suas ações. É um estilo que às vezes lembra Bresson, neste que é, aliás, um Pickpocket bem “dardenneano”.
E A Criança não poderia ser nome mais certeiro. Certeiro, porque os irmãos nos colocam num universo basicamente pós-adolescente, em que os jovens, nessa transição para o mundo adulto, nessa sociedade cada vez mais materialista, parecem crianças, infatilizadas, frágeis.
Sonia acabou de ter um filho. Bruno, seu namorado, vive de pequenos furtos e diz que trabalho é coisa de babaca. Um dia, Bruno resolve vender o filho para a adoção. Os Dardenne começam seu filme assim: direto e reto, com Sonia e seu bebê nos braços, acabando de sair da maternidade. E a impressão que se tem é que o filme será sobre Jimmy, filho do casal de jovens. Mas os irmãos, lá pelo meio do filme, se permitem uma troca inesperada de protagonistas. Na verdade, A Criança do título é Bruno, que irá atravessar o inferno em busca de redenção. É por isso que digo que o cinema dos cineastas belgas é moral, mas nunca moralista. Bruno fará suas escolhas e, conseqüentemente, pagará por elas. Mas os Dardenne em momento algum irão julgá-lo, e sim observá-lo. E por isso, o tempo nesse filme parece ser tão importante, porque é com ele que Bruno, através de seus olhos e da consciência de seus atos, irá se tornar cada vez menos um objeto e mais um ser humano. Ao passo que seu filho, que solta apenas um choro na primeira cena do filme, irá cada vez mais parecer uma mercadoria, um pacote. Os Dardenne, nessa inversão forte de papéis, parecem ir além, injetando vida em elementos como um carrinho de bebê e uma motocicleta, nos confrontando ainda mais com essa questão do homem/objeto.
Como em Bresson, os pequenos gestos, os pequenos detalhes, podem significar bastante. E A Criança se sustenta dessa forma: construindo com muita delicadeza e profundidade, toda a lógica desse mundo capitalista, em choque com o ser humano. São muitas as cenas em que os Dardenne transbordam seu filme de possibilidades, interpretações. E o final é a conclusão perfeita para a obra impressionante que é L’Enfant. Bruno, em uma odisséia em busca de sua humanidade, ao final encontrará sua redenção. E os irmãos cineastas redentores que são, irão com isso, criar um belo manifesto humanista, tentando nos mostrar que, apesar de vivermos em um mundo em que o capital parece estar sempre à frente do índivíduo, ainda somos humanos. Triste, mas sublime!
Rafael C. Parrode
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OS MONSTROS DA CENA UNDERGROUND



Em entrevista, Léo Razuk, um dos sócios da Monstro Discos, fala da história do selo, dos festivais e sobre o que o público pode esperar da 12° edição do Goiânia Noise.


A Monstro Discos surgiu no início de 1998. Léo Bigode e Márcio Jr. tinham uma sociedade em uma loja de discos que estava perto da falência. Então, juntos, decidiram criar um selo independente, a Monstro Discos. O selo divulgaria o trabalho das bandas no festival que eles também administravam, o Goiânia Noise, que reúne bandas independentes de todo o Brasil.
Léo Bigode sabia como administrar a Monstro, sabia como produzir os discos, mas não sabia fazer shows. Paralelamente a este projeto, Fabrício Nobre, vocalista da banda MQN (Melhor Que Nada), tentava manter a sua Me and My Monkey Records de pé. Ao contrário de Léo, Fabrício não sabia produzir um bom disco, mas de shows o rapaz entendia bem. “Ele mesmo chegou à conclusão que o negócio não era fazer disco, que ele não tinha a manha de fazer disco, mas tinha a manha de fazer show.”, diz Razuk. Foi aí que Fabrício decidiu criar o Bananada (festival de bandas independentes, semelhante ao Noise). “Quando o Fabrício criou o Bananada ele foi muito influenciado pelo Goiânia Noise e pela própria Monstro. Ele era público, consumidor do Noise e então ele resolveu criar o dele, sair da cadeira e criar alguma coisa.”
Léo produzia bons discos. Fabrício produzia bons shows. Dessa união feliz nasceu o “protótipo” do que a Monstro Discos é hoje. Para completar essa promissora união, o jornalista Léo Razuk, que já estava trabalhando com a Monstros, decidiu entrar na sociedade. O primeiro trabalho dos quatro como sócios foi a produção do show do Mudhoney, uma das bandas de garagem nascidas em Seattle. O trabalho e a união dos “quatro monstros” começaram a dar resultados. “Ele (Fabrício) começou a dar um profissionalismo maior nos shows, de qualidade de equipamentos para as bandas tocarem, de buscar locais que fossem mais adequados para as bandas se apresentarem, aí eu acho que o negócio começou a andar.”
A Monstro Discos começou a ter visibilidade no Brasil inteiro devido à qualidade dos cds, das bandas e dos festivais. Foi aí que decidiram fazer parceria com outros selos independentes, entre eles a Tratore, de São Paulo, que cuida da distribuição dos discos da Monstro pelo Brasil. “Fizemos essa parceria com esses selos com o objetivo de unir nossas forças e poder contar com a ajuda logística da Tratore. A grande dificuldade dos selos independentes é a distribuição dos produtos.”
Há, também, outras dificuldades tão grandes quanto a de distribuição. A rentabilidade dos selos independentes é muito pequena. No caso da Monstro, o retorno é maior e mais rápido com os festivais, principalmente se eles tiverem apoio e patrocínio. Mas, infelizmente, isso nem sempre acontece: “Na maioria das edições dos festivais a gente depende quase totalmente da bilheteria.”
A filosofia da Monstros é a do “faça você mesmo” e com essa idéia na cabeça, vontade, dedicação e um pouco de loucura, os quatros sócios correm atrás dos objetivos e conseguem mostrar que Goiânia, apesar da fama de sertanejo-brega, é também a terra do rock’n’roll alternativo.
Esse ano o Goiânia Noise completa 12 anos! Considerado a maior festa do rock independente brasileiro, o festival acontece entre os dias 24 e 26 de novembro e vai reunir 33 bandas em três grandes noites de rock! Serão shows com bandas consagradas como Los Hermanos, Matanza, Nação Zumbi, Ratos de Porão, Mundo Livre S/A, MQN, Valentina, Pata de Elefante, Prot(o), Violins, Mechanics, e outras 22 bandas dos mais diferentes lugares e estilos.
A novidade esse ano é o espaço onde acontecerá o festival: o Centro Cultural Oscar Niemeyer. Antes realizado em locais como Centro Cultural Martim Cererê e Jóquei Clube de Goiânia, o Goiânia Noise parte para uma estrutura cada vez mais ampla e melhor. O espaço recém – inaugurado é amplo, confortável e seguro, com ótima estrutura de som e iluminação. O novo centro cultural da cidade tem agradado o público com vantagens, como por exemplo, área 100 % coberta, ar condicionado e estacionamento fechado com capacidade para 350 carros.
Segundo Fabrício, o festival é o resultado de um semestre de esforço, para trazer a Goiânia bandas clássicas da cena underground brasileira, novidades que ainda não tocaram em nenhum festival independente do país e o melhor da cena local. As grandes atrações são Los Hermanos, que fecha a primeira noite de shows, Nação Zumbi, que encerra a segunda noite e Ratos de Porão, para finalizar o último dia! Haverá, também, como já é de costume, praça de alimentação e stands de vendas de produtos ligados à cultura rock.
O preço dos ingressos está a R$ 20, 00 por dia e R$ 50, 00 o passaporte para os três dias de festival, à venda na Tribo do Açaí, Ambiente Skate Shop, Hocus Pocus ou na Monstro Discos. Quem se interessar pelo passaporte deve correr, pois só foram postos 300 passaportes à venda!
Camila Pessoa e Carollyne Almeida.
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quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Mostra SP de Cinema - Sexto dia: Uma estória de coincidências, e um peso-pena entre dois pesos-pesados!

O Sol

Em Arca Russa, Alexander Sokuróv, utilizando-se de um suposto único plano seqüência, sem qualquer corte, percorreu toda a história russa pelos corredores do belíssimo museu Hermitage de São Petersburgo. Um elogio ao cinema, um filme soberbo que abre toda a arca da história russa até os dias atuais, num exercício ousado e profundo de imersão e poesia. E foi num desses elogios ao filme, feito à nossa editora Camila, quando ainda desenhávamos os primeiros esboços dessa pequena revista eletrônica que mal sabíamos como chamar, que ela começou a tomar forma. Havia antes, como todos sabem, a idéia de se homenagear um pasquim de pensamentos e idéias livres, que circulou na época da ditadura militar, chamado O Sol, e era sempre dele que partíamos para a busca de um nome para o nosso blog. Eis que surge o filme Arca Russa e dele, Arca Mundo – afinal, também podemos encher arcas de pensamentos, idéias livres e independentes nesse mundo cada vez mais dependente – nome que se encaixou com perfeição ao nosso pequeno projeto desse pasquim eletrônico.
Não menos que por uma coincidência do destino, vou ver o novo filme do mesmo Alexander Sokuróv e ele se chama O Sol. Engraçado como essas pequenas coisas da vida a fazem parecer mais mágica. E Sokuróv parece aqui, captar a mágica dos pequenos momentos do Sol, como era chamado o Imperador japonês Hiroito, descendente real de outro grande imperador e também chamado pelo povo de filho do sol. Hiroito foi um ditador que, na sua má acessoria militar, utilizando-se do patriotismo extremado de seu povo, entrou em desvantagem na Segunda Guerra Mundial, culminando na devastação de parte do Japão pelas bombas atômicas e seu fim como monarca real, após ser deposto pelos americanos assim que tomaram o país.
Interpretado por um maravilhoso Issey Ogata, o Imperador é registrado por Sokuróv, com sua câmera flutuante e suas fusões rápidas, como um homem que, durante a vida toda, havia sido tratado como Deus: nunca sequer abriu uma porta, pois havia sempre quem abrisse pra ele. Um homem extremamente infantilizado, dono de um terrível mau hálito e grave problema de dicção. E o filme consegue - no que havia sido uma tentativa fracassada de Sokuróv em Taurus, ao retratar os últimos dias de Lênin, em que ele acaba caindo na caricatura fácil do ditador russo – com muita sensibilidade, antes de qualquer adendo estético, injetar intensa humanidade nessa figura impressionante que foi Hiroito. Filmando seus últimos momentos até a tomada de poder pelos EUA, cada cena se sustenta no cotidiano banal do Imperador, até o seu final deslumbrante que o coloca em contato gradual com o mundo em si e na possibilidade de tocá-lo com as próprias mãos.
Sokuróv irá repetir certos cacoetes seus e um deles será sua câmera flutuante que, em certas horas, parece desproposital. Mas aqui ele parece querer investir na edição, num filme meticulosamente montado. Ainda que cansativo a certa hora, O Sol é um filme e tanto. Uma obra de um cineasta que parecia perdido em seu filme anterior, mas retoma o vigor aqui.

Cotação: * * *

Time

Não bastasse a antipatia que tenho pelo trabalho do diretor Kim Ki-Duk, ainda programei seu novo filme entre dois dos mais belos da Mostra e do cinema neste ano: Síndromes e um Século e Juventude em Marcha. Coitado. Kim Ki-Duk é um cineasta coreano que fez ao menos um bom filme, A Ilha, em que ele parecia ainda não assombrado pelo fantasma da pretensão, e em seguida, emplacou um engodo atrás de outro. Pra se ter uma idéia de sua obra de uma maneira geral, basta analisar o nome de um de seus filmes mais prolixos: Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera. Ora, se já não bastasse cada nome das quatro estações do ano, em uma espécie de metáfora pro seu filme, ele adiciona “e... Primavera”. E essa é a diese de quão pobre de sentidos e possibilidades é o cinema de Kim Ki-Duk.
Ele como sempre, escolhe filmar temas edificantes. Em “Primavera...” o tema era a existência, em Casa Vazia, a solidão e agora em Time, o tempo (e o título não poderia ser mais óbvio). Mas em seus filmes anteriores, Ki-Duk ainda investia nas suas imagens pseudo-poéticas pra dar um certo lirismo de boutique aos seus filmes. Nesse Time, o rigor com o cinema, é tão insípido quanto seus personagens volúveis e fúteis e todo aquele papo de auto-ajuda que o cinema dele tem aos montes. Por isso dizem: Ki-Duk é o Paulo Coelho do cinema... e deve ser mesmo.
Mas vamos à trama, que não poderia ser mais óbvia: Garota fica enciumada ao ver namorado flertar com outra mulher e resolve fazer cirurgia plástica para mudar seu rosto e fazer com que ele volte a se apaixonar por ela, agora outra. Ele atordoado, sem saber quem é a mulher que ama, também faz a bendita cirurgia e muda o rosto. Ela então, diante daquela insanidade completa, enlouquece. Ora, quem não enlouquece? Ki-Duk tem o talento de um aluno da oitava série que escreve as redações sobre “temas” que a professora pediu. E o pior que todo mundo acha o texto do mané lindo.
Vendo essa infinidade de filmes aqui na Mostra, ficou ainda mais difícil aturar esse cinema pseudo - tudo que o Kim Ki-Duk faz. Quem já viu Tarkovsky sabe do que estou falando.

Cotação: ●